Cena de Oeste Outra Vez (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Oeste Outra Vez (Reprodução)

Filmes

Entrevista

Oeste Outra Vez fala de homens “patéticos” que “perderam o feminino”, diz elenco

Babu Santana, Ângelo Antônio e o diretor Erico Rassi falaram ao Omelete sobre o longa

Omelete
8 min de leitura
24.03.2025, às 09H51.

Babu Santana diz que só foi compreender o humor e a crítica de Oeste Outra Vez quando viu o filme finalizado pela primeira vez. Em entrevista ao Omelete ao lado de seu colega de elenco Ângelo Antônio e de seu diretor Erico Rassi, o ator recontou o momento em que percebeu que a única figura feminina do filme aparece na primeiríssima cena, e de costas, se afastando dos dois protagonistas que brigam por ela: “Pensei, na hora, que isso ia dar pano para manga. Ia dar espaço para debate”.

Santana estava certo. Oeste Outra Vez - que acompanha a rusga entre Totó (Antônio) e Durval (Santana), mas se expande para retratar um leque amplo de homens que alienaram as mulheres de suas vidas por conta de seu comportamento imaturo e violento - tem enfeitiçado o público desde sua estreia no Festival de Gramado 2024, onde levou o prêmio principal. Conforme o filme se aproxima do circuito comercial, com estreia marcada para 27 de março nos cinemas ao redor do país, os astros e o cineasta falaram ao Omelete dos bastidores da produção e do grande momento vivido pelo cinema brasileiro. Confira!

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OMELETE: Queria falar, antes de qualquer coisa, que não esperava rir tanto quando entrei na minha sessão de Oeste Outra Vez. Erico, como você vê o humor nesse filme, a função dele? Isso foi algo que surgiu naturalmente quando você estava escrevendo, ou você incluiu de forma premeditada?

RASSI: Foi naturalmente! Já desde os meus curtas-metragens eu fazia isso, né, esse equilíbrio entre drama e humor. E eu acho que o humor no Oeste Outra Vez ressalta um pouco esse lado patético desses personagens - ao mesmo tempo que eles são violentos, são frágeis também, não conseguem lidar com essa violência e acabam vivendo essas existências quase patéticas. O humor é o que nos conduz a perceber isso.

OMELETE: Desde que o filme estreou no Festival de Gramado, tem se falado muito dele em termos de masculinidade, e como ele aborda esse tema. Queria saber, de vocês três, como veem essa ideia entrelaçada na história? E, no caso do Babu e do Ângelo, como incorporaram isso na performance?

SANTANA: Sabe o que eu achei interessante? A gente fez o filme ali, abordando a existência daqueles caras, mas sem pensar na fragilidade que eles têm. Eu via um pouco isso no roteiro, claro, mas visualmente é muito mais impactante, traz esse debate. Foi só vendo o filme terminado que eu fui me tocar que só tinha uma mulher nele todo, aquela imagem dela indo embora na primeira cena. É óbvio que pensei, na hora, que isso ia dar pano para manga, espaço para debate. Acho que o Oeste Outra Vez começa muito bem e fecha muito bem. E isso é raro, né?

ANTÔNIO: Comigo foi um pouco a mesma coisa, eu não tinha noção da dimensão do filme, em relação a essa exaltação do feminino, quando estávamos fazendo. Eu sabia que era um filme masculino, desses homens embrutecidos, mas só depois de ver entendi que na verdade a gente estava falando dessas mulheres. A gente estava falando da da falta delas, da ausência delas e, inclusive, do feminino dentro desses homens, que se perdeu completamente. Eles se embruteceram e seguem a vida meio que como paspalhos, assim. E será que eles aprendem alguma coisa? Será que vão aprender? Não sei.

SANTANA: Eu enxerguei muito isso também no cenário da casa do Durval, meu personagem. Quando eu estava lá gravando, pensei: ‘Caraca, isso aqui é muito casa de menino, né?’. Aquela bagunça, uma coisa quase sinistra.

RASSI: Eu acho que esses homens não amadureceram, né? Eles não completaram um ciclo de amadurecimento. E o meio em que eles vivem meio que chancela esse comportamento imaturo, incentiva essa violência. Não justifica, é lógico, mas acho que existe uma resistência social a quebrar esse ciclo, a superar essa dificuldade que eles têm de de se relacionar com mulheres, e com outros homens também.

ANTÔNIO: E por acaso o Brasil todo não é assim, um pouco machista? O mundo inteiro, talvez. Vamos ampliar, né?

Cena de Oeste Outra Vez (Reprodução)
Cena de Oeste Outra Vez (Reprodução)

OMELETE: Esse filme parece ter sido muito interessante de filmar - aqueles cenários incríveis, com as cenas de ação também. Como foi essa experiência no set? Vocês se sentiram mergulhados naquele mundo?

SANTANA: Olha, eu me senti praticamente em um Velozes e Furiosos. E foi um desafio, porque eu não dirijo muito bem carro manual, daí o Erico chega e pergunta se eu dava conta de fazer essa manobra super elaborada, e eu: ‘Opa, dou conta sim!’. Eu dava conta de engatar a primeira, porque a segunda já era difícil. [risos] Teve uma manobra radical que eu fiz, podia ter destruído o cenário, mas nem entrou no filme!

ANTÔNIO: Isso é verdade. Aquela manobra que a gente faz no começo, com os carros quase batendo na estrada, foi muito mais incrível no set. A primeira vez que fizemos, ficou ali um espacinho bizarro entre os carros, não passava nem um cartão. Ficamos craques em fazer cena de ação, o carro engatado ali sem controle nenhum, faz um cavalo de pau, quase bate! Foi emocionante.

SANTANA: É a magia do cinema, né? Aquela cena que eu estou tomando tiro, na minha cabeça era muito séria, porque eu só ouvia os efeitos sonoros e tinha que fugir das balas. O cara contratou alguém para me matar! Fugi porque sou ágil, porque sou foda. Aí no filme você vê o Rodger [Rogério, que interpreta o pistoleiro Jerominho] saindo do matinho, sem acertar um tiro, é engraçado demais. O pistoleiro sem dedo, tão patético quanto eu. Esse humor estava na cabeça do Erico, porque lá no set a gente não via.

RASSI: Durante uma boa parte do filme, a gente teve que ficar acampando em uma região bem isolada - até pela natureza dos cenários, da infraestrutura que não existe lá. E acho que isso tornou a equipe mais próxima, ajudou os atores a vivenciar um pouquinho do que é aquele cenário.

OMELETE: Obviamente, a gente está vivendo um momento muito especial no cinema brasileiro - nem gosto mais de falar de retomada, acho que a gente ultrapassou os patamares que tínhamos antes. Como está sendo esse momento pra vocês, dentro da indústria? E o que ainda falta acontecer pra continuarmos indo mais longe?

SANTANA: Sabe, quando o Erico me chamou para filmar Oeste Outra Vez, lá em 2019, além de ter adorado o material, eu também pensei: ‘Tenho que filmar alguma coisa esse ano’. Senti que era um dever cívico, um dever com a arte. E tenho maior orgulho de ter feito, acho que vou tatuar: ‘Filmei em 2019’. Filmamos no mesmo ano em que extinguiram o Ministério da Cultura, pensa. A gente foi muito heróico. Daqui a 40 anos, vamos olhar para trás e enxergar isso ainda melhor.

RASSI: Falando sobre o momento atual, acho que já estamos nos beneficiando, é um clima super positivo. A gente espera que isso se consolide, que a gente possa ter certeza da continuidade desse momento. Eu tenho a sensação que podemos, nunca vivi algo assim desde que comecei a trabalhar nessa área. Chegar nessa consolidação, com uma rotina de bons resultados, seja na bilheteria ou nos festivais, é uma vitória para todas as esferas do nosso cinema - o mais comercial, o autoral, o independente. Todo mundo pode usufruir desse momento.

ANTÔNIO: Se esse momento não mudar daqui a um ano, né? [em referência às eleições presidenciais de 2026] Tomara que não. O povo brasileiro precisa saber da qualidade do nosso cinema, acreditar nele.

Babu Santana como Tim Maia (Reprodução)
Babu Santana como Tim Maia (Reprodução)

OMELETE: Babu, lá atrás você fez o Cidade de Deus, que foi meio que o pontapé inicial na sua trajetória no cinema. Agora eles estão de volta aí, com A Luta Não Para. Você está acompanhando a série? E, claro, já te chamaram para voltar?

SANTANA: Isso aí foi outra Retomada, né? Porque eu lembro lá atrás, quando a gente foi fazer Cidade de Deus, como conversávamos com a Rosane Svartman durante nossas aulas sobre Carlota Joaquina, que tinha sido lançado dois anos antes. Também tinha tido o Orfeu, que gerou um monte de oficinas com o Cacá [Diegues, diretor], e isso não existia antes. Por isso eu falo que só daqui um tempo a gente vai ter noção do que estamos vivendo hoje - sou muito grato de ter participado de três filmes que foram uma afirmação do cinema brasileiro. Cidade de Deus, O Homem do Ano e Uma Onda no Ar foram uma iniciação muito bacana.

Sobre a série, vou te falar: só vou ter tempo de ver agora. Está lá na minha lista para assistir. Mas o meu personagem no filme vai preso, né? Historicamente, a gente sabe que ele morre, mas nunca se sabe. Eu sou pau pra toda obra e tenho quatro filhos - me chamem, por favor!

OMELETE: Ângelo, o seu trabalho em Dois Filhos de Francisco e no Chico Xavier prenunciou bastante essa onda de cinebiografias que a gente tá vendo agora no Brasil. Babu, dá para dizer o mesmo de você com o Tim Maia. Vocês acham que essa é uma seara interessante para o cinema nacional? Gostariam de interpretar alguma outra figura famosa?

SANTANA: Claro, o Maguila! Faz dez anos que eu estou tentando fazer esse filme. Agora estou p*to que o cara morreu, não vai mais poder ver isso. Eu tenho um desejo muito grande de enaltecer esse herói preto, nordestino, que nunca teve vícios, polêmicas… ele só teve luta, e luta e mais luta, muito preconceito em cima dele. Ele morreu com todo mundo achando que era um cara burro, quando na verdade o Maguila era genial, basicamente inventou o marketing esportivo no Brasil.

E acho que esse gênero das cinebiografias tem histórias maravilhosas. Claro que tem erros e acertos, como todos os gêneros, mas acho que é uma forma de atrair quem não é cinéfilo para o cinema. Muita gente começou a ver mais filme nacional depois do Cazuza [O Tempo Não Pára, de 2004], que é um ótimo filme, depois do Tim Maia.

ANTÔNIO: Eu fico olhando também para a nossa literatura, acho que a gente tem coisas maravilhosas para explorar na literatura. Mas o Dois Filhos de Francisco mostra o quanto o povo brasileiro se identifica com esse pai, que batalha pelos filhos, que sonha pelos filhos. É uma história poderosa.

SANTANA: Eu vou parafrasear aqui o Amado Batista, que dizia que só tem dois tipos de música: o bom e o ruim. Só tem dois tipos de cinema: o bom e o ruim.

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