Uma das coisas mais legais de se crescer em São Paulo nas décadas de 80 e 90 (ou em qualquer lugar, acho) era a quantidade de fliperamas que havia na cidade. Tanto quanto hoje há uma lan-house em cada esquina, os fliperamas brotavam por toda parte. No começo eram uns lugares suspeitos, havia uma nuvem permanente de fumaça — algumas máquinas tinham até cinzeiro acoplado — e o clima era meio pesado, sempre vinha a mãe de alguém com a história que fulano tinha sido assaltado e sei lá o quê. Com o tempo, os fliperamas migraram para os shoppings e a tradicional ficha virou um cartão recarregável, mas mesmo assim ainda era um programa ir descobrir as máquinas novas e torrar a mesada. Havia pinballs geniais (Exterminador do Futuro 2!), e uns jogos devoradores de fichas, tipo Gauntlet, que deixou muita gente na penúria. Mas a máquina que imperava, sem dúvida, era a do Street Fighter II.

A graça era ir num lugar com muita gente e entrar na fila, que funcionava num esquema informal de "quem ganha fica", podendo contar ainda com as mais diversas variações: "Não vale o Bison", "Sem agarrar!", "Duas vidas" etc. Na minha rua, uma vez o Netinho passou a tarde com uma ficha só e entrou para a história, mas, numa sessão posterior, apanhou brutalmente de um moleque menor que jogava com o E. Honda e caiu em desgraça. Street Fighter II gerou uma febre em torno dos jogos de luta, que se multiplicaram, e ele mesmo foi ganhando sequências e mais sequências. Numa versão seguinte, era possível jogar com os quatro chefes. Em outra, entraram alguns personagens novos, entre eles um índio gigante e uma agente secreta chegada em maiôs cavados e pintura facial. O Super Nintendo recebeu uma versão ótima, mais ou menos na mesma época em que os consoles de 16 bits (e posteriormente o PSX) começaram a encostar nos fliperamas em termos de gráfico e jogabilidade.

Street Fighter IV

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Os fliperamas, assim como meu amigo Netinho, caíram em desgraça, e as máquinas novas simplesmente pararam de chegar no Brasil. Na mudança definitiva para os consoles, o interesse pela série Street Fighter também caiu (o meu, pelo menos); as infinitas continuações pareciam se tornar cada vez mais complexas, exigindo níveis de coordenação motora que alguém normal jamais poderia alcançar. E só uns poucos jogos de luta, como Super Smash Bros., davam vida ao gênero. Todo esse preâmbulo enorme para dizer que, quando a Capcom anunciou que estava trabalhando num novo Street Fighter, e que o objetivo deles era fazer um jogo tão divertido quanto o segundo volume da série, as expectativas foram lá para o alto. Como criar um jogo novo, do zero, com a tecnologia disponível hoje em dia e para os jogadores de hoje em dia, mas que faça jus à memória que temos do original?

A solução foi não reinventar a roda. Embora os personagens e os cenários de Street Fighter IV sejam trimensionais, a jogabilidade foi mantida totalmente em 2D. Mais que isso, e para o bem de todos, os comandos foram simplificados, os golpes são fáceis de encaixar, enfim, o jogo flui do primeiro momento em que você pega o controle. De cara estão disponíveis os doze personagens clássicos, mais os quatro lutadores novos. Ainda é possível liberar seis lutadores e, com algum esforço, Akuma, Gouken e o chefe final, Seth. Os gráficos, conforme prometido, são sensacionais: dos cenários aos modelos dos personagens, tudo é lindo e corre sem nenhum engasgo. Cada lutador tem dezenas de animações próprias, expressões faciais, cacoetes físicos, o nível dos detalhes é impressionante. A trilha-sonora é meio que uma versão moderna — e boa, no geral — do segundo jogo, com direito a momentos de grande nostalgia. Para os puristas, a Capcom deixou uma opção de diálogos em inglês ou japonês.

Claro que, num jogo como SFIV, os gráficos, a música, isso fica quase em segundo plano. O que importa, no fim, é a jogabilidade, os controles e o equilíbrio entre os personagens. Durante a divulgação, a Capcom fez um esforço tremendo para convencer que SFIV era destinado tanto ao público fanático quanto aos jogadores casuais. E na superfície ele é mesmo um jogo que se aprende em uns dez minutos, e você não precisa usar os combos mais complexos para ganhar uma luta, nada que uma boa sequência de rasteiras sujas não resolva. Até os ataques novos saem com facilidade, e com um pouco de prática já dá para incorporá-los às partidas. Nos controles, há umas poucas variações para todos os golpes, em contraste com o Street Fighter III, em que a lista de comandos parecia a tabela periódica. Alguns especiais mitológicos, como o pilão do Zangief, que eu me lembro de nunca ter conseguido emplacar, ficaram acessíveis ao resto de nós.

Mas Street Fighter sempre foi uma série difícil para o diabo, e esse quarto volume não é diferente. Começando pelo computador apelão, bandido, que tem uma idéia de nível médio de dificuldade muito diferente da minha. O chefe final, o tal Seth, é pura areia no olho, mesmo nos níveis mais fáceis. O homúnculo azul se vale de uma série de expedientes escusos: teleporta, dá pilão, shoryuken, sonic boom, em suma, é um grandessíssimo canalha, desses que te massacram sem possibilidade de resistência. E como o Street Fighter, apesar da superfície casual dessa edição, é no fundo um jogo voltado ao público especializado, há por trás de tudo combos e macetes dificílimos, que demandam comprometimento demais para uma pessoa normal. Existe um modo "trial", que supostamente ensinaria as sequências mais cabeludas, porém o tipo de precisão que se pede ao jogador não é desse mundo. No fim, o legal continua sendo jogar entre amigos, quando o desconhecimento generalizado desses truques não faz falta a ninguém.

Para isso a Capcom embutiu um modo online, onde se pode travar partidas amistosas ou entrar para um ranking geral. Sofri algumas boas derrotas humilhantes até cavar minha primeira vitória —com o Dhalsim, apelando naquele soco comprido —, mas é bem mais satisfatório do que competir com o computador ladrão. Mesmo no modo single player a Capcom tentou emular os fliperamas. Habilitando uma opção, é possível que qualquer pessoa que esteja online interrompa o seu jogo para um desafio, com direito a "A NEW FIGHTER" na tela e tudo. Na primeira vez que isso aconteceu, meio que de reflexo olhei para o lado, em busca daquele moleque irritante que jogava com o E. Honda e que acabou com a reputação do Netinho. Se ele não estava lá, é só porque a fila andou e os tempos são outros. Street Fighter IV é o melhor jogo de luta dessa geração, e talvez o melhor Street Fighter possível para os dias de hoje. Até que eles lancem duzentas sequências inúteis e acabem com tudo outra vez. Afinal, foram só dezessete anos entre um jogo e outro.

Para essa resenha foi utilizada a versão do PS3. Li em diversos lugares que a do X360 é igualzinha, o povo só reclama um pouco do joystick. Ah, se quiser uma partida, meu nome na rede do PS é "bobcuspe"

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