A abertura de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas sintetiza suas intenções. Um satélite surge em uma tela quadrada, que simula uma transmissão de TV na década de 70. Ao som de “Space Oddity”, de David Bowie, a proporção de tela é ampliada para estabelecer a relação entre passado e futuro. Povos da Terra e do espaço se encontram ao longo dos séculos em uma estação espacial que ganha vida própria enquanto Luc Besson deixa claro que fará um espetáculo visual da adaptação da HQ de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières.
Projeto querido do cineasta, que conta ter lido as aventuras de Valerian e Laureline aos 10 anos, Besson mostra seu amor pelo material de origem em cada cena. É essa proximidade, contudo, que prejudica o longa. Sem a distância necessária para eliminar excessos, o diretor, que também assina o roteiro e a produção, não vê as redundâncias que transformam o arrebatamento inicial de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas em uma contagem regressiva pela sua conclusão.
Os acertos no campo imagético, com seu uso criativo das cores, do 3D, da captura de performance, dos movimentos de câmera e da montagem, não encontram correspondência na narrativa, que se desgasta em 2h17min. A trama simples é tratada como complexa, repetindo explicações e perdendo tempo com reviravoltas desnecessárias. A escalação de Dane DeHaan (Major Valerian) e Cara Delevingne (Sargento Laureline) para os papéis principais piora o quadro, perdendo a sustentação que dois personagens fortes poderiam trazer ao longa. DeHaan é um ator competente, mas sem a malandragem e o galanteio (à la Han Solo) necessários para o papel. Delevingne se esforça, mas sufoca o heroísmo da sua Laureline entre caras e bocas. A relação dos dois também é mal construída, forçando um romance sem se preocupar em estabelecer a química entre as partes.
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas se torna uma experiência bipolar, entre o desgosto pelo roteiro e o reconhecimento pela exímia direção de Besson. A cena de abertura é uma lição de como fazer um prólogo cinematográfico ao estabelecer quase sem palavras a grandiosidade e os temas do longa. A missão de Valerian e Laureline em um mercado público em outra dimensão é outro momento surpreendente. O cineasta atesta o seu talento para a ação ao construir a intrincada relação entre uma realidade desértica e outra com milhares de lojas e seres, vistos apenas com o uso de um óculos especial. O ritmo frenético é estabelecido na montagem, que aproveita todas as possibilidades da situação. Outro trecho, em que Valerian atravessa as paredes da Cidade dos Mil Planetas e passa por diversos ecossistemas, usa a inspiração na dinâmica dos games com pompa cinematográfica para criar uma experiência imersiva e empolgante.
Besson fez uma ópera espacial com toda a ostentação do gênero, mas perdeu o foco por amor. Isso não tira o peso do seu filme, mas torna mais difícil a conexão com o espectador. Valerian e a Cidade dos Mil Planetas perde o dinamismo de uma aventura espacial ao insistir em romance e intriga política intergaláctica sem antes estabelecer uma mitologia ou dar consistência aos seus heróis. Faltou beber um pouco da fonte de Star Wars, franquia que ironicamente Valerian ajudou a criar (saiba mais).
Segundo Besson, porém, o filme terá o mesmo destino de O Quinto Elemento, a sua ópera espacial de 1997 que não encontrou público nas bilheterias, mas se tornou um clássico cult. “Será ainda maior”, disse. Se não entenderem hoje, entenderão depois.
Ano: 2016
País: França
Classificação: 12 anos
Duração: 129 min
Direção: Luc Besson
Roteiro: Pierre Christin, Jean-Claude Mézières, Luc Besson
Elenco: Cara Delevingne, Dane DeHaan, Clive Owen