Acolhido pelo planisfério cinéfilo como uma reserva estética de arrebatamento desde que ganhou o Urso de Ouro em Veneza por O Retorno (2003), o russo Andrey Zvyagintsev tirou o fôlego de Cannes - e foi recompensado com uma fervorosa salva de aplausos por isso - com o primeiro dos 19 concorrentes à Palma de Ouro do festival nesta recém-inaugurada edição de 70 anos: Loveless. Tradução melhor do que a literal, "desamor", este longa-metragem não poderia ter, ao registrar a derrocada moral de uma Europa açodada de dividas. Trata-se de um retato moral da classe média a partir de sua falência amorosa, que começa como um reles quiporocó familiar e evolui para uma trama policial exasperante.
No filme, um ex-casal que não se suporta tem um filho pra criar. Mas o garoto sofre com o desdém de ambos, que desenvolveram vidas paralelas sem se preocupar com o bem estar dele. Um dia, o menino desaperece. E aí... o lodo transborda e afoga as poucas aparências que sustentavam aquela relação. A montagem do filme evolui para um clima de suspense que sufoca a plateia, enquanto a fotografia (aspecto mais bem cuidado na obra do cineasta) se deixa embebedar pela imensidão de cinza e de verde escuro ao seu redor.
Amanhã (18), Cannes recebe, na Quinzena dos Realizadores, a aguardasa versão da diretora francesa Claire Denis (Minha Terra África) para o livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. O projeto se chama Un Beau Soleil Intérieur e tem mitos como Gérard Depardieu e Juliete Binoche no elenco.