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Os 12 trabalhos

Novo trabalho de Ricardo Elias traz o mito de Hércules a São Paulo

08.03.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H22

Se o diretor Ricardo Elias mantiver essa progressividade contínua do olhar apurado e do aprimoramento técnico e dramático de seus filmes, é bem capaz que daqui a 10 trabalhos ele consiga atingir o Olimpo. Os 12 Trabalhos (2007), seu segundo longa-metragem, mantém uma relação ainda que distante com seu projeto de estréia, De Passagem (2003), mas dá para se ver logo de cara que o resultado é superior. Há uma similaridade entre ambos na vontade de permear as veias urbanas, o caminho, o percurso, as linhas do mapa que delineiam uma cidade de São Paulo suja e caótica, porém necessária ao desenvolvimento do país.

Ambos os filmes retratam uma população em trânsito, em que o farol vermelho pode significar a estagnação de um projeto de vida. No primeiro projeto, a transição entre um ponto no espaço e outro se dá por meio de trilhos e trens, basicamente. O trajeto é remoto, efêmero, passa rápido. Já desta vez, as ruas e asfaltos saem do papel de figurantes e se tornam quase que personagens atuando colados aos protagonistas. A velocidade é igualmente máxima; não por afinidade com motores envenenados, mas numa tentativa selvagem de se ganhar dinheiro dentro de uma perversa economia desenfreada que ainda não entendeu direito os processos e efeitos da globalização. Entretanto, o recapeamento asfáltico não se evapora nem sai de cena. Ele se mantém perene, firme e forte, como se fosse o sustentáculo de sobrevivência de personagens esquecidos, secundários, invisíveis tais quais os entregadores de pizza.

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Inspirado livremente no mito de Hércules, o filme retrata um momento da vida de Heracles (Sidney Santiago), um jovem negro da periferia de São Paulo que consegue emprego de motoboy graças à ajuda de seu primo Jonas (Flavio Bauraqui), com quem tem uma forte ligação de amizade. Em seu período de experiência é designado a realizar 12 tarefas, ou melhor, fazer 12 entregas rápidas pela cidade em um único dia. A chance de se tornar um motoboy é vista por ele como uma possibilidade de libertação. Se conseguir esse emprego, ele terá uma renda mensal, uma ocupação diária e a dignidade resgatada. Mas para atingir esse patamar de realização tem de se deparar com a burocracia, o preconceito, a grosseria e a desconfiança.

Assim como um motorista perdido no meio da complexa malha viária urbana, consultando o guia para a escolha acertada de uma via dentre inúmeras possibilidades, o filme também abre o leque para algumas interpretações. A utilização do menos conhecido nome grego de Hércules em detrimento do popular romano pode denotar um ato subversivo do diretor aos alicerces bibliográficos, fazendo com que Os 12 Trabalhos ganhe um semblante mais solto, mais autoral. Essa sutil inversão silábica faz com que Heracles seja único em seu espaço, pequeno diante da frota de 300 mil motoqueiros que circulam diariamente pelas avenidas mas grande em suas tentativas de reposicionamento social.

Deixando um pouco de lado aspectos de cunho sociológico dentro desse tema, anteriormente explorados no documentário Motoboys - Vida Loca (2004), de Caíto Ortiz, Os 12 Trabalhos mergulha no campo ficcional das situações ao mesmo tempo reais e pitorescamente improváveis. O exagero na retratação da chefe do estabelecimento de serviços terceirizados é uma liberdade antimítica que Elias usa com propriedade. Há uma fluidez interpretativa maior e mais coerente do que em relação ao filme primogênito.

Este hercúleo longa-metragem não deixa de ser também uma tentativa de sobrevivência aos arquétipos cinematográficos que ora caem em fórmulas gastas como Motoqueiro Fantasma (2007), ora destroem tudo quanto é beleza cinematográfica canônica como Borat (2006). Mais arterial do que a escola Globo Filmes, Os 12 Trabalhos atropela ostracismos cênicos à procura de seu espaço nas brechas entre retrovisores e faixas de pedestres, numa marcha acelerada de grosseria com civilidade. Ao final da jornada fica a sensação de que conquistou justamente o ordenado de seu suado labor, numa metrópole que mata dois motoqueiros por dia e um número equivalente de cineastas desapadrinhados.

Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br
 

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