Michel Koch, co-diretor e diretor de arte de Life is Strange, não esconde o sorriso ao falar do próprio game. Pudera: o título da desenvolvedora independente Dontnod (Remember Me) foi uma das grandes surpresas de 2015, recebendo diversos prêmios da crítica especializada - inclusive por aqui, onde nós o elegemos como um dos melhores do ano passado -, e, principalmente, uma resposta avassaladora do público, vendendo mais de 1 milhão de cópias antes mesmo do lançamento do quarto de cinco episódios.

None

Em entrevista ao Omelete, Koch falou sobre como a Dontnod viu o grande sucesso do game, sobre os elementos que fizeram este jogo ter tanto êxito com o público e a crítica em 2015, sobre como o formato de distribuição episódico ajudou a desenvolvedora a construir a história, e os próximos projetos da equipe. Confira:

Primeiramente, parabéns pelo sucesso de Life is Strange. Vocês esperavam uma recepção tão positiva, especialmente do público?

Para ser honesto, nunca esperamos este nível de sucesso. Nós tínhamos muita paixão pelo nosso jogo, sabíamos que estávamos criando algo interessante, mas foi um risco, talvez até uma aposta, porque este é um jogo bem diferente. É sobre duas personagens femininas, com cenas que você não vê em videogames, com temas como cyberbullying e violência doméstica. Nós tivemos uma resposta enorme do público, recebemos diversos fanarts, fotos de cosplays de Max e Chloe em convenções.

É interessante ver o sucesso deste jogo para o mercado de games, já que 2015 foi um grande ano, com títulos grandes como The Witcher, e ao mesmo tempo você tem games como o nosso ou como Her Story. Existe uma ampla variedade entre os títulos de destaque deste ano, e isso é bom, pois mostra que o meio está evoluindo para algo mais diverso, aberto a diferentes gêneros e tipos de histórias. Ficamos muito felizes de encontrar jogadores de Life is Strange com perfis completamente inesperados - tínhamos pessoas que só jogam games de tiro e gostaram do nosso game.

Na sua opinião, que elementos foram fundamentais para o sucesso de Life is Strange?

4 fotos

1 de 4
✖︎

Claro, em primeiro vem a história, com um pé na realidade. Isso permitiu aos jogadores se relacionarem com o game, pois várias situações lá podem ser reais, principalmente no que diz respeito ao cyberbullying, algo comum à realidade de um adolescente. É bem difícil ser adolescente hoje por conta das mídias sociais, e da pressão vinda delas. Vários jogadores se relacionam com isso, e no game tentamos abordar o assunto de uma maneira próxima da realidade. Tentamos mostrar os problemas vividos na adolesência. Fizemos pesquisa, assistimos a documentários, ouvimos depoimentos de pessoas, para ter certeza de que falamos deste assunto da maneira correta. Acho que a maioria dos jogadores, de certa forma, se relacionam com o que falamos neste jogo, e se veem um pouco nestes personagens. Eles veem um pouco de si mesmos no game.

É interessante mencionar isso, porque o jogo tem diversas referências a cultura pop (e a cultura em geral) logo no começo: há menção a Louis Daguerre, criador do primeiro processo fotográfico, ou frases de John Lennon, e parece ser algo com o qual vocês, criadores, se identificam logo de cara. Porque decidiram colocar tantas referências?

Era algo que queríamos fazer desde o começo. Para nós, era importante colocar o jogo dentro do mundo real, então essas referências ajudaram com isso. Acho que, hoje em dia, todos nós fazemos alguma referência a uma série ou um filme quando conversamos de maneira natural. Adolescentes também fazem isso. Nós nos divertimos com as referências que foram colocadas - eu, por exemplo, gosto de Twin Peaks, Arquivo X, livros, etc. Você falou sobre a aula de fotografia. Foi muito legal colocar fotos de verdade e o nosso conhecimento sobre fotografia nesta cena. Isso pode incentivar os jogadores a pesquisar estes nomes e, quem sabe, aprender um pouco mais sobre as coisas jogando.

Há muitos entusiastas de fotografia na Dontnod?

Alguns são. Eu sou, por exemplo, então foi algo que eu queria colocar no jogo. Nosso roteirista (ele não especifica qual) também é. Ficamos muito felizes de conversar sobre o assunto, e, em cada cena, tentamos usar nosso próprio conhecimento, sempre complementando com pesquisa para nos certificar de que falamos das coisas da maneira certa.

Vamos falar um pouco sobre distribuição. O jogo foi lançado em episódios, um formato que, apesar de não ser novo, tomou fôlego em 2015. Que lições vocês tiram ao lançar um game neste formato? Ele afetou a história de alguma maneira?

Descobrimos várias coisas. A primeira estava no processo criativo. Desde o começo, sabíamos que seria episódico. Assim como na TV, usar capítulos é ótimo para cortar a história, estruturá-la, para saber para onde estamos indo, e quanto tempo de tela cada personagem tem, assim não esquecemos ninguém. Do ponto de vista do marketing, também é interessante, porque você lança um jogo várias vezes durante o ano, então há mais exposição, mais trailers, resenhas, artigos a cada episódio. Se o jogo sai completo, você tem este ciclo apenas uma vez. Além disso, com os episódios você pode trabalhar com a comunidade, e dar tempo aos jogadores para falar sobre o episódio, para criar expectativa, conversar sobre o que saiu.

Houve alguma grande mudança do jogo entre o lançamento de cada episódio?

Essa pergunta é interessante, pois algumas pessoas acham que, no formato episódico, o jogo está pronto e é dividido em partes, mas este não é o caso. Quando lançamos o primeiro capítulo, ainda estamos trabalhando no segundo, e por aí vai. Tivemos um tempinho para ovuir o feedback dos jogadores e ajustar algumas coisas. Adoramos olhar essas respostas e isso acabou mudando um pouco dos diálogos, ou deu mais uma cena para um personagem que o público gostou mais. Também colocamos algumas referências sobre os memes e conversas resultantes da discussão da comunidade sobre episódios anteriores.

Em um próximo projeto, vocês gostariam de continuar trabalhando em um formato episódico ou pensam em lançar um jogo completo?

Trabalhamos em vários formatos na Dontnod. Agora, temos um time trabalhando em um novo game, não-episódico, para outra publisher, desenvolvido por um outro time. Acho que eu e a equipe de Life is Strange queremos continuar trabalhando com episódios, pois aprendemos muito com este primeiro game. Queremos continuar melhorando e usar o conhecimento que obtivemos nessa primeira temporada, melhorando novamente o roteiro, os diálogos, e tentando melhorar sempre. Eu realmente adorei este formato, de um ponto de vista criativo ao roteiro. É uma boa maneira de construir jogos.

*O jornalista viajou a convite da Square Enix

Leia mais sobre Life is Strange