Mesmo sendo um dos heróis mais tradicionais da Marvel Comics, o Homem de Ferro não desfruta da mesma popularidade e status de ícone que Homem-Aranha, Hulk, Capitão América ou os X-Men. Jon Favreau, ator de filmes independentes que tornou-se conhecido também como cineasta em Swingers (1997) e tornou-se famoso ao participar do filme Demolidor (como Foggy Nelson) e ao dirigir Zathura (2005), sabe bem disso. Ao aceitar a direção do longa-metragem do chamado Vingador Dourado, Favreau sabe também que esta é sua chance de entrar para o "Time A" dos cineastas, bem como esta é a chance do Homem de Ferro entrar para o primeiro escalão da Marvel Comics fora dos quadrinhos.
Você emagreceu, hein?
Favreau e Downey Jr na Comic-Con 2007
Robert Downey Jr
Homem de Ferro
Homem de Ferro
A clássica Mark I - no estande da Marvel
Sim, uns 20 quilos.
Como você conseguiu?
Correndo muito da minha cadeira atrás das câmeras para falar com os atores. (risos) Como um diretor, você sempre come muito e ainda consegue perder peso. É como a série Pesca Mortal [do Discovery Channel], trabalhando nos barcos pesqueiros você queima tantas calorias se preocupando, se mantendo acordado e trabalhando duro que eventualmente acaba perdendo um pouco de peso. Dessa vez, decidi não ir muito à mesa de buffet e prestar bastante atenção no que ia comer, e o peso foi embora em poucos meses.
Foi algo consciente ou...
Foi muito consciente. Eu sabia que eu poderia ter uma ponta no filme, então decidi me cuidar e fui prestando atenção e comendo menos. Parece meio bobo, mas este é o meu grande segredo.
Então chega de atuar, para não engordar de novo?
Eu adoro atuar e espero ter algo novo em breve. Eu sempre dou um jeito de fazer algo com Vince [Vaughn] e espero trabalhar em breve com ele, talvez numa comédia. Vamos ver o que rola. Você sabe, todo mundo vai estar de olho neste filme até que ele estréie. Fazer um filme desses é um processo de dois anos, então espero que entre este e um próximo - se der sorte e for chamado para um outro filme do Homem de Ferro - consiga atuar um pouco e talvez fazer outros filmes.
Por que o Homem de Ferro?
[O produtor da Marvel] Avi Arad, que eu conheci no set de Demolidor, estava falando comigo sobre algumas franquias que eles estavam pensando em desenvolver sozinhos. Eu sempre tive enorme interesse no filme do Capitão América. Adoro ele. Adoro a idéia de um cara sendo congelado na Segunda Guerra Mundial e acordando hoje em dia - tentando entender que são os aliados, quem são os inimigos e, principalmente, entender os Estados Unidos de hoje. Há espaço para muita crítica social e política - e muito humor. Mas é um filme mais complicado do ponto de vista da ação. Homem de Ferro, com a tecnologia que temos hoje, era mais fácil pra começar. É a primeira vez que podemos fazer um herói como ele fiel aos quadrinhos e mostrar a armadura como nunca pudemos antes.
A primeira vez que você mostrou pedaços do filme foi na Comic-Con em 2007, para uma platéia de 7 mil pessoas - que adorou o que viu. O filme foi o mais comentado do evento. Como você se sentiu?
Com um título desses [Iron Man], a maioria das pessoas do mundo pensaria na música do Black Sabbath. A Comic-Con o único lugar onde você pode ir sabendo que todas as 7 mil pessoas sentadas na sua frente sabem quem é o cara, de onde ele vem, como o filme deve ser, o que não deve ter, e quais os erros cometidos nas outras adaptações de quadrinhos para o cinema.
E é emocionante porque você não pode prever como as pessoas vão reagir. O filme podia ter acabado lá. Se eles tivessem decidido que eu tinha feito um novo Mulher-Gato, eu estaria acabado. A Comic-Con pode ser uma estacada no peito de uma série que não seja um Super-Homem, Batman ou Homem-Aranha, que todo mundo conhece. Com esse filme, vamos ter que educar o público. Começamos mostrando aos fãs primeiro e coube a eles decidirem se gostaram ou não. A partir dali pudemos crescer, mas sabendo quais os desafios de cada filme. Com o Homem de Ferro, o desafio é satisfazer os fãs dos quadrinhos. Em outros filmes é reinventar a franquia. Por isso, para gente era muito importante mostrar essas cenas primeiro lá e acho que a aposta rendeu.
O pessoal da Paramount, que está distribuindo o filme, está vendo tudo isso. Eles sentiram o retorno do público na Comic-Con e isso mudou a forma como fazemos as coisas. A Comic-Con é uma ótima forma de medir a pulsação da cultura pop e agora essa cultura pop está sendo conduzida por fanboys.
Você conseguiu agradar aos fãs de quadrinhos, mas quais são seus planos para fazer quem nunca leu um gibi ir ao cinema?
O grande desafio era fazer os leitores de quadrinhos verem que tínhamos conseguido a pessoa certa para interpretar Tony Stark. Eles queriam o filme com o tom certo, o humor certo, a personalidade certa, que tivesse o visual certo e nós acertamos a mão. Porque até então só eles é que sabiam quem é o Homem de Ferro. Agora é a hora de ensinar ao resto do público. E o que Transformers provou é que se houver um chamariz visual bom o suficiente na tela, vai haver uma curiosidade das pessoas em saber mais. As pessoas vão atrás.
Embora o Homem de Ferro seja um super-herói da Marvel e carregue toda essa tradição Marvel de um herói falível em conflito também tem toda uma camada de tecnologia, que está sendo desenvolvida com a ILM, que você viu o que fez com Transformers, Piratas do Caribe, etc. Eles levaram esse interesse visual à armadura e à coreografia. As pessoas querem ver filmes como esse. Eles sabem que estão entrando em uma viagem fantástica quando vão ver um filme da Marvel.
Por falar em crianças, as que gostam do Homem de Ferro vão poder ver o filme?
Vai ser um filme com classificação etária de 13 anos [nos Estados Unidos]. Isso dito, eu não teria problema algum em levar meu filho que acabou de fazer 6 anos para o cinema. A respeito de linguagem, sexualidade e violência, assuntos que são delicados, eu penei para incluir. Tem outros filmes com classificação 13 anos, como Van Helsing, que eu tinha de desligar se meus filhos estavam assistindo. Até mesmo Demolidor tinha seus momentos mais difíceis de mostrar porque era bastante violento em algumas cenas - o personagem também era. Sabendo disso, queria criar algo que não fosse [violento], que a ação fosse apropriada para todos os públicos, mas eu não queria algo censura livre, um filme família, porque era o Tony Stark e ele gosta de zoar, ele gosta de beber e ir para as festas, ele dirige carros muito rápidos e o Homem de Ferro fica violento e descontrolado. O filme é sobre um cara que é emboscado em um comboio, no nosso caso no Afeganistão. Então há uma forma de lidar com este material, que para mim não é clara, mas eu não me sentiria um irresponsável por deixar meus filhos assistirem. Mas são os meus filhos e todo mundo é diferente.
Por que você decidiu usar efeitos reais e não computação gráfica?
Eu mesclei os dois. Há bastante computação gráfica, mas para ela fazer mais efeito você deve jogar com o público, mostrando algo real que pareça computação e algo criado digitalmente que pareça real. Para isso, os desenhos de Stan Winston foram como trabalhar ao lado de um artesão. Você deve ter visto a armadura Mark I no estande da Marvel na Comic-Con. Viu o tanto de detalhes que ela tem? Não dava para fazer aquilo ágil como um Power Ranger. Se fizesse isso, perderia o respeito do público e é por isso que criamos essa transição até o Mark III.
Qual foi a cena mais desafiadora para filmar dentro dessa mescla?
Quando estávamos na Base Aérea de Edwards, mas foi ótimo! Temos aviões C17 e os Raptors e todos os brinquedos do Rodhes [Terrence Howard]. O fizemos um tenente da Força Aérea - foi uma das nossas maiores liberdades criativas. Mas a logística da cena foi dificílima, especialmente porque há uma série de coisas lá que você não pode filmar de jeito nenhum - hangares que você não pode nem passar perto. É lá onde eles testam as aeronaves de nova geração.
Você criou uma página no MySpace e a usou para falar com o público...
Com filmes como esse, existe essa necessidade de um diálogo entre fãs e cineastas. Se você não aceitar isso, pode ir tudo pelos ares.
Existem diretores, como Steven Spielberg, que estão aí há bastante tempo e podem se fechar, não mostrar o set para ninguém, e as pessoas vão dar a ele o benefício da dúvida por causa de tudo o que ele já fez. Quando você está lidando com um personagem como o Homem de Ferro, e não tem o mesmo currículo, você tem que trabalhar dobrado.
Além disso, os fãs são uma ótima fonte de referência e você vai aprender o que as pessoas esperam do personagem. É impossível imaginar que eu conseguiria absorver 40 anos de histórias em quadrinhos e aprender tudo que deveria sobre esse cara. Ao separar essas informações e ouvir o que elas têm a dizer, mesmo que estejam discutindo entre si em um fórum, você pode aprender muito, entender as suas preocupações, e depois faz o que fizemos aqui, que é mostrar que o que eles disseram para você e entre eles foi ouvido e influenciou a forma como o filme foi feito.
Alguns diretores gostam de liberar o que estão fazendo e blogar todos os dias. Eu achei que isso não ia dar certo para mim, pois acabaria revelando muita coisa antes da hora. Queria guardar algumas surpresas.
Mas vocês também não pouparam o público de fotos, vídeos, etc... mostraram bastante coisa do filme.
Olha... estamos fazendo um filme da Marvel - e essa é a primeira vez que a Marvel fez um filme sozinha - e eu, como cineasta, me senti obrigado a permanecer fiel aos quadrinhos. Mas se eu fizesse exatamente isso, você sentiria que já o assistiu antes. Claro, mostramos bastante coisa, mas ao mesmo tempo não mostrei muitas das reviravoltas e coisas que ninguém sequer desconfia. Sim, fizemos um filme fiel aos quadrinhos, mas ao mesmo tempo colocamos um monte de surpresas nele.
Como é trabalhar neste amplo painel que a Marvel está montando? Agora eles são o próprio estúdio, eles detêm os direitos de vários personagens. Estão fazendo o Homem de Ferro, Hulk e têm o Capitão América e muitos outros. Você vê tudo isso se juntando em determinado momento?
Espero que sim. Eu não sei quantos filmes do Homem de Ferro você consegue fazer antes que você precise dos Vingadores ou da SHIELD. Você sabe que o Kevin [Feige, produtor] é um grande fã e tem todo o interesse nisso. Legalmente, eles estão chegando a um ponto em que eles podem fazer isso virar realidade. Há vários desafios do ponto de vista de negócios porque é muito diferente. Fazer Onze Homens e um Segredo é bem diferente de fazer um filme só com o Brad Pitt. Se eles conseguirem navegar por estes mares, acho que do ponto de vista criativo faria todo o sentido. Seria muito divertido e espero ser o cara no comando disso tudo.
A sua participação em O Demolidor influenciou - de uma forma positiva ou negativa - seu trabalho neste filme?
É muito diferente. Eu me lembro das preocupações e desafios do Mark Steven Johnson. Você tinha a Fox fazendo um filme que agradasse a todos. Havia coisas que eles podiam fazer baseado no personagem dos quadrinhos e outras que eles não podiam.
Mas Mark é um cineasta fanboy que quer se manter o mais fiel possível. E aprendi bastante coisa com ele. A primeira foi como eu dei sorte de trabalhar com a Marvel sendo o estúdio. Agora eles não são mais os caras tentando mostrar a sua visão ao estúdio. Ao falar com o Kevin Feige você vai ver que ele sabe mais sobre o Homem de Ferro do que eu. E ele estava lá o tempo todo não como um chefe, mas como um consultor. Ele é um expert em gibis. Qualquer dúvida que eu tivesse eu recebia um fichário cheio de páginas dos últimos 40 anos de histórias do personagem.
Foi bom para mim, como cineasta chegando do cinema independente. E foi bom para eles porque eu consegui entregar as coisas no cronograma e orçamento que me foram entregues. Eu soube como ser responsável. Eu tive que ir me adaptando sem pressa ao tamanho disso tudo vendo como outras pessoas com o mesmo background tinham feito essa transição, tipo Peter Jackson em O Senhor dos Anéis. Chris Nolan fez um trabalho fantástico em Batman Begins e mostrou aos estúdios que você pode ser recompensado por conseguir o elenco certo. O segredo é não apoiar o filme em uma pessoa. Deixe o herói ser a estrela e faça o melhor filme que você puder e o público vai te dar o retorno.
Mas voltando ao Demolidor, como ator eu não aprendi muita coisa, pois meu personagem era bem periférico, até um alívio cômico. Mas aprendi que você não precisa filmar mais do que pretende colocar na tela. É um desperdício de tempo e dinheiro. O lance é você ter a história certa antes de entrar em produção. E também aprendi que se for pra fazer um filme, não faça algo que só um fã de quadrinhos vai apreciar. Acho que no caso do Demolidor houve um esforço muito grande para deixar o filme fiel aos quadrinhos e por isso nunca conseguiu o sucesso que poderia ter atingido. O filme foi bem, mas acho que poderia ir ainda melhor se tivesse chamado atenção de um público maior.
Dá para falar um pouco sobre o gibi que você está escrevendo?
O ilustrador Adi Granov [da minissérie Extremis] e eu começamos a trabalhar juntos quando estávamos desenhando a armadura do filme. Queria que ele estivesse tão envolvido quanto eu para fazer tudo o mais fiel possível. Achei que a visão dele para o herói era maravilhosa. Daí ele chegou e perguntou se eu já havia pensado em escrever um roteiro de quadrinhos. Eu disse que não conhecia muito o processo e ele falou que ia me ajudar e assim criou-se esse elo colaborativo entre nós dois, que virou Iron Man Viva Las Vegas [veja preview aqui], que tem uma briga com Fin Fang Foom na avenida principal de Las Vegas.
Vai ser algo relacionado ao universo do filme ou ao universo dos quadrinhos?
Saí do no universo do filme. Seria muito restritivo. Queria mostrar a armadura dele em uma maleta e me deixaram fazer algo dentro do universo Marvel.
Quando vai sair?
Na época do filme.
Terrance Howard falou que houve revisão do roteiro no set.
Mas é claro!
O que vocês mudaram?
Basicamente diálogos. Nós íamos aprendendo mais sobre os personagens ao longo da filmagem. Nós fomos refinando a história no set, mas isso é parte do processo. É algo comum e nos filmes em que eu estou trabalhando sempre vai haver espaço para improvisar. Tive sorte de ter atores à altura do desafio.
E Robert Downey Jr. falou que Tony Stark é uma soma das idéias de vocês dois. Dá para falar um pouco mais sobre isso?
Acho que ele está sendo generoso. Sempre há uma colaboração entre o protagonista de um filme e o diretor. Como ator, você tem que filmar muito e tentar coisas diferentes para dar ao diretor opções para que ele tome as decisões na pós-produção.
Quando você é o protagonista, você vem e vai. Tem muita filmagem de segunda unidade rolando paralelamente e que ele, logicamente, não participou. Por isso discutimos bastante sobre como o Homem de Ferro se movimentaria, agiria e lutaria. Tudo isso para ajudar no trabalho que estou fazendo agora com o pessoal da ILM, que está criando as cenas de vôo e toda aquela coreografia.
No final, ele vai voltar para incluir algumas vozes e fez também as cenas em close up que vão ser usadas como se fosse a visão dentro do capacete.
E como foi ter Robert Downey Jr. trabalhando com você?
Quando o contratamos e ele foi aprovado pela Marvel isso foi verdadeiramente liberador. Isso porque nesse momento eu tinha certeza de que eu estava no meio de caminho de ter ao final um filme do qual em me orgulharia. Não consigo pensar em ninguém melhor que ele para o papel. Ele leva uma realidade, um humor e, você sabe, uma experiência de vida fundamentais para o papel. Ele tem um pouco de Tony Stark nele e isso é muito melhor que alguém fingindo que é engraçado e inteligente, ou que sabe o que é conviver com a fama - com seus benefícios e problemas.
Nós vamos ter mais Homem de Ferro ou Tony Stark na tela?
O Homem de Ferro é diferente de outros personagens, principalmente os heróis da DC. O Batman é o personagem e o Bruce Wayne é o seu álibi. Superman é o personagem e o Clark Kent é o disfarce.
Tony Stark é o personagem e o Homem de Ferro é um alter-ego que ele está começando a explorar. Depois, à medida que o personagem vai se desenvolvendo, é quando os conflitos vão surgindo e ele tem de encarar sobre o quanto difícil é ser Tony Stark depois que você se torna o Homem de Ferro.
É aí que você tem um aspecto do "Demônio na Garrafa" e como isso pode forçar uma pessoa. Acho que dessa vez você vai ver mais do Tony Stark, e começar a entender quem o Homem de Ferro é ao mesmo tempo que o próprio Tony Stark aprende isso também.
Como foi a escolha do vilão do filme?
Foi muito difícil escolher um vilão. O grande inimigo dele é o Mandarim, mas ele não é o tipo de vilão que levaria a um enorme quebra-pau no desfecho. E ele tem seus poderes ligado à magia, o que não sei se funcionaria com este público de hoje. Anéis mágicos... não sei se é isso o que as pessoas iam querer ver. Não faz parte da realidade que estamos construindo, em que não há outros super-heróis com outros poderes deste mundo. Quero que tudo seja fruto da tecnologia criada por Tony Stark e ver as coisas se desenvolvendo a partir disso. E à medida em que você vai montando o filme, vai vendo como as coisas se encaixam e aprendendo qual a sua personalidade e aí vai poder ir cada vez mais fundo.
Vejo o Mandarim como o Imperador de Star Wars. O cara é poderoso, mas na hora da briga é o Darth Vader que você quer ver. E também não dá para colocar o Sauron para enfrentar o Frodo logo de cara. Você tem que ir criando um enredo para que o arco de histórias vá se desenvolvendo até chegar lá.
Lá no começo você falou da ponta que fez. Dá para falar um pouco de outras participações especiais, como a do Samuel L. Jackson?
Dá para falar que há muita especulação sobre as participações especiais no filme e muitas delas não têm o menor fundamento. Sobre Sam Jackson, que eu saiba só existe um Nick Fury e este é o David Hasselhoff. (risos)
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