Para Guel Arraes, Diadorim era o único elemento marcante do clássico Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que carecia de uma atualização significativa para o século XXI. O personagem aparece no livro como uma mulher que se veste de homem para se infiltrar no bando de criminosos liderados pelo pai, Joca Ramiro. Durante a trama, Diadorim se torna a grande paixão do protagonista Riobaldo, que só descobre o seu verdadeiro gênero após sua morte.
No novo Grande Sertão, Diadorim éinterpretado por Luisa Arraes, filha do diretor, em uma performance que borra propositalmente as linhas de gênero. “Era a única questão do livro que talvez estivesse um pouco ultrapassada. No original, o dilema é o Riobaldo sair do armário ou não - uma coisa que continua atual, sobretudo no meio de um bando de bandidos, em um ambiente naturalmente machista, mas que não está mais na ponta da discussão social, como estava na época em que o livro foi escrito”, comenta Guel em entrevista ao Omelete.
“Eu fico muito feliz quando escuto as pessoas dizerem que o nosso filme 'não deixa claro' o gênero de Diadorim, porque eu acho que uma das coisas mais legais desse personagem, já no livro, é justamente isso: ele é um problema, talvez o maior problema da vida do Riobaldo”, completa Luísa. “Eu queria que ele continuasse sendo isso, e o jeito que eu encontrei foi deixar essa confusão existir. Quando o Riobaldo vê o corpo do Diadorim no final, não significa que ele tenha virado heterossexual, pronto, acabou. A confusão continua, e a coragem de viver essa confusão é o que define o personagem”.
Citando RuPaul, a drag queen que ficou famosa nos anos 1990 e hoje apresenta o reality show RuPaul’s Drag Race, Luísa continua: “Como é que RuPaul diz? A gente nasce nu, e todo o resto é drag. Foi meio que pensando nisso que eu construí esse Diadorim. O que eu poderia trazer para esse mundo masculino em que o personagem vivia? Eu não quis só afetar um homão, quis também trazer o feminino, quase representar um homem gay ali - e mostrar como isso provocaria a sexualidade daqueles machões ao redor do Diadorim”.
Para Luísa, o diálogo chave para entender o personagem chega no meio de Grande Sertão, quando Diadorim reclama com Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) sobre a implicância dos outros membros do bando: "Só querem que a valentia tenha jeito de macheza". O personagem entra em conflito com essa ideia, como frisa o próprio Guel Arraes: "Diadorim é pixador, é meio artista, né? Ele brinca com as expressões de gênero. Até as roupas dele deixam isso claro, são roupas de homem-mulher".
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