O boxe é o esporte mais fascinante que existe. É também o mais real e assustador.
Dois homens se enfrentando num quadrilátero até que um deles vá ao chão é o reflexo mais apurado da espécie humana que - malgrado as regras modernas e condutas civilizatórias - mantém uma essência primitiva e cruel.
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Quem sobe num ringue sabe que, invariavelmente, vai sair dali com o rosto esfacelado, centenas de neurônios mortos e sabe lá quais outras seqüelas. E, ainda assim, não faltam aspirantes a Muhammad Ali, Mike Tyson, Sugar Ray Leonard...
Impossível não reconhecer uma certa poesia nisso tudo e admirar esse tipo de coragem irracional. Há uma dignidade profunda nesses homens que se arriscam tanto por uma chance de mudar de vida. Para muitos, o ringue é a única alternativa para se alcançar a grandeza e deixar de lado a trivialidade de uma existência comum. A glória, porém, é reservada a poucos. E o preço a ser pago é alto.
A labuta diária para vencer no esporte, a superação de obstáculos e dificuldades é a realidade de 9 entre 10 lutadores. É também a história do boxeador mais célebre dos últimos trinta anos de cinema: o Garanhão Italiano Rocky. Ele está de volta. E está com tudo! No sexto round, Rocky Balboa encerra, e muito bem, a série iniciada em 1976 com Rocky, Um Lutador, que rendeu a Sylvester Stallone fama, fortuna e o prazer de um Oscar de Melhor Filme.
Quando escreveu o roteiro de Rocky, Stallone tinha em mente uma luta específica. Em março de 1975, um boxeador pouco conhecido de Nova Jersey teve a ousadia de desafiar o então campeão dos pesos pesados para uma luta. O combate entre Chuck Wepner e Muhammad Ali aconteceu em Cleveland, Ohio, e inspirou Stallone a escrever a história de um boxeador amador que desafia o campeão Apollo Creed - e aguenta até o último round. Nunca uma derrota teve um gosto tão pujante de vitória!
Rocky Balboa (segundo Stallone a derradeira aventura do herói) começa com o ex-campeão mundial tentando superar adversários muito mais complexos. Ele precisa aprender a lidar com a dor da perda da sua amada e salvar a relação tumultuada com o filho.
Rocky ganha a vida com um restaurante, narra aos clientes os combates inesquecíveis e vai levando uma existência bem pouco satisfatória, até que um programa de televisão faz renascer sua vontade de lutar. A simulação por computador de uma luta entre ele e o atual campeão Mason Dixon (Antonio Tarver) dá a vitória por nocaute a Rocky e inicia uma série de discussões sobre a grandeza do ídolo do passado e do campeão atual, de carisma zero.
Nessa polêmica toda, os empresários de Dixon têm a idéia de organizar um combate em Las Vegas para saber quem é de fato o melhor. Em vista da idade avançada do sexagenário Rocky, a luta é propagandeada somente como uma demonstração, mas claro que isso não é o que acontece...
O início do filme, excessivamente melodramático, pode cansar um pouco. Mas perseverem! Quando começa o treinamento e soam as primeiras notas da trilha sonora de Bill Conti, o coração acelera. Um quase flashback lembra os treinamentos dos outros cinco filmes. Lá está o agasalho mescla, a escadaria, as refeições com ovos crus... Mas nessa última preparação, Rocky tem outras dificuldades: artrite, pouca velocidade, falta de agilidade, enfim, problemas que surgem com o passar dos anos.
A luta é bem filmada e emocionante. Além disso, o roteiro tem uma coerência razoável que afasta a trama do ridículo e até faz com que o espectador se reconcilie com o personagem depois do desastroso Rocky V. Aliás, não dá para deixar de traçar um paralelo entre a própria carreira decadente de Stallone e a aposentadoria de Rocky. O ator reconheceu que, se tivesse feito alguns filmes de sucesso, não teria voltado ao ringue. O fato é que voltou. Quebrou vários ossos do corpo durante o treinamento, forçou-se a uma abstenção sexual bem ao estilo dos boxeadores e o resultado é um filme emocionante com a dose certa de nostalgia.