Quem é Mar-Vell e por que a versão de Capitã Marvel é tão diferente das HQs

Créditos da imagem: Marvel/Reprodução

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Quem é Mar-Vell e por que a versão de Capitã Marvel é tão diferente das HQs

Cuidado com os spoilers!

11.03.2019, às 09H00.
Atualizada em 11.03.2019, ÀS 14H41

Quando o Omelete visitou o set de Capitã Marvel em junho de 2018 (saiba como foi), algo curioso surgiu nos bastidores. Ao se referir a Mar-Vell em uma cena, a heroína vivida por Brie Larson usava o pronome “ela”. Em outro momento, o mesmo pronome feminino acompanhava o nome de Lawson, a identidade terráquea do Capitão Marvel das HQs. Questionados sobre isso, nem o produtor Jonathan Schwartz, nem os diretores/roteiristas Anna Boden e Ryan Fleck quiseram comentar o assunto. “Façam perguntas que eles podem responder”, sugeriu o assessor de imprensa. 

O segredo tinha um motivo: não criar polêmica antes do lançamento do filme, que só chegaria aos cinemas em março de 2019. Isso porque a troca de gênero e etnia de personagens costuma gerar discussões mais do que acaloradas nas redes sociais, ainda mais se tratando do primeiro longa estrelado por uma heroína do estúdio (basta dar uma olhada nos comentários no OmeleTV de expectativa para Capitã Marvel para entender). Com a estreia veio o esclarecimento: Annette Bening, e não Jude Law, como se pensava inicialmente, interpreta Mar-Vell/Lawson no filme.

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Mar-Vell, o Capitão Marvel, estreou nas HQs no final de 1967. Na Marvel Super-Heroes #12, o guerreiro alienígena chegava à Terra e assumia a identidade do recém-falecido Dr. Walter Lawson para se misturar aos humanos e monitorar se o planeta representava alguma ameaça ao império Kree. Na edição seguinte, Mar-Vell conhece Carol Danvers, Chefe de Segurança de uma base da NASA, que se torna seu interesse romântico terráqueo. Ela então é sequestrada por Yon-Rogg, o ciumento comandante Kree da missão de Mar-Vell na Terra (e o verdadeiro personagem de Jude Law no filme). 

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Seu plano é usar o Psyche-Magnetron, um dispositivo Kree capaz de tornar desejos realidade - a máquina permite manipulação de matéria para criar objetos e também é capaz de mudar a estrutura genética de um corpo - para dar vida a um Mandroid na esperança de finalmente derrotar Mar-Vell. Durante o conflito, Carol Danvers é atingida pelo laser de Yon-Rogg e permanece desacordada. Quando o Psyche-Magnetron explode, o Capitão Marvel resgata Danvers, que sobrevive, mas passa anos esquecida. É só em 1977 que a personagem reaparece, sob a identidade de Ms. Marvel, como parte da estratégia da editora de fazer parte das conversas da segunda onda do feminismo - saiba mais. A explosão do Psyche-Magnetron é usada para explicar a origem dos seus poderes, com o DNA Kree de Mar-Vell se misturado ao DNA humano de Carol Danvers. 

Quando a personagem se tornou a Capitã Marvel em 2012, a roteirista Kelly Sue DeConnick revisitou essa origem, mas deu a Carol Danvers uma postura menos passiva dos acontecimentos, com a heroína não sendo mera vítima das circunstâncias - saiba mais. Mais recentemente, em 2018, a Marvel fez outra pequena, mas significativa mudança na história de origem da personagem. Na quarta edição da série Vida da Capitã Marvel, Margaret Stohl, Carlos Pacheco e Erica D'Urso revelam que a mãe da heroína era na verdade Kree, o que por si só já fazia o DNA de Carol ser parte humano, parte Kree. A explosão do Psyche-Magnetron teria apenas ativado o seu lado alienígena e com isso os seus superpoderes. 

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Se nos quadrinhos a Marvel distanciava Carol Danvers da dependência de Mar-Vell, frisando que seus poderes não foram um presente ou um empréstimo, não é nenhuma surpresa que isso tenha chegado aos cinemas. Segundo Kevin Feige (via ET Online), porém, a ideia inicial não era mudar o gênero do personagem: “Foi já na reta final do desenvolvimento do filme. Estávamos procurando por um homem para interpretar Mar-Vell e desenvolvendo o roteiro ao mesmo tempo, como costumamos fazer. Conversamos com algumas pessoas, mas como você viu no filme, é um papel limitado por conta da natureza e estrutura da história. Acredito que foi Anna [Boden] que sugeriu em uma reunião de roteiro que a visão de [Carol Danvers] na Inteligência Suprema fosse Mar-Vell. A ideia veio um pouco antes de Annette Bening entrar para o elenco. Foi uma ideia que veio já no final do processo e foi apenas uma das coisas que aconteceram conforme o roteiro ganhava a sua forma final, foi uma epifania de Anna e foi perfeita. Paramos de procurar por outro ator”. 

Apesar da explicação simples de Feige, se o Mar-Vell dos cinemas fosse o mesmo dos quadrinhos o estúdio teria outras polêmicas em mãos. Como justificar, em pleno 2019, em uma Hollywood pós-Me Too/Time's Up, que os poderes da heroína, vendida como a mais poderosa do MCU, vieram do seu interesse amoroso? Mesmo que ele fosse tranformado em uma figura paterna ou um grande amigo, a relação perderia a razão de ser em um filme que tem a responsabilidade de jogar os holofotes para a força feminina. Ainda mais que a Capitã Marvel não passaria por toda a evolução/emancipação da personagem nas HQs - que já teve diferentes fases protagonista como uma questão central. 

Ao colocar Annette Bening como Mar-Vell, o estúdio ampliou a sua mensagem de representatividade. Em uma profissão dominada por homens, as pilotos Carol Danvers e Maria Rambeau viram oportunidade e incentivo na misteriosa cientista que testava caças experimentais e falava acabar com guerras. Quando chega o momento de apresentar a origem dos seus poderes, Carol Danvers se vê ao lado da sua mentora e faz uma escolha. É essa decisão que apresenta a sua vocação heróica - disposição de se sacrificar pelo bem comum - e ainda a conecta ao MCU - no lugar do Psyche-Magnetron, a explosão vem de um dispositivo originado pelo Tesseract, também conhecido como a Joia do Espaço. Até mesmo a questão dos seus poderes serem um presente, algo que faz parte da história da personagem nos quadrinhos, foi incorporada, com os Kree usando o fato para manipular a heroína.  

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O encaixe é perfeito, tanto que o longa peca por não aprofundá-lo. Teria sido interessante para a construção da protagonista, por exemplo, se o filme passasse um pouco mais de tempo prático na relação entre Mar-Vell e Danvers, ao invés de dar preferência a diálogos que pontuam a sua importância. Já questionar a mudança de gênero da personagem apenas por uma necessidade de fidelidade absoluta às HQs é bater na tecla mais batida da cultura pop. Se os quadrinhos evoluíram ao longo dos anos, reinterpretando a mesma história diversas vezes, por que o filme deveria ser fiel a um arco datado? Não são poucos os momentos absurdos vividos por Carol Danvers nos quadrinhos, incluindo um bizarro caso de estupro “incentivado” pelos Vingadores (entenda). Essa trajetória conturbada, porém, serviu de aprendizado para a editora chegar ao renomado arco de Kelly Sue DeConnick, que por sua vez foi o grande responsável por levar a heroína para os cinemas (saiba mais). 

A mudança de gênero de Mar-Vell importa tanto para a construção da narrativa de Capitã Marvel porque representatividade feminina ainda é uma questão que precisamos debater e defender - ou não haveriam “trolls” tentando sabotar o longa antes da estreia. Já a dimensão do imaginário elaborado a partir desse e de outros filmes de super-herói como Mulher-Maravilha e Pantera Negra (assim como a prometida inclusão de personagens LGBTQ) vai se provar mesmo no longo prazo. Quando todos tiverem voz, aí sim começa o diálogo.

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