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Aquarius | Quais as consequências da polêmica censura de 18 anos recebida pelo filme

Longa chega aos cinemas em 1º de setembro

25.08.2016, às 17H40.
Atualizada em 25.08.2016, ÀS 17H54

A uma semana de sua estreia, com uma projeção pública agendada para esta sexta, na na abertura do 44º Festival de Gramado, na Serra Gaúcha, Aquarius, filme de Kleber Mendonça Filho indicado à Palma de Ouro em Cannes, em maio, chega ao circuito cercado por polêmicas, sendo a mais recente o fato de o longa-metragem ter recebido a classificação indicativa de 18 anos.

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Sob a alegação de o filme pernambucano ter “situação sexual complexa”, a indicação aferida pelo Ministério da Justiça, negando o pleito da produção por uma classificação de 16 anos, vem gerando protestos nas redes sociais, na mídia brasileira e na imprensa estrangeira, expressos, por exemplo, na reportagem do jornal francês Libération falando sobre censura. A argumentação mais recorrente é de que o rótulo “inadequado para menores de 18” seja uma retaliação à atitude de Kleber e sua equipe em Cannes, quando eles passarem pelo tapete vermelho da mais prestigiosa mostra competitiva de cinema do mundo com cartazes falando em um golpe de estado no Brasil, em função do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

O que mais me dói nessa história é saber que existem projetos muito bonitos de cinema e educação no Brasil, voltado aos jovens, nos quais Aquarius não poderá ser exibido, limitando o filme mesmo entre adolescentes já mais crescidos”, lamenta Kleber, cujo filme anterior, o cult O Som ao Redor (2012), contabilizou 30 prêmios internacionais. “Se você considerar a safra nacional recente, Aquarius não é mais forte, na representação sexual, do que filmes como Bruna Surfistinha, Boi Neon, Praia do Futuro ou Tatuagem, que tratam o sexo com uma ideia honesta. Ele não deveria ser colocado na mesma prateleira onde estão Ninfomaníaca ou Love 3D, onde vemos penetração de modo explícito. Meu filme não é sobre perversão sexual. É sobre uma mulher de 65 anos que viveu a vida e quer preservar seu espaço”.

Prêmio de melhor filme nos festivais de Sydney, na Austrália, e Lodz, na Polônia, Aquarius toma seu título emprestado de um edifício homônimo do Recife, onde vive Clara (Sônia Braga), uma jornalista e crítica de música aposentada que trava uma guerra contra a especulação imobiliária para preservar seu prédio e suas memórias. Num clipe exclusivo para o Omelete, Clara enfrenta Diego (Humberto Carrão), um emissário da construtora que ameaça a integridade física de seu lar - veja aqui. A classificação de 18 anos envolve três cenas de sexo que acontecem em trechos distintos do filme.

As únicas classificações que interessam ao mercado exibidor no Brasil é a chamada ‘censura livre’ ou ’18 anos’, sendo a primeira um indicativo de sinal verde para toda a família e a segunda uma expressão que assusta”, diz Paulo Sérgio Almeida, do Filme B, que há 19 anos analisa as bilheterias brasileiras. “A classificação de 18 anos faz com que nenhuma velhinha de Ipanema possa reclamar seu dinheiro de volta ao fim de uma sessão, indignada com o que viu. Por outro lado, essa indicação não é mais capaz de criar um argumento que estimule as pessoas a ver o filme. No tempo da pornochanchada, no Brasil dos anos 1970 e início dos 1980, ainda havia esse efeito. Mas, hoje, o público é muito conservador. E, no caso de Aquarius, isso pode ser um limitador a mais, fora a duração de cerca de 2h20m do filme”. Almeida repudia a censura, mas entende os critérios usados pelo Departamento de Classificação Indicativa do MJ. “Não acredito que foi perseguição e acho que a indicação procede, pois as cenas são fortes e as pessoas têm que saber a que vão assistir”.

Produtor de sucessos internacionais como A Bruxa (2015) e Frances Ha (2012), o carioca radicado em São Paulo Rodrigo Teixeira, que hoje integra o rol de votantes do Oscar, considera essa indicação de 18 anos um absurdo. “Aquarius não tem característica alguma que o restrinja à classificação de 18 anos”, diz Teixeira, que produziu filmes nacionais como Alemão (2014). “Está havendo uma guerra ideológica no Brasil, no lugar errado, e o Kleber está pagando o preço por sua ousadia como artista. Se existe uma argumentação de censura, num manual, isso precisa ser devidamente explicado a fim de justificação uma classificação dessa. Se pos argumentos se tornam claros, aí é possível que se questione a legitimidade desses métodos de avaliação de forma mais democrática”.

Nos últimos 20 anos, outros filmes brasileiros que suscitaram polêmica acerca de sua classificação foram o premiado Contra Todos (2004), de Roberto Moreira, e Cama de Gato (2002), de Alexandre Stockler. Mas a memória do pesquisador e hoje radialista (na MEC FM) Fabiano Canosa - que exibiu filmes latino-americanos (cults brasileiros sobretudo) nos Estados Unidos de 1971 a 2004, como programador do Public Theatre e do Anthology Film Archives – aponta outros casos de censura no país. “O que acontece com Aquarius é uma censura velada que me evoca exemplos de pura grosseria como o fato de, no Rio de Janeiro de 1959, o filme Os Amantes, de Louis Malle, ter sido restrito à Zona Sul carioca, sob a alegação de que a periferia da cidade não estar preparada para ver cenas de sexo”, lembra Canosa. “Em 1966, eu cuidei do lançamento de O Menino de Engenho no Brasil e recebemos ‘Censura 10 anos’ lá de Brasília. Só que estávamos no início da ditadura e, em seu primeiro fim de semana, a mulher de um general foi assistir e achou o filme pesado. Resultado: no dia seguinte baixou uma portaria mudando sua censura para 18 anos. Os Cafajestes, do Ruy Guerra, que trazia o primeiro nu frontal do nosso cinema, era proibido a menores de 21 anos em cinemas de periferia. São absurdos históricos que não devem se repetir. Seria mais interessante se o filme do Kleber Mendonça recebesse uma recomendação etária, como se faz nos EUA. É um erro ver um filme centrado na luta de um ser humano para proteger sua casa ser restrito a uma faixa de público, a de 16, 17 anos, que está em formação intelectual”.

Responsável pela distribuição de Aquarius em circuito, Silvia Cruz, da Vitrine, tem um planejamento para 70 salas. “Esta classificação de 18 anos pode afetar, pois perder essa parcela de 16, 17 anos é preocupante, mas vai atrapalhar pouco, porque o filme chega quente e com uma recepção maravilhosa entre adultos. Vamos sobreviver a isso”, avalia a distribuidora que comemorou os 97 mil ingressos vendidos por O Som ao Redor há três anos. “Vamos alcançar dez, 15 cidades já no lançamento”.

Fora a discussão sobre classificação, Aquarius está cercado ainda de polêmica sobre sua potencial escolha como representante brasileiro a disputar por uma vaga na disputa pelo prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2017. O anúncio será feito por uma delegação da Secretaria do Audiovisual no dia 12 de setembro. Mas uma confusão se instaurou acerca da legitimidade da comissão por conta dos ataques de cunho político feito por um de seus integrantes, o crítico Marcos Petrucelli, contra a atitude de Kleber em Cannes. Ontem, os diretores Gabriel Mascaro e Anna Muylaert resolveram tirar a candidatura de seus filmes, Boi Neon e Mãe Só Há Uma, por discordar do cenário armado neste processo seletivo.

Este atual governo parece não ter muita intimidade com a Cultura nem ter a compreensão de que nós, que fazemos arte, somos muito unidos. Eu fiquei muito feliz com a atitude de meus colegas, mas o que me estimula a continuar com o Aquarius na seleção é a oportunidade de tirar o meu filme literalmente das grades num momento em que se discutem valores cinematográficos”, diz Kleber. “A escolha do filme brasileiro para o Oscar vai ser uma estratégia técnica, artística ou partidária?”.

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