Filmes

Entrevista

"Todas as conquistas das mulheres ocorreram com muita luta e isso não pode ser esquecido", diz a cineasta Helena Solberg

Centro Cultural Banco do Brasil faz uma retrospectiva de seu trabalho este mês

08.03.2018, às 10H10.
Atualizada em 13.03.2018, ÀS 06H03

Em sintonia com o Dia Internacional da Mulher (8 de março), o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) promove até o dia 19, em suas filiais de SP e RJ, uma retrospectiva de uma das mais inventivas e “femininas” “documentaristas” do país: Helena Solberg. As aspas em ambas as palavras têm um sentido tão político quanto a própria obra da realizadora de Palavra (En)cantada (2009). Fala-se “feminina” porque, embora seus filmes militem por uma representação crítica da condição das mulheres, eles não se aliam aos códigos feministas, buscando um olhar a um só tempo feroz e terno, autoral. É o que se encontra em produções radicalmente distintas como A Dupla Jornada (filmado em 1975 com foco em trabalhadoras de fábricas do México e da Argentina e de minas da Bolívia e da Venezuela) e Carmen Miranda: Banana Is My Business (cult de 1994 sobre a estrela homônima).

Acervo Helena Solberg

E a aspa no “documentarista” é uma forma de destacar como seus longas gravitam pela fronteira tênue entre fato e fabulação, como o pilar de sua filmografia: A Entrevista, de 1966, no qual ela costura depoimentos de jovens num jogo narrativa com arquétipos de opressão. Fora que, em 2004, ela ganhou o Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado por uma experiência radicalmente ficcional: Vida de Menina, baseado no diário da escritora Helena Morley (1880-1970).

Na entrevista a seguir ao Omelete, Helena Solberg fala de suas inquietações éticas e estéticas.

Omelete: Seus filmes, dos anos 1970 para cá, em geral, falam sobre aceitação, afirmação, identidade de gênero. O quanto esse seu discurso de inquietude cresce diante do novo pleito feminino que marca o discurso das mulheres na atualidade?

Helena Solberg: Quero estar inserida em meu tempo. Meu último filme, Meu Corpo Minha Vida, retoma a questão da descriminalização do aborto e do direito da mulher sobre o seu sistema reprodutivo. Quero também contribuir com a memória de um passado não tão distante, que alguns de meus filmes examinam. Todas as conquistas ocorreram com muita luta e perseverança; nada nunca nos foi dado, tudo foi conquistado e isso não pode ser esquecido. Podemos aprender muito com a História. O direito à educação primaria só nos foi “concedido” em 1827, depois de longa luta, mas, mesmo assim, o ensino da aritmética nas escolas de meninas ficou restrito às quatro operações. Eu me pergunto: o que temiam? Iríamos tomar o Poder com a matemática? O voto, só o conquistamos em 1927. Então penso que, nesse momento de efervescência, temos que aproveitar e estar unidas mesmo admitindo divergências que, às vezes, são importantes e podem mesmo enriquecer o debate. E quero sim contribuir com meus filmes futuros.

Omelete: De que maneira a sua obra documental e sua incursão na ficção, com Vida de Menina, traduzem as formas de representação da mulher no Brasil?

Helena Solberg: É interessante que minha incursão na ficção ocorre através de um diário autêntico, ou seja, de um “documento”, documento de uma menina no fim do século XIX que critica a sociedade patriarcal onde está inserida. Porém, comecei minha carreira com um filme híbrido, A Entrevista, que une imagens encenadas com áudio documental. Consegui focar nas vidas e nos dramas de mulheres nos EUA e em quatro países da América Latina, aprendendo muito sobre a condição feminina em sociedades diversas. Tenho também filmes onde o personagem central não é a mulher. São filmes que denunciam as forças conservadoras que sustentam e criam as estruturas de poder que alimentam a sociedade patriarcal. Achei as personagens de Carmen Miranda (de Banana Is My Business) e de Helena Morley (de Vida de Menina) muito inspiradoras: Carmen, pelo talento, carisma, e força internacional; Helena, pela criatividade e pela simplicidade.

Omelete: Como você avalia o lugar que o cinema documental assumiu em nossas telas?

Helena Solberg:  O documentário é sempre visto como algo menor ou diferente do que se entende como cinema. Uma amiga documentarista me contou, outro dia, que ouviu uma conversa no banheiro de um cinema na Zona Sul do Rio, onde perguntaram a uma mulher se ela tinha assistido um documentário e ela respondeu: 'Não. Vim ver um filme mesmo'. É uma pena, pois os grandes documentários são tão envolventes e emocionantes quanto qualquer grande filme de ficção. Infelizmente, existe uma confusão entre reportagens e documentários. Vêem-se muitas reportagens na TV e são todas muito iguais, usam a mesma linguagem sempre. Porém, quando se vê um documentário autoral, com uma linguagem ousada, isso é muito instigante. 

Omelete: O quanto mudou o espaço dado aos documentários desde sua estreia nas telas, nos anos 1960?

Helena Solberg:  Colocar um documentário no circuito pode ser problemático. O público é restrito mesmo, devido ao preconceito de que falava antes. Ao mesmo tempo, não queremos jogar os documentários num gueto nem deixá-los acessíveis somente via VOD. É difícil. Do lado bom, acho que nossos documentários cresceram e sua audiência também. Acho que existe mesmo um reconhecimento, nos festivais internacionais, da excelência deles.

Omelete: Quais são seus próximos projetos em cinema?

Helena Solberg:  Existe um projeto, ainda em embrião, de um longa de ficção que fui convidada a dirigir. É um quase policial, que tem como protagonista uma delegada trabalhando no setor dos desaparecidos de uma delegacia numa grande cidade. É sobre sua trajetória e a de outros personagens envolvidos. É ficção, embora inspirado numa personagem real. Iniciamos uma pesquisa para o roteiro e estamos caminhando.

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