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Onde Anda Você | Crítica

<i>Onde anda você</i>

08.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 13.11.2016, ÀS 14H02

Onde anda você
Brasil, 2004
Comédia, 100 min.

Direção: Sergio Rezende
Roteiro: Leopoldo Serran e Sergio Rezende

Elenco: Juca de Oliveira, José Wilker, Drica Moraes, José Dumont, Aramis Trindade, Regiane Alves, Castrinho, Genézio de Barros, Paulo César Pereio, José de Vasconcelos e Ernani Morais.

As melhores piadas são as de duplo sentido. Onde anda você (2004) está cheio deles. Mas isso não faz do filme de Sergio Rezende um modelo de comédia. Pelo contrário, nele a duplicidade vira bipolaridade: uma idéia não cabe na sua oposta e o filme acaba freqüentemente desequilibrado.

O próprio título já tem o seu duplo sentido. Pode soar uma pergunta romanticamente nostálgica, mas representa mesmo um amargo dissabor. "Onde anda Você" é o nome do programa de televisão que caça antigos astros, cujo tempo já vai longe - quase um atestado de óbito, enfim.

Depois de ser entrevistado pelo programa, Felício (Juca de Oliveira), humorista-palhaço da época de ouro da televisão, sente o baque do tempo. Uma sensação, aliás, potencializada pela morte de sua ex-mulher, Paloma (Drica Moraes), linda mulher que o traiu com o finado parceiro de comédia Mandarim (José Wilker). Felício tenta contornar a situação: planeja um retorno triunfante. Daí, sim, Onde anda você justifica o seu sentido mais imediato, o revivalista, ao acompanhar as viagens de Felício em busca de um novo parceiro.

Rezende consegue conciliar bem a homenagem à grande estirpe de comediantes nacionais com a crítica ácida ao mundo atual do entretenimento. Mas as duplicidades começam logo a aparecer e expor as fragilidades de um roteiro que roda em falso: o antigo não se acerta com o novo, a originalidade se confunde com o fácil apelo comercial e a verve nacional se dilui dentro da referência à comédia italiana.

Entenda-se como "antigo" o humor ingênuo, os diálogos teatrais, as tiradas milimetricamente ensaiadas; e como "novo", a identificação cada vez maior do público da Retomada com os registros realistas, naturalistas. O filme se perde entre os dois. Assim, Onde anda você periga não encontrar uma audiência certa para a sua vocação mambembe, o seu teatro do absurdo, para os seus protagonistas de meia-idade e os seus coadjuvantes de luxo, comediantes esquecidos como José de Vasconcelos.

A originalidade da idéia também perde espaço para o apelo comercial, numa frustrada tentativa de soar "moderno". Se Felício viaja até as praias do Nordeste para procurar um novo parceiro, isso não acontece somente porque é uma terra frutífera em humoristas. Acontece, também, para aproveitar as dunas, os coqueiros, as locações campeãs de audiência de Deus é brasileiro (de Cacá Diegues, 2003). E no fim das contas, a região se faz notar, mesmo, pelas suas paisagens.

A manobra de Rezende é honesta, visa cativar a audiência com elementos aos quais ela já está acostumada. Mas resulta atrapalhada. Um exemplo disso é a participação mecânica de José Dumont, ator versátil que fez do improviso a sua marca em Narradores de Javé (de Eliane Caffé, 2003). Outro é o retrato da personagem de Regiane Alves. A nudez da atriz seria uma homenagem às voluptuosas e oníricas mulheres fellinianas; mas como o papel é mal explicado e mal resolvido, parece só uma promoção gratuita para instigar a platéia masculina.

E, finalmente, a questão da duplicidade entre o nativismo e a italianada. Não é coisa pequena: as citações a Federico Fellini (1920-1993) estão no cerne do filme. Antes de bolar o argumento, Rezende já tinha na cabeça a música orquestrada inspirada nos temas húngaros que Nino Rota (1911-1979) criou para o mestre. O brasileiro também fez questão de exibir os clássicos fellinianos para elenco e produção - e diz, ainda, que se esforçou para chegar perto do italiano com este filme.

Das duplicidades controversas, essa é a mais amena. Beber na fonte do italiano, afinal, é garantia de bons antecedentes. E de fato, como diz o material do filme divulgado à imprensa, "há mais em comum entre a Rimini [cidade natal] felliniana e o nordeste brasileiro do que sonha a vã cinematografia".

O problema é que essas referências superam a invenção de Onde anda você. São breves os momentos de humor realmente genuíno, como as boas sacadas do empresário de TV, do faquir e da borracheira Socorrinho. No grosso do filme, o que se vê são os mesmo palhaços de Fellini, os mesmos sonhos de Fellini, as mesmas gordas de Fellini... O final do filme, inclusive, um passeio surreal e emocionado à beira-mar, seria lindo se não fosse uma versão do final de A estrada da vida (La strada , 1954). O pecado não é tão grande, na verdade. A genialidade do original é tamanha que até o próprio Fellini se autoplagiou, em A doce vida (La dolce vita , 1960).

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