Considerado um dos pilares do cinema australiano desde sua estreia na direção, em 1971, George Miller vem sendo tratado no 68º Festival de Cannes como um cineasta em renovação, por conta do frescor (e dos riscos) impressos em cada cena de seu Mad Max - Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road). Com sessão de gala marcada para esta esta noite no Palais des Festivals, no coração da Croisette, o longa-metragem inicia neste fim de semana sua carreira pelo circuito exibidor internacional, com fome de milhões e também com desejo de expor às novas plateias uma velha (mas reciclada) estética, com um pé nos filmes B. Em entrevista ao Omelete, em Cannes, Miller, aos 71 anos, assumiu o lado trash da nova aventura de Max, vigilante de um futuro apocalíptico antes celebrizado por Mel Gibson e agora vivido por Tom Hardy.
Leia a crítica de Mad Max - Estrada da Fúria
“Desde 1999, a gente vem tentando tirar este enredo de Estrada da Fúria do papel, mas fomos atropelados por incidentes como a tragédia do 11 de Setembro, que retardaram nossos planos”, disse Miller. “Naquela época ainda havia a presença de Mel no projeto. Mas, depois, a produção atrasou e ele entrou num turbilhão de questões pessoais. Pensei em Heath Ledger, um australiano como eu, mas ele morreu tragicamente em 2008. Foi diante dessa perda que a figura de Tom Hardy apareceu, com a constituição física necessária para o papel. O papel de um homem condenado à solidão”.
Numa coletiva de imprensa apinhada de jornalistas esta manhã, em Cannes, Miller teve de se confrontar com uma questão recorrente: o fato de Mad Max: Estrada da Fúria dar mais destaque à figura da atriz Charlize Theron, no papel de Imperatriz Furiosa, do que a Hardy. Mas Miller esquivou-se lembrando que este novo filme “traz um olhar sobre as pessoas que cercam Max e lhe servem de contraponto”.
“Era fundamental ter uma atriz como Charlize que, por vir de uma formação como bailarina, oferecia a mim, na direção, a disciplina necessária para criar uma guerreira que não retrocede em suas escolhas”, diz o diretor, que escalou o veterano Hugh Keays-Byrne, vilão do Mad Max original de 1979, para se opor aos heróis do novo longa, na pele do assassino Immortan Joe. “Voltar às origens, neste caso, era uma forma de achar um cinema mais carnal, com menos CGI (efeitos digitais) e mais suor e pele. Essa artesanía remente a filmes B, a um cinema de gênero”.
Ao Omelete, Miller confessou que sua referência central são os primeiros filmes de aventura e os primeiros faroestes da fase muda do cinema.
“Sempre que eu vejo um filme de Buster Keaton, um dos grandes humoristas da fase muda, eu me surpreendo com a movimentação, com a velocidade. Ao ver filmes de diretores da fase muda como Mack Sennett, eu encontro uma gramatica audiovisual baseada em causa e efeito: uma ação puxa a outra, ininterruptamente. Foi isso que tentei levar para o novo Mad Max”, diz Miller, ganhador do Oscar de melhor filme de animação em 2007 por Happy Feet: O Pinguim, também sucesso de bilheteria. “O lugar de Max no cinema é o mesmo dos pistoleiros sem nome dos filmes de Sergio Leone ou dos samurais. Ele é o sujeito do qual pouco se sabe mas que se mostra, aos nossos olhos, como alguém apto a ser tragado pelo perigo. Ele é uma figura universal em todas as dramaturgias. Ele é o mito do homem só. A figura de Charlize, Furiosa, é um caminho para abalar essa condição. Daí vem a complementaridade deles”.
Em exibição na Croisette fora de concurso pela Palma de Ouro, Mad Max: Estrada da Fúria chega ao circuito coberto de elogios rasgados da imprensa. Em Cannes, nestes primeiros dias de festival, o único filme tão falado quanto o de Miller é o épico de tintas medievais fantásticas Il raconto dei racconti, do italiano Matteo Garrone, que divide opiniões com sua inegável exuberância visual, mas com indisfarçáveis problemas de roteiro. No elenco, Salma Hayek brilha como uma rainha capaz de comer o coração de um monstro marinho como um feitiço para engravidar. John C. Reilly, Vincent Cassel e Toby Jones integram o elenco do longa, dirigido pelo realizador dos premiados Gomorra (2008) e Reality (2012). Garrone entrou na briga pela Palma dourada com sede de prêmios. Mas Cannes esta só no começo.