O primeiro episódio da segunda temporada de A Casa do Dragão já começa com uma bela dose de fanservice: a série aproveita da passagem do príncipe Jacaerys pelo Norte para falar “o inverno está chegando”, mostrar Winterfell e a Muralha, mas pouco disso parece se relacionar de verdade com a trama da série. Afinal, o ponto de Jace encontrar Lorde Cregan Stark era a busca por uma aliança na Dança dos Dragões, e o livro enfatiza a relação desenvolvida entre a dupla, que tinha idades próximas. Porém, toda a brevíssima participação de Cregan - e do Norte - na série serviu como uma cena expositiva (compreensível) que teve como tópico os perigos que vem de pra lá da Muralha.
É claro que qualquer espectador de Game of Thrones sabe que toda a história de Jon, Daenerys e companhia tem como pano de fundo e parte relevante da trama os Caminhantes Brancos, mas também é sabido que essas criaturas e a mitologia relacionada a elas era tratada como puramente fantasiosa pelos personagens nas primeiras temporadas. O primeiro ano de A Casa do Dragão, enquanto isso, revelou que Aegon, O Conquistador não só sabia da ameaça que vem do Norte como usou isso para conquistar Westeros, passou a informação ao seu sucessor e, de alguma forma, mesmo com a sucessão complicadíssima no reino, a “profecia” chegou a Viserys, que a passou para a filha Rhaenyra.
Com tal profecia cravada na infame adaga que mata o Rei da Noite na oitava temporada de GOT, fica óbvio que a temática é usada para oferecer uma conexão direta, embora desnecessária, da série derivada com sua irmã mais velha. Porém, aceitando essa escolha, é aberta uma discussão essencialmente sobre o cânone de Westeros: o quanto se sabia sobre os Caminhantes Brancos nos Sete Reinos?
- Livro x Série: Como a história de A Casa do Dragão acontece em Fogo & Sangue
- [Entrevista] Como Aegon vai lidar com a coroa? Tom Glynn-Carney responde
Tanto nos livros quanto na série original, fica clara a falta de informações dos personagens sobre as criaturas que habitam as terras além da Muralha - e a própria construção da estrutura, assim como a Patrulha da Noite, é caracterizada como uma iniciativa para separar o reino dos “selvagens” e servir como uma colônia penal. As jornadas de Sam e principalmente Bran, além da de Jon, são muito pautadas pelas descobertas sobre tal ameaça, e o fã vai aprendendo junto com eles que o perigo é real.
Porém, ao assistir A Casa do Dragão, o panorama é outro. Embora não falem claramente sobre Caminhantes Brancos ou deem detalhes sobre os perigos que tanto citam, personagens como Viserys e Cregan Stark deixam claro que as pessoas levavam a ameaça mitológica a sério. No início da segunda temporada da série, Lorde Stark diz ao príncipe Jacaerys que a Muralha protege o reino da morte - ou seja, é inegável que o não dito ali faz referência aos Outros.
Toda essa trama não tem origem no livro, vale dizer. Em nenhum momento de Fogo & Sangue é feita qualquer referência aos perigos além da Muralha, aos Outros, às profecias salvacionistas dos reis Targaryen ou sequer à adaga do rei. Isso não quer dizer que o cânone literário impede essa trama - o livro é contado do ponto de vista de um meistre historiador, ou seja, traz uma versão oficial da “história” de Westeros, deixando várias lacunas a serem preenchidas. Ainda assim, é interessante notar que o material não abre esses precedentes.
Em GOT, ao entrar em contato com as lendas sobre as criaturas mágicas, seja por meio das histórias da Velha Ama ou por meio do Corvo de Três Olhos, a impressão que fica é que estamos tratando de um conhecimento muito antigo, do tipo milenar… e não de menos de duzentos anos atrás. Agora, parece que resquícios desse conhecimento foram preservados como fatos a serem levados a sério, e não apenas folclore. Dito isso, surge um questionamento: até que ponto persistia um mínimo conhecimento sobre os Outros? Quando ele desapareceu, e por que?
- [Recap] A Casa do Dragão volta com episódio sangrento - veja o que rolou
- [Entrevista] Casal Rhaenys e Corlys "vai começar a ruir", diz Eve Best
É mais fácil especular sobre o desaparecimento dessas informações no Sul do que no Norte. É fato aprendido em Game of Thrones que a magia está conectada tanto com os dragões quanto com os Caminhantes Brancos. Portanto, faria sentido se, com a queda e o desaparecimento dos dragões pouco tempo após a Dança, a magia e o interesse por ela fosse também desaparecendo. Dessa forma, consequentemente, o mesmo aconteceria com conversas sobre as criaturas do Norte. Outra possibilidade de essas informações sumirem nessa mesma geração é simples: as poucas pessoas que sabiam sobre morreram de forma repentina, sem repassar aos seus sucessores - o que, é claro, faz sentido num contexto de guerra.
Se as profecias conseguiram sobreviver à Dança dos Dragões, elas podem ter desaparecido de vez em outro momento: a rebelião de Robert. É sabido que Rhaegar Targaryen, o príncipe herdeiro à época, era inclinado a tais interesses, principalmente considerando que ele levava bastante a sério a profecia do Príncipe que foi Prometido. Porém, não sabemos se essa profecia teria alguma conexão direta com os Outros, ou era mais associada à política, por exemplo. A verdade é que, com tantas mortes de Targaryen no passado recente, não é difícil imaginar que a informação se perdeu no meio do caminho em algum lugar.
Já no Norte, a história é outra. Cregan Stark foi o exemplo perfeito do ditado “para bom entendedor, meia palavra basta” na série. Se Jace ficou perdido, o público entendeu certinho o que o Lorde de Winterfell quis dizer - e Cregan viveu muitos e muitos anos. Os Stark não passaram por uma grande ruptura na família, e a cultura nortenha é bastante fiel às suas tradições. Então, como o saber que Cregan parece ter é perdido em algumas gerações, se (famosamente) “o Norte se lembra”? Essa resposta não existe ainda. Porém, quanto mais A Casa do Dragão entra nessa trama, mais peças desse quebra-cabeça entram no jogo.
