A Casa do Dragão

Créditos da imagem: HBO/Divulgação

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Autoconsciente, A Casa do Dragão sabe que sua maior força está na fofoca

Mais focado em brincar com escândalos do que em parecer uma crítica política relevante, derivado de Game of Thrones se leva menos a sério do que produção original

Omelete
5 min de leitura
26.09.2022, às 20H37.

Por melhor que A Casa do Dragão esteja, é impossível fingir que a série não tem problemas. Alguns deles, inclusive, são uma herança bastante maldita das temporadas finais de Game of Thrones, conforme meu amigo Caio Coletti evidenciou em um ótimo texto publicado na última quinta-feira (22). E, por mais que concorde com vários aspectos do artigo, discordo — bastante, inclusive — de que o fato de ser um “passatempo grandioso” esteja prejudicando o andamento do prelúdio. Aliás, minha visão é a oposta: para mim, é justamente esse foco nas fofocas reais e nas polêmicas familiares que tem feito a produção ser tão deliciosa de acompanhar semana a semana. Conscientes de que a história de Fogo e Sangue, livro de George R.R. Martin, é bem menos profunda politicamente que A Canção do Gelo e Fogo, os showrunners do derivado o levam menos a sério e tratam a guerra civil dos Targaryen como um episódio de alto custo de Casos de Família.

Diferentemente do que acontece em Game of Thrones, que, assim como os livros que adapta, usa seu mundo fantasioso para criticar noções imperialistas, como meritocracia e direito divino, A Casa do Dragão se resume a uma única família disfuncional e como suas brigas internas praticamente afundaram uma nação. Embora disponham de grandes cenários e um orçamento robusto, Ryan Condal e Miguel Sapochnik não escondem em momento algum que o prelúdio é, na realidade, uma enorme fofoca sobre um grupo de elite e exploram esse potencial de forma cativante. A dupla de showrunners compreende o humor em ver picuinhas familiares evoluírem para um confronto armado e ironiza esse fato em cada diálogo áspero das ex-amigas Rhaenyra (Milly Alcock/Emma D’Arcy) e Alicent (Emily Carey/Olivia Cooke) e cada olhar cansado de Viserys (Paddy Considine) e seus conselheiros. Por maior que sejam os eventos da Dança dos Dragões, é nesses pequenos momentos que a nova série se sobressai à sua antecessora, que, de fato, cometeu várias vezes o pecado de se levar mais a sério do que deveria.

É claro que, vez ou outra, Condal, Sapochnik e equipe caem na tentação de tentar parecer mais inteligentes do que realmente são — os ratos que surgem ao fim dos episódios, por exemplo, são uma metáfora nada sutil à decomposição do estado de saúde de Viserys e do reino. Mas até escorregadas como essa acabam dialogando com as proporções exageradas que qualquer coisa toma em A Casa do Dragão. Deste modo, por mais que tenha nascido de uma ideia ruim levada em frente, essa particularidade do prelúdio evidencia o uso de hipérboles como fonte de entretenimento.

O apelo das redes sociais

Ao contrário de Game of Thrones, cuja história nos livros estava incompleta, A Casa do Dragão já tem praticamente toda a sua trama traçada não só por Fogo e Sangue, mas também por várias passagens de As Crônicas de Gelo e Fogo. Com isso, o prelúdio perde um dos pontos mais envolventes da série original, que era a criação e o compartilhamento de teorias. E, por mais que um derivado de GoT sempre fosse causar comoção nas redes, ainda era necessário criar algo que prendesse a atenção dos espectadores até a semana seguinte, papel cumprido à perfeição pelo amor do público por uma fofoca familiar.

Não entrarei em spoilers de A Casa do Dragão por aqui, já que ainda faltam quatro episódios para o final da temporada, mas basta saber que o destino de cada um dos personagens da série já está selado. Com isso, a graça de ver o prelúdio deixa de ser descobrir seus fins, mas como eles chegarão lá, e é inegável que quanto mais escandalosos os caminhos tomados pelo roteiro, mais delicioso fica acompanhar a desgraceira que tem caído sobre a Casa Targaryen.

Outro ponto a se ressaltar é que Game of Thrones parecia, especialmente em suas temporadas finais, focar na criação de sequências chocantes que chamassem a atenção de premiações, usando até mesmo violência sexual como atalho para estatuetas. A Casa do Dragão, por outro lado, aprendeu com a repercussão negativa desses momentos apelativos, e, embora não abra mão completamente dos Emmy baits, foca muito mais em entregar aquilo que o público quer ver (barraco!) do que aquilo que a Academia entende como maturidade. Para a série original, o objetivo maior parecia ser, cada vez mais, o acúmulo de troféus, com a diversão do público se tornando um mero subproduto do conceito de genialidade de D.B. Weiss e David Benioff. Já o prelúdio chega com a clara missão de priorizar o entretenimento, antes, durante e depois da exibição de seus episódios.

Há, obviamente, um desejo de ver A Casa do Dragão receber a mesma aclamação que Game of Thrones, mas isso nunca parece ser uma obsessão para os criativos do prelúdio. Mais do que ser reconhecida por Emmys e Globos de Ouro, a produção quer tirar o gosto amargo que o final de sua antecessora deixou na boca de muitos fãs. E, se formos julgar por sua audiência cada vez maior, dá para dizer com segurança de que esse objetivo está sendo alcançado e que eventuais troféus servirão apenas para validar esse novo jeito de explorar a história criada por Martin.

Por mais que haja o impulso quase inevitável de olhar A Casa do Dragão como uma repetição de Game of Thrones, é importante perceber que, antes de mais nada, as duas produções têm objetivos completamente diferentes. E, embora a nova série seja tão grandiosa quanto sua antecessora, ela é essencialmente um novo olhar sobre Westeros - mais focado, mais cínico e mais sarcástico.

Não, A Casa do Dragão não é uma obra prima. Mas, diferente da gigante que a precedeu, ela nunca tenta ser. A série é uma grande sessão pipoca de qualidade, cheia de drama de gente rica, fofoca e diversão abundante e isso já basta - para os criadores e para nós.

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