Tim Burton é um cineasta irregular cujo inigualável talento em criar fábulas modernas só é maculado por besteiras comercialóides como Batman, Marte Ataca ou a equivocada refilmagem de O Planeta dos Macacos. Mas uma coisa nele é inegável: quando realmente se entrega de coração a um filme, o que vem pela frente é inesquecível. Que o digam O Estranho Mundo de Jack, Peixe Grande ou Edward Mãos de Tesoura.
Pois foi com outro Edward que Burton atingiu o ápice de sua carreira como diretor de cinema. Em 1994, ele contou ao mundo a vida do pior diretor de todos os tempos, Ed Wood.
Burton nunca escondeu sua paixão pelos filmes "B", pelas soluções típicas do trash e o charme artesanal de que só essas produções são capazes. Aqui, numa só tacada, ele homenageou o gênero com um todo, resgatando dois ícones perdidos do cinema: Wood e o insuperável Bela Lugosi.
No papel principal, a costumeira contraparte de Burton nas telas: Johnny Depp, de dentadura e casaco angorá, personificando à perfeição o amor sem freios nem senso crítico de Wood pela sétima arte, numa das atuações mais divertidas de sua carreira. O diretor trash vive no fundo do poço e é lá que ele encontra Bela Lugosi, o mais famoso Drácula das telas. Como os projetos do cineasta são ruins, toscos, ingênuos e não funcionam, Lugosi se torna a esperança de atrair investimento a eles. Mas o astro decadente mal é lembrado pelos produtores e sua vida só encontra algum alento na amizade e nos filmes fuleiros de Wood.
Magistralmente interpretado por Martin Landau, Lugosi é um homem real, frágil, vitimado pelo vício e nem por isso digno de pena. Landau recebeu o merecido Oscar de ator coadjuvante por seu desempenho ímpar. A impressionante maquiagem minimalista do mestre Ricky Baker, que literalmente transformou Landau em Lugosi, também foi premiada com o prêmio da Academia.
Desfilam ainda pela tela outros tipos impagáveis do universo de Wood, como o tosco gigante sueco Tor Jonson, a ex-apresentadora de filmes de horror Vampira e o amigo homossexual que pretende trocar de sexo, brilhantemente interpretado por Bill Murray. Como se não bastasse essa trupe de desajustados, o próprio Ed era um travesti. Mas nada se compara à sutileza do encontro entre Ed Wood e Orson Welles (considerado um dos maiores cineastas de todos os tempos) numa mesa de bar discutindo seus problemas comuns. Evento que rende a Ed fôlego para concluir aquela que é a sua obra máxima, a ficção científica Plano 9 do espaço sideral (Plan 9 From Other Space - 1959). Impagável.
Ed Wood (1994) é uma obra de amor ao cinema com um todo. Não apenas aos vencedores, aos astros milionários ou aos diretores de prestígio e seus incontáveis prêmios. É um filme sobre os sem talento, os esquecidos, os que perderam seu espaço mas que também fazem parte da história da sétima arte. Apesar disso, Ed Wood é um filme sobre o otimismo de quem acredita em si mesmo. Mesmo que não tenha muito talento para a coisa...
Bem servido de extras, que incluem vários making ofs, videoclipe trash e comentários (legendados em português) do diretor, produtores e (segundo a voz gutural de Martin Landau) também de milhares de demônios. E o DVD possui ainda um dos mais divertidos e toscos menus dos últimos tempos. Só ficou faltando mesmo material extra sobre os verdadeiros astros da fita. Afinal, um documentário a respeito das pessoas reais que inspiraram a produção seria mais que adequado. Mas para consolo dos fãs, também está sendo lançado no Brasil um box com os principais filmes do inesquecível mestre do lixo, Ed Wood.