Desde o início da carreira, o diretor Todd Haynes parece nunca ter hesitado em explorar transgressões e desafiar as normas morais. Seu primeiro filme, Veneno (1991), composto por três narrativas entrelaçadas inspiradas nos romances de Jean Genet, foi condenado por associações conservadoras nos Estados Unidos devido às cenas de sexo gay que apresentava. Em uma progressão natural do seu trabalho, o décimo título da filmografia de Haynes, Segredos de um Escândalo, continua a provocar e surpreender o público mais conservador. A produção estrelada por Natalie Portman e Julianne Moore adapta a chocante história de Mary Kay Letourneau, professora que teve um caso com um jovem de 13 anos de idade – com quem depois construiu uma família. Mas por mais interessante que o assunto pareça, não foi exatamente o teor escandaloso que chamou a atenção do realizador para o projeto.
"Foi definitivamente o roteiro que me atraiu, e a forma como [a roteirista] Sammy Burch pegou todos os elementos da história original e criou uma distância deles com o espaço de tempo de 20 anos", disse Haynes em entrevista exclusiva ao Omelete. Segredos de Escândalo ficcionaliza a vida de Kay Letourneau com Gracie (Moore), uma dona de casa que compartilha, com o marido 22 anos mais jovem que ela, as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos. Décadas após o escândalo que mudou a vida de ambos, o lar da família é invadido por Elizabeth Berry (Portman), uma atriz de segundo escalão que vai interpretar Gracie em uma cinebiografia. "O filme começa questionando os limites morais do amor e do sexo, quando uma pessoa mais velha persegue uma pessoa mais jovem e, em seguida, a dinâmica de poder entre eles. Mas você acaba pensando tanto sobre a moralidade e a política da narrativa, e acho que isso foi o que me empolgou", enfatizou Haynes. Não por acaso, o longa está indicado ao Oscar 2024, na categoria de Melhor Roteiro Original.
Contar histórias sobre personagens vistos pela sociedade como desviantes sempre foi um forte do diretor, que já explorou a temática em projetos como Velvet Goldmine (1998), Longe do Paraíso (2002) e Carol (2015). Segredos de um Escândalo, no entanto, colocou o realizador em um patamar mais perigoso, pois a desviante da vez, Gracie, não lida com uma forma injustificada de preconceito, já que a personagem é, essencialmente, uma pedófila. "Esta foi uma variação interessante em relação aos filmes que fiz sobre mulheres, porque as duas personagens centrais no filme, Elizabeth e Gracie, estão realmente controlando sua narrativa. Ambas são fascinantes, perturbadoras e cheias de extremos, mas com aspectos que refletem sobre todos nós, seja a forma como justificamos nossas escolhas ou as histórias que contamos sobre quem somos", ressaltou. "Às vezes essas histórias precisam ser expostas à luz do dia, e você vê as pessoas se agarrando a elas com ainda mais desespero. É isso que acontece neste filme".
O diretor Todd Haynes (à direita) com as atrizes Natalie Portman e Julianne Moore nos bastidores de Segredos de um Escândalo
A atriz recém-chegada à cidade e a dona de casa representam apenas uma parte do que Segredos de um Escândalo desenvolve. O complemento é fornecido por Joe, o marido - um papel que é a alma e o coração do filme -, interpretado por Charles Melton, conhecido pela série Riverdale. Apesar de o jovem ator não ter a mesma experiência extensiva na frente das câmeras que suas colegas vencedoras do Oscar, Haynes não ficou surpreso com a entrega de Melton no longa-metragem. "Eu não sabia quem ele era, então realmente confiei no seu teste. A performance que ele gravou sozinho foi algo diferente de qualquer outro ator que analisamos. Havia um nível de sutileza e alguém que parecia estar aprendendo a falar na sua frente, como alguém extremamente reprimido", contou. "Foi realmente a interpretação e compreensão sobre quem Joe era que destacou Melton entre todos os atores que analisamos".
Lançado no Festival de Cannes 2023, a primeira mostra Segredos de um Escândalo chamou atenção do público e da crítica especializada pelo seu tom. Com um mix de melodrama e ironia, não demorou muito para que ambos os grupos caracterizassem a obra como "camp", termo criado pela filósofa americana Susan Sontag que remete ao exagero e ao artificial que ganhou novas conotações graças à comunidade LGBTQ. "Foi algo inesperado para mim, confesso", revelou. "Camp sempre foi algo que me interessou muito, mas acredito que ele está mais relacionado com a forma como interpretamos produtos culturais, especialmente ao longo do tempo, e como, por vezes, eles mudam de significado e contexto ao longo do tempo. Então, não é exatamente o termo que eu usaria para descrever o filme".
A estreia em Cannes chamou a atenção da Netflix, que adquiriu os direitos de distribuição para o mercado americano, mas exclusivamente para o streaming. Contudo, para a satisfação de Haynes, o filme estreou nos cinemas no Brasil – exatamente como ele desejava. "Fico muito contente que a Netflix tenha se encantado pelo filme da maneira como o fez. No entanto, para mim, é a sensação de ser feito de refém por um filme no cinema que mais importa", explicou. "Você se vê envolvido pela maneira como os enquadramentos neste filme prendem os personagens. É uma experiência muito prazerosa de assistir, com uma grande dose de suspense sobre o que acontecerá a seguir, quem são essas mulheres, e além de quando esse homem finalmente se olhará no espelho. E é assim que espero que as pessoas o vivenciem", concluiu.
Segredos de um Escândalo está em cartaz nos cinemas brasileiros.