É tempo de Varilux: mais lotada a cada ano pela diversidade (e qualidade) de programação, a maratona anual de longas-metragens franceses começa nesta quinta (7) e acontece até 20 de junho, com 20 atrações novinhas em folha e um clássico de 1969 (Z, de Costa-Gavras).
Todo ano, o Varilux aposta num filme polêmico, que chega da França apoiado na publicidade da controvérsia, como é o caso de A Aparição, um thriller teológico do diretor Xavier Giannoli. Como o evento ocorre simultaneamente em 63 cidades do país, há sessões de hoje (dia 7) a domingo, desta produção pelo Brasil afora. Ela foi matriz de calorosos debates em sua passagem pelo Festival de Moscou, em abril. Apoiada no carisma de Vincent Lindon, conhecido no Brasil por cults como Bastardos (2012) e O Valor de um Homem (2015), esta trama de mistério - filmada com um orçamento de € 5 milhões - narra os esforços de um renomado jornalista para quebrar um galho (pra lá de espinhoso) do Vaticano: checar se é verdade a história de uma jovem que acredita ter visto a Virgem Maria.
“O cinema se torna político sempre que ele flagra o abuso contra a sociedade. A militância partidária virou religião e a fé virou uma convenção política. Mas é preciso enxergar o que existe de mais humano nessa fé”, disse Lindon ao Omelete em Cannes, onde ele concorreu com o drama En Guerre.
Em A Aparição, ele encarna a síntese da dúvida e da inquietação. Estruturado pelo diretor de Quando Estou Amando (2006) como uma narrativa de investigação, este longa-metragem se transforma em um balanço sobre o poder de entorpecimento da religião em zonas de pobreza e de pouco acesso à cultura. Acusado de questionar o papel social da religião, o filme de Giannoli ainda coloca em xeque a prática do jornalismo nos dias de hoje. Deus nunca é questionado. Mas se questiona a comoção pública do milagre ou da vidência, explorados como sensacionalismo pela mídia.
“A função social da arte é fazer do incômodo um modo de iluminação”, disse Lindon. “Existe uma relação entre a Estética e a Fé na forma ritualizada como cada uma dessas instâncias busca a transcendência, a verdade”.
Nesta quinta (7), na abertura do Varilux, há uma delegação de estrelas europeias no Rio de Janeiro para falar sobre o cinema francês: o ator Jérémie Renier (O Amante Duplo), os diretores Yannick Renier e a atriz Zita Hanrot (Carnívoras); o diretor Fabien Gorgeart e a atriz Clotilde Hesme (O Poder de Diane); diretor Nabil Ayouch e a atriz e roteirista Maryam Touzani (Primavera em Casablanca); o ator Finnegan Oldfield (Marvin).
Entre os filmes mais de maior destaque do festival, fora A Aparição, o mais aclamado pela crítica é Custódia (Jusqu’à la Garde), de Xavier Legrand. O cineasta surpreendeu o Festival de Veneza de 2017 com sua estreia na direção (premiada com o Leão de Prata) ao narrar o processo de enfurecimento de um pai de família (Denis Ménochet) depois que sua mulher pede a separação. A dificuldade de ver e de se relacionar com seus filhos gera loucura e violência, retratados numa narrativa sufocante, que extrai tensão de cada um de seus 93 minutos. É uma discussão sobre machismo e sobre a reinvenção do modelo familiar clássico.
Outra pedida obrigatória do Varilux é A Noite Devorou o Mundo (La Nuit a Dévoré Le Monde), um raro exemplar do cinema francês de terror. Este filme de zumbi foi dirigido por Dominique Rocher a partir da literatura de Martin Page com um ritmo narrativo frenético, mas capaz de aliar tensão e reflexão moral. Durante 93 minutos, Sam (Anders Danielsen Lie) terá de lidar com uma Paris lotada de mortos que andam, famintos por carne fresca.