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Santos e Demônios

Filme autobiográfico retrata passado com misto de melancolia e carinho

13.12.2007, às 18H00.
Atualizada em 04.11.2016, ÀS 20H03

Orlando Anthony Montiel Jr. é a exceção à regra que diz que o meio faz o homem. Dito, como é mais conhecido, passou a infância e a adolescência no problemático bairro do Queens, Nova York, até meados dos anos 80. Viu os seus amigos presos, mortos, viciados ou largados. Se Dito Montiel escapou desse destino para se tornar escritor (e cineasta), o próprio atribui sua salvação à proteção de algum anjo, ou alguns anjos.

Daí vem o nome do livro que ele escreveu sobre a sua vida, livro esse que o próprio Montiel, sem qualquer experiência no cinema, decidiu transformar em filme: A Guide to Recognizing your Saints, um guia para reconhecer seus santos. Montiel passou boa parte de sua vida adulta na Califórnia, protegido do passado, sofrendo por aqueles que deixou para trás abruptamente no Queens. Figuras da juventude, seja uma antiga namorada, um amigo brigão ou um pai omisso, para preservar na memória Dito transformou em espécies de santidades. Santos e Demônios, título genérico em português do filme, é uma homenagem a essas pessoas.

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E é exatamente isso que Shia LaBeouf diz para a câmera logo nos primeiros minutos: "Abandonarei todas as pessoas que aparecerem neste filme". LaBeouf interpreta o jovem Montiel, em meio a pixações porto-riquenhas na porta da loja de sua mãe, tardes derretidas no verão do Queens, idas e vindas no interminável metrô, mirando a paisagem nova-iorquina - um estar em movimento constante que já prenuncia a fuga. Nos olhos expressivos de LaBeouf vê-se que Dito é um estranho em seu habitat. Já adulto, interpretado por Robert Downey Jr., o que se vê nos olhos de Dito Montiel é o pedido desesperado para ser aceito de volta.

Vale dizer que, para um estreante, Montiel domina com folga o material que tem às mãos - um retrato carinhoso e melancólico do ambiente e dos tipos do Queens. Sua câmera executa travelings pelas ruas do bairro atentando para detalhes banais, muitos deles, claro, reminiscências do que Montiel de fato viveu. A câmera lenta entra como preciosismo de cinema alternativo dos EUA: o diretor não precisa dela para que suas imagens tenham significado reforçado pela exposição prolongada.

Esse domínio (ou, antes disso, o conhecimento profundo do tema de que trata) de Montiel lhe valeu o prêmio de melhor direção no festival de Sundance em 2006. Ao selo de qualidade dos indies, Santos e Demônios adicionou o Prêmio da Semana da Crítica de Veneza no mesmo ano. A atenção à mise-en-scène só fica um pouco baleada nos momentos em que o lado roteirista de Montiel se escora demais em causas e efeitos: é o caráter ex machina do roteirista, na linha de um Crash ou Babel, interferindo no curso da história para re-endireitar os personagens dentro do esquema pré-estabelecido da trama.

Fragilidades à parte, Santos e Demônios termina com dignidade. Como personagem, Dito Montiel recusou o destino que lhe esperava no Queens; cineasta, mostrou mais uma vez sua capacidade de olhar para a própria vida como um observador exterior.

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