Missão ingrata essa de resenhar criticamente um filme de Harry Potter. Falar mal do bruxinho equivale a execrar o Ronaldo depois da final da última Copa ou xingar o Papa. Falar mais sobre os recordes de bilheteria ou as especulações de um novo livro seria redundante e pouco produtivo. Já se disse muito sobre Harry Potter e a Câmara Secreta (Harry Potter and the Chamber of Secrets, 2002), então aceito o fardo: por que não, para que os erros não se repitam, destacar as imperfeições do filme?
Que fique claro: a adaptação do segundo livro da série supera em todos os aspectos - trilha sonora, atuações, narrativa, acabamento - a película original. Para os fãs, e para aqueles que buscam apenas se divertir, o novo filme de Chris Columbus é bem recomendável. Aliás, merece palmas. Manter a atenção do público por duas horas e quarenta minutos de projeção não é uma tarefa ordinária. São dez minutos a mais do que em Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Sorcerers Stone, de Columbus, 2001). Antes de mais nada, isso mostra que A Câmara Secreta é altamente fluente.
Mas deve-se atentar para os deslizes da adaptação e, por que não, para as limitações do texto de Joanne K. Rowling. Não se trata de discutir as atuações do trio protagonista. Um garoto de doze anos que precisa decorar diálogos e ainda contracenar com marcações cênicas (objetos que serão substituídos por personagens virtuais) não merece ser criticado, por mais que o resultado beire a canastrice. Mesmo porque atores como Maggie Smith, Richard Harris (1930-2002) e Alan Rickman salvam a lavoura, assim como a bem-vinda presença de Kenneth Branagh.
O que desequilibra o saldo final é a salada detetivesca da trama. Afinal, até os casos da turma de Scooby-Doo possuem desfechos mais plausíveis do que as soluções dos mistérios de Câmara Secreta. No livro, as pontas soltas ficavam menos soltas, e os indícios dos crimes eram melhor amarrados, apesar de forçados. No filme, o esforço de condensar o maior número possível de informações, em tempo mínimo, apenas ressalta as deficiências do texto.
Além disso, foram feitas algumas escolhas no mínimo questionáveis. Nesta adaptação, eliminaram os momentos de maior peso dramático, como a presença de Lúcio Malfoy (Jason Isaacs) na Travessa do Tranco, ou o desaniversário de Nick-Quase-Sem-Cabeça (John Cleese). Não se trata de purismo, uma adaptação deve pressupor cortes e releituras. Mas se havia alguma sugestão mais profunda sobre racismo, tudo ficou de lado na hora da edição. E se o texto trabalhava melhor o fato de Harry ser confundido com o vingativo herdeiro de Sonserina, isso fica perdido na correria do filme.
Câmara Secreta se concentra nos efeitos especiais, nas árvores briguentas, nas aranhas, nos carros voadores e nos basiliscos. Nada contra. Graças às fantásticas cenas de ação, o filme se torna empolgante. O quadribol, que já era legal, ficou ainda mais animado. Mas seria possível conciliar o pique com a dramaticidade. Fica a impressão que Columbus descuidou do desenvolvimento das personagens, uma vez que não precisou introduzir prólogos ou apresentar a maioria das figuras principais.
Aliás, eu disse que seria pouco produtivo especular sobre futuras realizações. Mas faço uma única ressalva. Já que Alfonso Cuarón foi contratado para dirigir o terceiro filme, talvez ele se aprofunde mais na psicologia dos personagens, numa época crucial do amadurecimento dos bruxinhos, e deixe as parafernálias para os técnicos. Seria promissor.
PS: Você acabou de ler uma resenha preocupada com a imparcialidade. E preocupada com reações iradas. Por isso, o tom solene e sério. Mas agora vêm o lado sombrio e as picuinhas. Na verdade, até Dobby atua melhor que Daniel Radcliffe. Ron Weasley não poderia ser um personagem mais inútil. Emma Watson deve ter aprendido a "chorar" em cena durante as filmagens, pois abusa do recurso em todas as passagens emotivas. Murta que Geme é mais chata do que a chorona Chiquinha, do Chaves. Não fosse o Basilisco, o clímax seria fraco. Tom Riddle é fraco. E aquele close na fênix derramando lágrimas não poderia ser mais clichê de Sessão da Tarde. Pronto, falei o que realmente penso. Que venham os detratores!!!
Ano: 2002
País: EUA, Inglaterra
Classificação: 10 anos
Duração: 161 min
Direção: Chris Columbus
Elenco: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Kenneth Branagh, Richard Harris, Alan Rickman, Robbie Coltrane, Maggie Smith, Heather Bleasdale, Sean Biggerstaff, David Bradley, Veronica Clifford, John Cleese, Eleanor Columbus, Christian Coulson, Warwick Davis, Emily Dale, Rochelle Douglas, Richard Griffiths, Julie Walters, Matthew Lewis, Tom Felton, Leslie Phillips, Jason Isaacs, Jim Norton, Shirley Henderson, Miriam Margolyes