Em 15 de março de 1972, começava, com uma première em Nova York, a trilogia Poderoso Chefão, uma das melhores histórias já contadas no cinema. Leia abaixo as resenhas dos três filmes e o detalhamento do conteúdo extra da caixa disponível em DVD.
O começo
Poderoso chefão
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Poderoso chefão
No final dos anos 60, Francis Ford Coppola estava no início de sua carreira quando conseguiu assumir a direção da audaciosa produção Poderoso Chefão (The Godfather, 1972, EUA), da Paramount Pictures. O filme seria uma adaptação do romance do escritor Mario Puzo, que estava em franca ascensão quando o drama começou a ser produzido. Enquanto o livro se passava nas décadas de 40 e 50, o filme seria ambientado nos anos 70 para baratear custos. A escolha de Coppola deu-se pela idéia de que pela sua juventude, ele seria rápido, barato e supostamente manipulável.
Com o orçamento inicial de US$2,5 milhões, Coppola começa a trabalhar avidamente no romance, lendo e relendo o livro diversas vezes. Cada vez que o fazia, adicionava dezenas de notas de rodapé para orientar seu filme. Quais as cenas que deveria evidenciar, quais os momentos que seriam armadilhas e o que fazer para evitá-las, qual o primeiro sentimento que teve quando leu aquela passagem do livro e como transporta-lo para as telonas... tudo isso estava compreendido nas anotações do cineasta. A partir daí, começou a reescrever a adaptação que havia sido feita por Mario Puzo. Entretanto, estava preocupado. A cada dia a popularidade do livro crescia, enquanto ele continuava um mero desconhecido. Começou a discutir com os produtores, insistindo que o filme deveria se passar em sua época original e acabou convencendo-os. Mas será que conseguiria fazê-lo? Essa era exatamente a mesma dúvida dos produtores e executivos da Paramount.
Com o roteiro pronto, Coppola começou a sugerir nomes para os papeis principais. Assim começaram também seus problemas com a produtora. "Se você disser o nome de Marlon Brando mais uma vez, está despedido", disse o presidente da Paramount na época para o diretor. Se Brando não era aceito (por sua notória excentricidade), o desconhecido Al Pacino, que até então só havia feito teatro, era considerado uma piada de mau-gosto pelos executivos.
O problema é que Coppola não conseguia imaginar outro ator no papel de Michael Corleone. Tinha que ser Al Pacino. "Seu rosto era perfeito", afirma o diretor sobre a escolha. Insatisfeitos, os produtores pediram uma enorme quantidade de testes. Robert de Niro, James Caan (o preferido da Paramount, que ficou com o papel de Sonny Corleone, irmão de Michael), Martin Sheen, Robert Redford e mais centenas de candidatos foram testados para o papel.
Só que no meio de cada nova leva de testes que enviava para a Paramount, Coppola sempre colocava um novo teste de Pacino. No final o diretor acabou vencendo pelo cansaço. Al Pacino seria Michael Corleone. No entanto, um espião o acampanharia durante todas as cenas e, ao menor descontentamento dos produtores, o ator seria despedido e substituído. "Eu sei que não sou desejado", disse Pacino na época.
Fazer com que aceitassem Marlon Brando para o papel de Don Vito Corleone foi um pouco mais fácil. Apesar da fama de encrenqueiro e de estar sempre atrasado, Coppola garantiu que Brando trabalharia sério, sendo um verdadeiro padrinho para ele dentro da produção. Obviamente que o teste de cena do ator também ajudou - e muito. Foi dele a ideia das próteses nas bochechas para que ficasse com aquela aparência estranha e a voz arrastada.
As filmagens
No começo das filmagens, Coppola era ridicularizado por toda a equipe de produção. Ninguém, além dos atores, acreditava nele ou em suas ideias. O orçamento inicial foi rapidamente estourado, passando para US$6,5 milhões. Sem dinheiro, muitas das cenas foram feitas por equipes com parcos recursos técnicos e de pessoal. Coppola teve que contar com a ajuda de muitos amigos, como George Lucas, para que tais sequências pudessem ser feitas.
Com tantos problemas, o diretor esteve prestes a ser demitido diversas vezes durante a primeira semana de filmagens. Quando viu que a situação havia se tornado insustentável atuou como um verdadeiro Don. Demitiu diversos profissionais da equipe, seus traidores junto aos executivos da Paramount, o que causou um rebuliço na produção e postergou sua saída por mais alguns dias. Nesse período aproveitou para refazer algumas cenas e acabou mostrando que seria capaz de dirigir o filme.
O Poderoso Chefão
The Godfather (no original) tornou-se um épico, recheado de momentos inesquecíveis do cinema. Cenas como o tiroteio na barraca de frutas, o assassinato no restaurante, Don Vito no canteiro de tomates, toda a seqüência de Michael na Sicília e muitas outras, estão vivas na memória dos cinéfilos mesmo 40 anos depois de seu lançamento.
O filme conta a primeira parte da saga da famiglia Corleone. Comandada pelo respeitado Don Vito Corleone (Marlon Brando), a família mafiosa controla os negócios ilegais na Nova York dos anos 40 e 50, em constantes conflitos com outros grupos e dons.
Don Vito tem nos filhos Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Connie (Talia Shire) e Michael (Al Pacino) e na honra da família suas maiores motivações. A maneira como gerencia os negócios (bussinesse, no melhor inglês com sotaque italiano) com o auxílio dos capos (generais da máfia) e de seu consigliere (Rubert Duvall) é mostrada em detalhes elaborados.
Entretanto, a gerência dos negócios pelos mafiosos não se resume apenas a contas e pagamentos. Assassinatos são parte constante desse dia-a-dia. O problema é que Coppola não gosta de violência... fato que levou o estúdio a considerar a contratação de um diretor específico para as cenas de ação que envolvessem mortes, tiroteios e explosões. Receoso que isso pudesse acontecer, Coppola descobriu então uma maneira muito interessante de lidar com os aspectos mais pesados da máfia.
O diretor passou a agregar elementos sutis que distraem a audiência (e talvez ele mesmo) da barbárie das cenas mais fortes. Coisas como laranjas rolando no asfalto durante um tiroteio, um pé saindo pelo para-brisa durante um estrangulamento, formas bizarras de assassinatos, a desobediência aos princípios dos assassinato e muitas outras, foram incorporadas para dar mais textura à violência.
O resultado de tanto esforço foi um filme grandioso, ricamente ilustrado em todos os sentidos. Um sucesso de crítica e de público que acabou rendendo três Oscar - melhor filme, roteiro e ator (Marlon Brando, que se recusou a receber o prêmio por detestar Hollywood) e encontrou seu espaço entre os clássicos imortais do cinema.
A aceitação de O Poderoso Chefão acabou fazendo com que Coppola assumisse a direção e o controle total do segundo filme da série - O Poderoso Chefão Parte II, desta vez com liberdade criativa e US$11 milhões de orçamento.
O Poderoso Chefão - Parte II
Na segunda parte da saga da famiglia Corleone, terminada em 1974, Francis Ford Coppola e Mario Puzo foram ainda além e contaram duas histórias paralelamente.
A primeira é a continuação de O Poderoso Chefão. Agora, com um Michael mais maduro e ousado no controle da família, os Corleones tentam expandir seu império, atuando na costa leste dos Estados Unidos. O seu foco deixa de ser o contrabando e passa a ser o jogo, na Meca do entretenimento de azar, Las Vegas. Em O Poderoso Chefão - Parte II, Michael enfrenta a perseguição de outras famílias e do governo federal que tenta a todo custo trazê-lo à justiça.
Paralelamente, o filme apresenta toda a infância e a mocidade de Vito Andolini, que mais tarde seria conhecido como Don Vito Corleone.
Em seqüências belíssimas gravadas na Sicília e durante a chegada dos imigrantes italianos a Nova York, o filme mostra como Vito (interpretado por Robert De Niro) se desenvolveu e quais suas motivações, bem como as de diversos outros personagens secundários, como o gangster Clemenza, seu sócio no início da formação do império Corleone. Esses saltos no tempo e as impecáveis reconstituições de época, ajudam também a montar um romântico panorama da América no início do século XX.
Com o novo filme, Coppola e Puzo conseguiram o que parecia impossível... realizaram uma produção ainda melhor que a original. Como reconhecimento, Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Robert de Niro).
A Morte de Michael Corleone
Dezesseis anos depois da segunda parte da saga dos Corleone, Coppola e Puzo novamente se reúnem para trazer à luz dos projetores o que seria a última parte do épico. O Poderoso Chefão Parte III.
Originalmente concebido para se chamar A Morte de Michael Corleone (calma, não estou fazendo spoiler, assista ao filme que tudo ficará claro), o título foi recusado pelos produtores, que preferiram dar seqüência ao Parte II. A decisão desagradou o diretor, que disse nunca ter imaginado os três filmes como uma trilogia, e sim, como dois filmes e um epílogo.
Na terceira parte, muito mais emotiva e contemplativa, Michael Corleone está arrependido. Depois de tantos anos no controle da família, o caçula dos Corleone passa a tentar legalizar a todo custo seus negócios e sua vida. Michael está em busca de redenção. Perdão pelas suas hipocrisias e desconfianças no passado, mas principalmente, perdão pelo sangue em suas mãos. O mafioso tentará alcançar seus objetivos com a ajuda da igreja católica e do Papa em pessoa!
A tragédia intimista que é a segunda continuação de O Poderoso Chefão não é tão exuberante quanto as outras, mas tem alguns momentos simplesmente inesquecíveis. O final (ao som da ópera Cavalleria Rusticana) é de tirar o fôlego e faz você não ter vontade de conversar por algum tempo, apenas para absorvê-lo. Ponto para Al Pacino, o ator que ninguém queria, e que agora leva o filme todo nas costas.
Participam do filme Andy Garcia, como o filho bastardo de Sonny - Vincent, e Sofia Coppola, filha do diretor, como a filha de Michael - Mary.
O DVD
Com uma bela embalagem e quatro discos, a saga da famiglia Corleone está muito bem representada em DVD.
Todos os filmes possuem trilha de áudio comentada por Coppola (devidamente legendada). Entretanto, o grande diferencial para os colecionadores está mesmo no disco de extras. São quase quatro horas de material que inclui cenas removidas (todas excelentes), árvore genealógica da família, fichas dos gangsters, anotações sobre a trilha sonora, desenhos de produção e muito mais. Confira:
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Francis Coppolas Notebook: O processo criativo do diretor.
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On Location: Criado a partir de um documentário do Poderoso Chefão, contém entrevistas com o desenhista de produção Dean Tavoularis e outros envolvidos.
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The Godfather Family: A Look Inside: Documentário com 1h15, incluindo testes e ensaios.
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O Poderoso Chefão por trás das cameras 1971.
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Cenas adicionais.
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Cinematografia de O Poderoso Chefão, apresentada por Gordon Willis.
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A música de O Poderoso Chefão: A contribuição de Nino Rota (compositor do tema) e Carmine Coppola.
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Coppola e Puzo no roteiro: A colaboração entre o escritor e o diretor adaptando o livro para as telas.
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Storyboards de O Poderoso Chefão I e II.
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A árvore da Família Corleone: Biografia de personagens e atores.
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Discursos da premiação do Oscar.
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Trailers originais.
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Biografia da equipe de produção.
Curiosidades
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Brando colocou pedaços de queijo na boca em seu teste para caracterizar-se como Don Corleone.
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A responsável pela edição de todos os testes foi Marcia Lucas, esposa de George na época.
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Centenas de milhares de dólares foram gastos em testes para o papel principal de O Poderoso Chefão. Todo esse valor poderia ter sido poupado se os produtores tivessem acatado a sugestão inicial de Coppola, Al Pacino, que acabou ganhando o papel.
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Francis Ford Coppola carregava por toda a parte, em uma bolsa reforçada, um fichário contendo todas as páginas comentadas por ele do livro de Mario Puzo: Poderia ter feito o filme só com ele, afirma.
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Outra das manias de Coppola é utilizar membros de sua família em todos os filmes da saga. O maestro responsável pela regência da trilha sonora inesquecível (criada por Nino Rota) é Carmine Coppola, pai de Francis e de Talia Shire (irmã de Coppola que interpreta Connie Corleone). A mãe do diretor aparece como figurante em diversas cenas, bem como os filhos e primos do cineasta. Um filme sobre famílias deve ser feito por uma, disse o cineasta.
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Todas as cenas envolvendo música ao vivo possuem músicos de verdade tocando. Nunca é utilizado playback. Coppola acredita que com isso melhora o ânimo dos atores.
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A cabeça de cavalo na cena na mansão do produtor de Hollywood é real. Foi conseguida em uma fábrica de rações para animais.
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Os tomates da antológica cena com Marlon Brando tiveram que ser importados - mais um gasto supérfluo de acordo com os produtores.
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Há milhares de detalhes ínfimos em toda a produção. Podemos encontrar desde os pára-choques dos carros da época (feitos de madeira, não de cromo), os adesivos de cota permitida de combustível no vidro dos automóveis até a cor das embalagens de comida chinesa do período retratadas de maneira muito fiel.
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A utilização do título O Poderoso Chefão - PARTE II, foi bastante ousada para a época, pois nenhuma continuação recebia um número após o nome, fato tão comum hoje em dia.
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A segunda parte da saga teve uma pré-estréia desatrosa. Ninguém entendeu o vaivém através do tempo e todos os presentes reclamaram que era muito confuso. Com apenas mais duas semanas até que o filme entrasse em cartaz, Coppola e o editor Walter Murch reduziram o número de cenas entrecortadas de 20 para apenas 12, tornando-o um sucesso imediato.
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No final do segundo filme há uma cena de flashback, em que toda a família está reunida para celebrar o aniversário de Don Vito. Durante as gravações desta cena, Marlon Brando não apareceu, como era o combinado. A solução foi fazer com que todos estivessem esperando ele chegar em casa numa festa surpresa. A seqüência é impressionante, pois mesmo sem Brando, Coppola consegue transmitir sua presença, apenas com o suspense de sua chegada.
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É dito que Com Coppola, o roteiro é como um jornal. Todo dia há um novo.
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Para o papel de Vincent (Andy Garcia), os produtores testaram Silvester Stallone e John Travolta.
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Por ironia do destino, o mesmo Coppola que ia ser substituído no primeiro filme por um diretor de ação, em Poderoso Chefão III teve que minimizar a violência a pedido dos produtores por causa da censura.