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Neruda | Crítica

Depois de No, Pablo Larraín continua atrás de uma verdade no artificialismo que substitua a era das ideologias

14.12.2016, às 17H57.
Atualizada em 15.02.2017, ÀS 16H10

De alguma forma os filmes do diretor Pablo Larraín acabam tocando no tema da repressão no Chile (Post Morten trata do golpe em 1973, Tony Manero, do período mais violento da ditadura, e No mostra os primeiros esboços de abertura política) e com Neruda não é tão diferente assim, embora Augusto Pinochet apareça mais jovem em cena e a trama se passe quase 30 anos antes do seu golpe de Estado. O que No e Neruda têm mais em comum, porém, é a forma de filtrar a realidade.

Se o longa anterior de Larraín - sobre a campanha que fez vencer o "não" no plebiscito que votava a continuidade de Pinochet no poder - cruzava o fim das ideologias com a afirmação de uma linguagem publicitária como a forma essencial de mediação no século 20, Neruda realiza uma pequena variação: temos aqui um poeta, Pablo Neruda, que com suas belas palavras mantém vivos os ideais libertários da esquerda do Pós-Guerra, mas que no seu estilo burguês e na sua eterna fuga nunca sentiria na pele o sofrimento de quem de fato se sacrificou por uma causa.

"Poetas pensam que o mundo é algo que imaginaram", diz a certa altura Gael García Bernal, que interpreta o policial encarregado pessoalmente pelo presidente chileno de prender o comunista Neruda na segunda metade dos anos 1940. Bernal narra todo o filme - um dos mais ambiciosos de Larraín - para tecer comentários desabonadores sobre Neruda, sobre si mesmo, sobre o presidente, sobre poetas, sobre as autoridades tomadas pelo prazer dos pequenos poderes. Essa narração parece ter a intenção de zerar os atores políticos do filme, desconsiderar os juízos que fazemos de reaças e comunistas (ao ridicularizar todos por igual), e a partir disso atribuir-lhes novos sentidos. Essa é a ambição tremenda de Larraín, em resumo, que não deixa de ser muito diferente da ambição do poeta que cria mundos como os vê.

Dentro dessa proposta, o ótimo ator Luis Gnecco interpreta Neruda com uma expressão imutável de desinteresse e perplexidade, porque Larraín parte do princípio de que a organização do mundo deixou de ser definida pelo que pensamos, para se tornar uma fabricação do que projetamos - seja nas palavras, como na "voz de poeta" que Neruda faz quando declama suas obras, seja nas imagens (como estava claro em No e se repete aqui). A escolha de Larraín não é sutil (cenas de diálogo acontecem sem seguir continuidade espacial, por exemplo, para pontuar sua teatralidade, o artifício do discurso) mas tem seu impacto e sua eficiência.

O resultado é um filme que recorre a soluções de encenação às vezes bobas (como a retroprojeção na cena de perseguição na neve, no final, para demarcar que estamos assistindo a um teatro meio hollywoodiano de aparências) mas que encontra - nessa busca incessante por imagens que sejam mesmo autossuficientes e correspondam ao que Larraín espera delas, ou seja, uma verdade no artificialismo capaz de redefinir a realidade - algumas sínteses poéticas que vão além da mimetização.

Nota do Crítico
Bom
Neruda (2016)
Neruda
Neruda (2016)
Neruda

Ano: 2016

País: Chile, Argentina, França, Espanha, EUA

Classificação: 14 anos

Duração: 107 min

Direção: Pablo Larraín

Roteiro: Guillermo Calderón

Elenco: Pablo Derqui, Gael García Bernal, Luis Gnecco

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