Peço licença para começar em primeira pessoa.
Bastaram sete dias, em setembro de 2006, para desfazer no meu imaginário aquela Paris que aprendi no cinema. A Cidade Luz, a capital mundial da lua-de-mel, ao vivo é muito menos amorosa. A Paris de Truffaut hoje é um vestígio - e o maior choque que tive quando visitei a França foi constatar que os parisienses mais hostis são aqueles que se fecharam na redoma sufocante desse vestígio.
paris te amo
paris te amo
paris te amo
Apesar dos berros no metrô, das brigas a céu aberto, do apartheid, da xenofobia, dos pombos, dos franceses, aprendi em sete dias a amar Paris. Amei geléias, amei ladeiras, amei vitrais, até os turistas japoneses eu amei. É uma paixão clássica, efêmera, que não se explica e não se entende, paixão não correspondida, daquelas com um pouco de ódio também. Ao assistir a Paris, te amo (Paris, je t'aime, 2006), fiquei aliviado - os 18 curtas que compõem o filme não falam de um amor nostálgico, um amor pela cidade-imagem que não mais existe. Falam de amores como o meu.
Incomunicação
A começar pelo curta escrito e dirigido por Bruno Podalydès, centrado no bairro de Montmartre, no 18º arrondissement (cada um dos 18 curtas fala de um arrondisement, a divisão distrital de Paris). Está ali, na história do sujeito que briga por uma vaga para estacionar o seu carro, a fagulha que transforma a impaciência generalizada, às vezes, em um pequeno gesto de carinho.
Dos 17 curtas seguintes, seleção irregular como toda antologia, alguns são mais triviais do que os outros. Curtas-metragens precisam estabelecer rápida conexão com o espectador, mas alguns diretores confundem imersão express com didatismo - é o que acontece em Quais de Seine (5º arrondissement), de Gurinder Chadha, que versa com retórica excessiva sobre a presença muçulmana na cidade.
Dá para tratar de choques de culturas sem ser textual demais, como prova exemplarmente Gus Van Sant no terceiro curta da exibição, Le Marais (4º arrondissement), o bairro mais gay de Paris. Choque de culturas, ao lado da incomunicabilidade, é um tema central na compreensão da cidade, e Joel e Ethan Coen vão direto ao ponto em Tuileries (1º), no qual Steve Buscemi interpreta um pobre turista dos Estados Unidos em apuros no metrô.
Mas, dentro do tema ruído-de-comunicação, não há em Paris, te amo um curta melhor do que aquele dirigido pelos brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas, Loin du 16e. O caminho silencioso que Catalina Sandino Moreno (Maria cheia de graça) faz do subúrbio até o arrondissement 16, onde trabalha de doméstica, é de chorar. Versão compacta do eterno moto de Salles, o filme-de-estrada, Loin du 16e está entre os três ou quatro melhores curtas do filme.
Triste porém feliz
Começa, a partir daí, também para manter o frescor da empreitada, a surgir uma miríade de gêneros. Em Porte de Choisy (13º arrondissement) Christopher Doyle investe num registro entre o cartunesco e o onírico. Bastille (12º) descaradamente embarca no conto amoroso. Place des Victoires (2º), outro ponto alto do filme, vai de realismo fantástico, com direito a Willem Dafoe personificando a Morte em forma de cowboy. Sylvain Chomet, o diretor de As Bicicletas de Belleville, retorna à inocência infantil para falar da Tour Eiffel (7º). Tem até terror com vampiros em Quartier de la Madeleine (8º).
Faltando oito contos-distritos, a Paris que se forma para nós ainda não deixou compreender seu fascínio - e talvez não deixe jamais. Possível é juntar os pedaços que compõem esse fascínio. Existe a melancolia (Quartier Latin, por Gérard Depardieu e Frédéric Auburtin; Place des fêtes, por Oliver Schmitz; Pigalle, por Richard LaGravanese), existe o flanar (Parc Monceau, por Alfonso Cuarón; Père-Lachaise, por Wes Craven) e existe a melancolia de flanar (Quartier des Enfants Rouges, por Olivier Assayas; Faubourg Saint-Denis, por Tom Tykwer).
O curta que encerra o longa, 14e arrondissement, escrito e dirigido por Alexander Payne (Sideways), é confessional em voice-over como esta crítica. Também vai na linha do flâneur melancólico e é a síntese perfeita do amor que a imperfeita Paris exerce sobre quem a conhece pela primeira vez. Um amor - como diz a cativante personagem, uma turista caipira e gorda dos Estados Unidos - triste porém feliz.