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Meu Tio Matou um Cara | Crítica

<i>Meu tio matou um cara</i>

30.12.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H17

Meu tio matou um cara
Brasil,
2004
Comédia - 83 min.

Direção: Jorge Furtado
Roteiro: Jorge Furtado e Guel Arraes

Elenco: Darlan Cunha, Lázaro Ramos, Ailton Graça, Deborah Secco, Dira Paes, Sophia Reis, Renan Gioelli

À primeira vista, Meu tio matou um cara (2004) parece uma grande mistura. Tem elenco com sotaque gaúcho, baiano, carioca, paulistano. Tem amor inter-racial, pois, como defende o diretor Jorge Furtado, sem se arriscar na sociologia, "duas cores são mais bonitas que uma só". Tem também vários gêneros, desde a trinca marido traído/mulher fatal/homem manipulado do filme noir até o humor aparentemente gratuito da boa comédia de costumes. Tem trilha sonora com Rappin Hood e Pitty, Caetano e Nando Reis. E tem, principalmente, um pouco de cada um dos seus dois filmes anteriores: a descoberta juvenil do amor de Houve uma vez dois verões (2002) se mistura à picotagem de referências de O homem que copiava (2003).

Mas isso só na superfície. Um olhar clínico sobre os três longas desse veterano gaúcho - cujos curtas nos anos 80 e 90 se cercaram por conotações políticas - identifica ali uma vontade genuína de soar jovem, acessível, popular. Nesse ponto, a mistura de Meu tio matou um cara serve a um único propósito: chegar aos olhos e ouvidos dos adolescentes, castigados no cinema por enlatados hollywoodianos e infantilóides produtos brasileiros. E poucos cineastas no país, atualmente, falam a língua desse público, sem paternalismo, como Jorge Furtado.

Raciocínio ligeiro

A construção do personagem Duca (Darlan Cunha, o Laranjinha de Cidade dos Homens) é exemplar. Rapaz negro em colégio de brancos, ele brinca que a raça lhe confere algumas regalias - ninguém lhe xingará, por exemplo, devido ao medo de parecer racista. Apesar desses costumes arraigados, Duca sabe que os novos jovens aprenderam a superar certos preconceitos. Mas dentro de casa ele encontra resistência: os pais (Dira Paes e Aílton Graça, cada vez mais especializado em improvisar com um balde de pipoca no colo) tratam-no como uma criança, mesmo quando Duca os embasbaca com o seu raciocínio ligeiro.

No dia em que o Tio Éder (Lázaro Ramos) chega desesperado, dizendo ter matado um homem por acidente, todos se preocupam em proteger o menino da notícia. Duca, acostumado aos videogames de mistério policial, se antecipa e dispara: "recolheu a arma, pegou o carro, não mexeu na cena do crime?". Nenhum adulto ali sabe, mas o jovem de poucas palavras e olhar atento já ensaia uma investigação para averiguar os pormenores do caso.

Domínio da informação

Prepare-se, portanto, para desembocar numa tragédia, ou numa farsa, ou num romance. Em tom cartunesco, Furtado extirpa da situação toda a sua gravidade. A interpretação burlesca de Lázaro Ramos, com as suas tiradas de vocabulário rebuscado, fazem mais rir do que causar preocupação - mesmo quando Tio Éder sai da prisão todo cheio de vergões. O comentário social está presente, mas não em forma de panfleto. Naturalista ao extremo, o diretor - também roteirista, em nova parceria com Guel Arraes - cria a sensação de que já conhecemos aqueles personagens de longa data, que somos todos amigos de infância.

E Furtado enxerga os adolescentes de hoje como eles realmente são: uma geração que goza de informação por todos os lados, que pensa mais rápido, que aceita transformações muito bem e que, por isso tudo, recusa o rótulo de "alienada" habitualmente colado a ela. Aliás, essa idéia do "domínio da informação" é parte essencial da obra do gaúcho, desde o revolucionário curta Ilha das Flores (1989). E tanto O homem que copiava quanto Meu tio matou um cara sabem se aproveitar dela muito bem, tanto na forma quanto no conteúdo.

André, o personagem vivido por Lázaro no filme de 2003, se parece muito com o tipo de Darlan Cunha. Esses heróis modernos furtadianos, negros e sonhadores, são uma evolução do herói clássico: almejam sorte no jogo e também no amor, ao contrário do sacrifício esperado dos arquétipos trágicos. E mais: Duca é a evolução de André. O operador de fotocopiadora recebia o conhecimento em partes, na forma de xerox ligeiros, e por conhecer só metade da realidade achava que seguia Silvia quando na verdade ela o perseguia. Já Duca enxerga o todo. Mesmo quando o truque das fotografias fora de ordem periga boicotar a sua investigação, ele não vacila.

É Furtado defendendo o cinema como arte de iludir o olhar, coisa que faz bem: o adolescente está não somente à frente de André, como de nós, espectadores.

Nota do Crítico
Ótimo
Meu Tio Matou um Cara
Meu Tio Matou um Cara
Meu Tio Matou um Cara
Meu Tio Matou um Cara

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: 14 anos

Duração: 87 min

Direção: Jorge Furtado

Elenco: Darlan Cunha, Deborah Secco, Dira Paes, Ailton Graça, Sophia Reis, Renan Gioelli, Lazaro Ramos

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