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Volver

Volver

09.11.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

A mais notória característica do cinema de Pedro Almodóvar é a sua relação confessional com o universo feminino. Mas a obra do espanhol pode ser vista também como a negação do mundo dos homens. Há uma cena em Volver (2006) - seu retorno às raízes depois de um raro trabalho masculino, Má Educação (2004) - que sintetiza formidavelmente essa idéia.

Sole (Lola Dueñas, de Mar Adentro), irmã de Raimunda (Penélope Cruz), acaba de saber que Tia Paula morreu, e retorna ao vilarejo onde a família cresceu para participar do velório. O povo do lugar, cheio de folclores, diz que Tia Paula estava sendo cuidada nos últimos anos de sua vida pelo fantasma de Irene (Carmen Maura), mãe de Sole e Raimunda. Sole não acredita - mas na hora em que entra na casa se espanta com a aparição de Irene. Corre do fantasma da mãe, abre a porta da rua e se depara com um grupo de homens, engravatados para o velório. A câmera sempre branda de Almodóvar corta rápido então, de close em close nos homens. E Sole dá meia-volta. Instintivamente, prefere encarar o fantasma.

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Pode ser reflexo da sua própria vida ou reação aos machismos arraigados da cultura hispânica - o fato é que Almodóvar cria em Volver uma redoma para acolher as suas mulheres. A grande graça de seu trabalho como cineasta é a maneira como ele expõe as fraquezas e as forças dessas mulheres, sem paternalismo, e como elas resolvem conflitos entre si, num mundo à parte da guerra dos sexos.

Há outros homens em Volver, mas são como adereços, MacGuffins - servem mais para tocar a trama adiante do que para exprimir o que há realmente de pertinente na história. Sole é separada, ficamos sabendo, mas seu marido nunca aparece na tela. O pai da família também não é mostrado. O marido de Raimunda não demora a sumir. O enterro de cadáveres masculinos no filme são como alegorias: livrar-se das amarras do sexo oposto é o caminho que cabe a elas para se encontrarem como mulheres.

Raimunda mora em Madri, depois de um passado mal resolvido com a mãe, e anda às voltas com um desses empecilhos masculinos. Quando retorna do vilarejo com o fantasma no porta-malas do carro, Sole não conta a Raimunda que viu a aparição da mãe. Pelo contrário, coloca Irene para lavar cabelos no seu cabelereiro improvisado dentro de casa e a esconda da irmã. Acontece que mãe e filhas têm assuntos pendentes.

Depois de excursionar por metalinguagens e devaneios de realidade e ficção em Fale com Ela e Má Educação, Almodóvar retorna à narrativa tradicional com Volver. Isso quer dizer que o filme tem começo, meio e fim, sem atalhos ou contornos, mas não significa que é vazio de significados ou interpretações. Pelo contrário, cada entrelinha, cada escolha de perspectiva - e cada tomada que Almodóvar faz da volúpia decotada de Penélope Cruz - tem um motivo. É um filme de interiorização. Seja enquadrando suas musas com o olhar de um pervertido ou tratando-as como uma avó com um prato de sopa na mão, ele as entende cada dia melhor.

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