Para o Bando de Teatro Olodum, Ó Paí, Ó nunca acabou. Embora tenha passado mais de 15 anos desde a estreia do primeiro filme, o reencontro para tirar a sequência do papel foi algo natural para o grupo. Afinal, a peça volta aos palcos de Salvador com frequência, e nunca houve uma grande ruptura que decretasse seu fim — ou o fim daqueles personagens. Nas telas de cinema, é claro, o contexto é outro, mas o objetivo ainda permanece.
"A responsabilidade é muito grande, não pelo personagem exatamente, mas pelas temáticas", esclarece Lázaro Ramos, em entrevista ao Omelete. "É uma comédia musical política, que traz temas que são relevantes para o nosso dia a dia. Essa é a maior responsabilidade: pensar o Brasil e esses temas 15 anos depois."
Na história, Roque (Ramos) se prepara para o lançamento de uma música inédita, e está confiante que este será o trabalho que fará seu nome estourar. Enquanto o cortiço de dona Joana (Luciana Souza) continua às turvas com as fofocas dos moradores, todos se unem para ajudar Neuzão (Tânia Toko) a recuperar seu icônico bar no Pelourinho.
A diretora Viviane Ferreira, que assina o roteiro ao lado de Elísio Lopes, Daniel Arcades e Igor Verde, conta que o desenvolvimento da história e sua execução no set foram ações calcadas no coletivo, já que o próprio Bando de Teatro Olodum colaborou para a elaboração da trama. O longa, vale lembrar, foi alvo de uma tentativa de boicote por bolsonaristas.
"Foram processos muito ancorados no método de trabalho do Bando, em uma metodologia de escuta e construção colaborativas. Em alguns momentos, o próprio Bando ia para as ruas de Salvador conversar com as pessoas e ouvir o que elas estavam pensando, sentindo e vivendo naquele momento. A peneira que seleciona os temas e as diretrizes é a escuta afetiva e comprometida que o Bando de Teatro Olodum nos convoca a fazer. No set, não foi diferente. Todo mundo estava criando o tempo inteiro."
"Os encontros para a criação do roteiro sempre foram coletivos", completa Jorge Washington, o intérprete de Matias. Segundo ele, o projeto que chegou às telas foi modificado desde as primeiras idealizações, em 2018. "Quando vem a pandemia, muda todo o cenário. Aí, lemos o roteiro [prévio] e vimos que as coisas não estavam mais dentro do que era a realidade. Então, começamos tudo de novo."
Um exemplo dessa construção coletiva aconteceu momentos antes da filmagem de uma das cenas de maior enfrentamento do longa – uma espécie de aceno ao memorável embate do Roque com Boca (Wagner Moura) –, enquanto Lázaro passava o texto com a assistente de figurino.
"No dia de gravar, eu estava decorando um texto enorme no camarim. E, quando disse isso [o texto], a assistente de figurino falou assim: 'é, eles querem que a gente segure a corda para o bloco deles passar'. É uma frase que eu acho uma síntese de tudo. Aquela cena poderia ser só essa frase", reflete. "O filme é repleto de pessoas apaixonadas e comprometidas, que conseguem oferecer isso.”
"Eu vejo Ó Paí, Ó como um lugar vivo, que vai além de um projeto do filme”, afirma a atriz Dira Paes, que retorna em uma breve participação especial como Psilene. "É um prazer estar ao lado dessas mulheres maravilhosas, porque [o filme] tem um alicerce feminino muito grande, é um lugar onde há uma amplitude de gênero incrível. Em um filme com entretenimento, a gente consegue alcançar todos os discursos sociais.”
PENSAR O BRASIL COMO MUITOS
Diante de um cenário em que a retomada do cinema nacional é cada vez mais prioritária e urgente, Viviane aponta para a importância de se olhar para histórias e narrativas que saiam do eixo Rio-São Paulo.
"A Bahia dá a régua e o compasso para o audiovisual nacional. O cinema brasileiro é reconhecido pela perspectiva do cinema baiano, porque é através de Glauber Rocha que o mundo se lembra da potência audiovisual e cinematográfica do país”, reflete a diretora. “O racismo estrutural e as desigualdades regionais que temos no nosso país fazem com que, do ponto de vista de distribuição de recursos, seja concentrado no eixo Rio-São Paulo. Mas do ponto de vista da potência criativa, o norte-nordeste e o centro-oeste desse país seguem ofertando muito mais para o cinema nacional”.
“Ó Paí, Ó é uma dessas obras que forçam o Brasil a se pensar como muitos”, continua. “A pergunta é: quando produtores, distribuidores e realizadores baianos, pernambucanos, vão ter a possibilidade de acessar as mesmas quantidades e possibilidades de recursos? Então, [esse] é um filme que nos força a pensar cotidianamente em reparação histórica."
Ó Pai, Ó 2 já está em cartaz nos cinemas.
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