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Crítica

O Crime do Padre Amaro | Crítica

A ideia promissora se perde nas escolhas do diretor

17.01.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H13

A idéia parece bem promissora. Uma adaptação contemporânea do romance clássico O Crime do Padre Amaro, que o português Eça de Queiroz (1845-1900) publicou em 1875, feita através do revigorado cinema mexicano, com o novo astro Gael Garcia Bernal (Amores brutos, E sua mãe também) no papel principal. Uma releitura a cargo do promissor diretor Carlos Carrera, vencedor de uma Palma de Ouro em Cannes pelo curta The Hero, em que o tradicional romance proibido seria enriquecido com um complexo mundo de relações da Igreja com o tráfico e com a guerrilha.

Em seu final de semana de estréia no México, O crime do Padre Amaro (El crimen del Padre Amaro, 2002) arrecadou 3,1 milhões de dólares, recorde para um filme local. Ao final de sete semanas de exibição, levou mais de cinco milhões de pessoas ao cinema, mesmo depois de diversas tentativas de censura por parte de grupos religiosos e de anti-aborto. Agora em fevereiro, o filme concorre ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, contra Fale com Ela (Hable con ella, de Pedro Almodóvar, 2002) e Cidade de Deus (de Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002). Enfim, sucesso absoluto.

Na história, o esforçado jovem Amaro torna-se sacerdote graças às suas boas relações com o bispo (Ernesto Gómez Cruz), que o envia em treinamento à igreja do povoado de Los Reyes. Lá, ele conhece o padre Benito (Sancho Gracia), que favorece o tráfico de drogas em troca de benesses à sua paróquia. Fica sabendo, também, do conflito entre Benito e padre Natálio (Damián Alcázar), adepto da Teologia da Libertação, que mantém uma comunidade dita "de guerrilheiros". Amaro conhece, também, o início da sua perdição: a sensual devota Amélia (Ana Claudia Talancón), namorada do jornalista Rubén (Andrés Montiel).

De fato, a idéia de mesclar o texto original com situações atuais parece promissora. Mas existe um porém. Passado o barulho inicial da polêmica, uma análise mais criteriosa questiona o filme de Carrera, diante de toda essa expectativa criada. Os caminhos da película passam, muitas vezes, por situações melodramáticas dispensáveis - algumas delas, como as intrigas de uma velha alcoviteira ou a choradeira do romance proibido de Amaro, beiram a típica novela mexicana.

Em meio a pecados alheios e tentações, pressupõe-se que o foco do filme seja a resistência psicológica de Amaro. Mas sempre que o padre passa por provações, o diretor Carrera perde a oportunidade de se aprofundar, realizando cortes secos em plena reflexão da personagem. O mundo de normas que separa a atração entre Amaro e Amélia resiste poucos segundos, o tempo do padre pensar um pouco mais e jogar tudo ao alto. Repare: o sacerdote realiza a sua primeira reza mais compenetrada, a sua primeira demonstração de arrependimento, apenas quando todos os erros possíveis já foram cometidos.

Certas escolhas chegam a ser burocráticas. Assim que Amélia e Amaro se beijam na igreja, a câmera fecha em close nos rostos das estátuas, a sugestão batida do "Deus os observa". Mas nada se equivale ao tratamento raso da relação tráfico-Igreja-guerrilha. Uma vez que a escolha do diretor foi a imparcialidade acerca do assunto, o resultado é inconcluso, tanto do lado tráfico-Igreja quando do lado Igreja-guerrilha. O padre Natálio, personagem com maior potencial na adaptação, acaba mal aproveitado.

O filme termina em uma passagem inexpressiva, apesar do esforço de Bernal. Como saldo, fica a certeza de uma oportunidade de reflexão desperdiçada, que se vende unicamente através da polêmica vazia.

Nota do Crítico
Bom
O Crime do Padre Amaro
El Crimen de Padre Amaro
O Crime do Padre Amaro
El Crimen de Padre Amaro

Ano: 2002

País: México, Espanha, Argentina, França

Classificação: 16 anos

Duração: 120 min

Direção: Carlos Coelho da Silva

Elenco: Jorge Corrula, Soraia Chaves, Nicolau Breyner, Glória Férias , Ana Bustorff, Cláudia Semedo, Nuno Melo, Margarida Miranda, Hugo Sequeira, João Lagarto, José Wallenstein, Diogo Morgado, Rui Unas, Ricardo Pereira, Ruy de Carvalho, Rogério Samora, Maria Emília Correia, Lourdes Norberto

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