O dilema central de Pantera Negra, que estreia no dia 15 de fevereiro inaugurando a temporada 2018 de filmes da Marvel, é: como ser herói e rei ao mesmo tempo, diante de uma nação em luto. Esse foi o norte a partir do qual a superprodução dirigida por Ryan Coogler (Creed – Nascido para Lutar) foi elaborada, de acordo com o produtor Nate Moore. Foi ele quem guiou a visita do Omelete aos sets da aventura estrelada por Chadwick Boseman (Get on Up: A História de James Brown), em Atlanta, nos EUA.
As câmeras se concentraram nos estúdios da Screen Gems, uma subsidiária de grandes corporações cinematográficas, então a serviço da Disney. O papo inicial se deu numa mesa de cerca de dois metros e meio de comprimento, lotada de jornalistas de países distintos, num salão que servia de entrada para os escritórios da cenografia (lotado de croquis e fotos de aeronaves, minas de vibranium e paisagens com estátuas gigantes) e do departamento de figurino.
“Era muito importante que Wakanda, terra do Rei T’Challa, o Pantera, não se parecesse com Asgard, apesar de também ser um espaço onde o misticismo e a tecnologia se aproximam. A onipresença da cultura africana, de elementos tribais do continente, foi o caminho para fazer essa diferença”, disse Moore, um executivo negro, que trabalhou nas partes dois e três da franquia Capitão América, e procurou empoderar artistas afroamericano na chefia dos pricipais setores de Pantera Negra. “Temos um cineasta negro, uma diretora de arte negra, uma figurinista negra que fez filmes lendários para a causa racial nos EUA. Este projeto vinha sendo idealizado há anos. Mas depois de Guerra Civil, encontramos um caminho: Ryan Coogler é um fã de quadrinhos que nos emocionou em seu primeiro filme, Fruitvale Station, e nos convenceu de seu potencial em Creed. Era importante termos na direção alguém que compreendesse na pele a dimensão cultural do Pantera mas que não forçasse a mão nos debates raciais, para que a representação da África flua por si só.”
Criado em julho de 1966, nas páginas da HQ Fantastic Four nº 52, Pantera Negra, o primeiro super-herói negro dos quadrinhos, ganha o protagonismo de uma trama que se equilibra entre Wakanda e a Coreia do Sul, palco de uma cena de ação, antecipada já no trailer, idealizada para eletrizar plateias como nunca se viu nos filmes Marvel até agora. A tarefa de T’Challa é manter sua nação coesa, após a dor que se instalou por lá após a morte de seu pai, o antigo rei, numa articulação do Barão Zemo. Mas um vilão interessado nas reservas de vibranium, o Garra Sônica (vivido por Andy Serkis, o Gollum de O Senhor dos Anéis, amplificado por efeitos em CGI), abalará a paz de T’Challa, que precisa ainda deter a vaidade de um conterrâneo vingativo, Erik Killmonger (Michael B. Jordan, ator-assinatura de Coogler).
“Em Guerra Civil, mesmo com o novo Home-Aranha em cena, as pessoas continuavam a falar do Pantera, pois ele se tornou um personagem carismático, graças ao talento de Chadwick. Não poderíamos colocar um astro do porte de Will Smith no papel, pois sua persona engoliria o personagem. Chadwick, que é um grande ator, representa o oposto disso: quando vimos ele 42: A História de uma Lenda, no papel do jogador Jackie Robinson, notamos que a personalidade dele desaparecia em prol do papel”, diz Nate Moore, que manteve a brasileira Claudia Castello na montagem do longa, uma vez que ela é a editora habitual de Coogler. “Nossa maior preocupação com o Pantera Negra era que o projeto tivesse uma carga sólida de realismo, com personagens que fossem tridimensionais”.
Há 20 anos, foi um herói negro, o caçador de vampiros Blade, então encarnado por Wesley Snipes, quem inaugurou a Era de Ouro dos super-heróis no cinema, numa época em que o fracasso monumental de Batman & Robin, com George Clooney, inviabilizou projetos sobre vigilantes mascarados. Mas Nate acredita que Blade e T’Challa são representações bem distantes da matriz africana nos quadrinhos.
“Blade era um lobo solitário, um samurai que segue seu próprio destino. Entre ele e o Pantera, temos ainda Nick Fury e o Falcão, sem contar Luke Cage, que fez muitos fãs na dramaturgia serializada”, explica o produtor. “A Marvel tem personagens de sobra para todos os gostos, numa linhagem diversificada que inclui muitas raças, muitos gêneros. A questão aqui é fazer um espetáculo frenético mas de consciência social”.