O sorriso aberto no rosto dos representantes da Toho Company no set confirmavam o que eu já sentia desde que coloquei os pés ali: o novo filme do Godzilla vai devolver ao monstro sua dignidade no ocidente.
Godzilla
Claro que eu não entendi nada do que eles, que também visitavam pela primeira vez os estúdios da adaptação, animadamente conversavam, mas seu entusiasmo - tão incomum em executivos japoneses - era evidente. Como fã da criatura, especialmente de seu sensível e impactante primeiro filme, de 1954, fiquei impressionado com o que Gareth Edwards (Monstros) está construindo ao lado da Legendary Pictures e Warner Bros. E tão aliviado quanto os executivos da Toho, depois do horrível longa-metragem de 1998, ao entender o que o estúdio pretende com a nova adaptação.
Diferente da aventuresca e bem-humorada versão que Guillermo Del Toro conduziu para o mesmo estúdio do gênero dos kaijus (monstros gigantes) em Círculo de Fogo, Godzilla resgata valores do filme original, como o impacto que a existência de uma criatura dessas tem na raça humana, com uma abordagem preocupada com o realismo. "Retratar o drama humano é nosso principal objetivo e temos núcleos de personagens bem definidos e uma trama de mistério que se desenvolve ao longo de décadas", explica o desenhista de produção Owen Patterson. "Mas claro, teremos confrontos colossais entre monstros e um terceiro ato inacreditável", revela.
Gareth Edwards e Bryan Cranston, que vive o pai do personagem principal
Para o designer, o diretor tem uma visão muito clara de como quer o filme - e isso facilita muito o trabalho. "Ele sabe exatamente o que está fazendo porque já realizou todos os tipos de trabalho em um set no primeiro filme dele, que era independente". Essa visão inclui um tom absolutamente realista, inspirado em fenômenos da natureza reais. "Pesquisamos tsunamis, terremotos, incêndios... basicamente, todo tipo de devastação natural. E as não-naturais também, como ataques terroristas".
Quando Godzilla, com seus 120 metros de altura, caminha no mar próximo à costa ele causa mini-tsunamis. Quando se move em terra, o chão estremece. Sua presença é sentida de várias maneiras no filme. "Ele é uma criatura, não um homem vestido de monstro. Ele se moverá como Godzilla se moveria se existisse no mundo real. Criá-lo foi um desafio enorme. Fizemos os ossos, as camadas de músculos, de pele... ele vive e respira na computação gráfica". A devastação é potencializada pelo fato de que Godzilla - e outros monstros - simplesmente não percebem que estamos ali a maior parte do tempo. "Você procura formigas no chão enquanto anda?", pergunta Patterson.
"As criaturas são selvagens e agem assim. Só tomam conhecimento de nós quando efetivamente ameaçadas", segue o especialista em efeitos especiais Jim Rygiel - que trabalhou em filmes como O Senhor dos Anéis. "Essas são feras que 'existem' no nosso mundo. A abordagem realista a elas nos levou a pesquisar dezenas de horas de vídeos na natureza. Como lutam os ursos? Como defendem seu território os dragões de komodo? É fascinante - e estamos tentando transportar isso para a escala do nosso filme. É interessante notar que ursos, por exemplo, param de lutar de tempos em tempos e parecem tentar lembrar do que estão fazendo. Aí retomam a briga quando lembram 'ah, sim, meu território, meus peixes!' E quando rolam, se abraçam ou desferem golpes não estão nem um pouco preocupados se estão destruindo o ambiente ao seu redor. O foco é na luta feroz que estão travando", explica.
Isso não significa, porém, que não exista um componente humano por trás da animação dos monstros. Captura de movimentos pode ser empregada em algumas sequências menos intensas. Por ter trabalhado com Andy Serkis em O Senhor dos Anéis o especialista em efeitos diz que o ator fará um workshop com eles em algum momento do processo, pra "naturalizar ainda mais as coisas, já que o movimento não pode ser 100% calculado por computadores ou animado. Godzilla é como Gollum: uma criatura fantástica cujas emoções - no caso aqui, os instintos - são reais".
Gareth Edwards dirige uma cena de destruição
Quanto ao visual, por ser um filme que presta homenagem ao original, ele se manteve extremamente fiel ao clássico. "Ele é o Godzilla de sempre, só que um pouco modernizado, mais ameaçador. Ele tem uns ângulos mais incisivos, mas é o mesmo monstro. Os fãs vão reconhecê-lo na hora", promete Patterson.
Gareth Edwards, por sua vez, tenta explicar seu filme dizendo que é uma "espécie de continuação espiritual do primeiro, mais contemporânea. Para mim, o que faz um filme de Godzilla um filme de Godzilla é a humanidade. Criar o monstro foi fácil - foi só respeitar o modelo existente e dar um ar mais feroz e orgânico a ele. Encontrar os personagens certos para a jornada emocional que procurávamos foi a parte pior. E, claro, criar os outros monstros... há tantas possibilidades...", diz .
Gráfico mostra a evolução da dimensão de Godzilla
Para o diretor e os designers, encontrar a velocidade certa das criaturas em relação à sua escala foi outro dos maiores desafios. Ao longe, tudo parece em câmera lenta quando é colossal - e achar o dinamismo correto exigiu inúmeros testes. "Estamos muito felizes com o resultado", segue Edwards.
Estéticamente, o longa busca uma qualidade oitentista na fotografia e no tom. "Todos os meus filmes favoritos são dos anos oitenta e anteriores. Quero aquele mistério de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, o medo do desconhecido de 2001 - Uma Odisséia no Espaço", comenta, prometendo que, da mesma forma como esse cinema era feito, "as coisas não vão explodir a cada 2 minutos. Queremos fazer algo diferente e a Legendary está nos apoiando em tudo isso. Já me disseram que não é normal ter esse tipo de liberdade, mas como eu não sei de nada, estou achando incrível", comenta, referindo-se ao fato de que esse é seu primeiro grande filme.
Aaron Taylor-Johnson e Gareth Edwards no set em Vancouver
Os produtores chegaram até a contar algumas histórias engraçadas sobre a inexperiência de Edwards em um filme dessa escala. No primeiro dia de produção, quando ele chegou à locação, lamentou que haviam tantos caminhões no estacionamento. "Por que resolveram fazer uma convenção logo hoje? logo aqui?", ao que os produtores responderam "Gareth, essa é sua equipe".
O próprio cineasta conta que chorou com a reação do público ao vídeo que mostrou na Comic-Con 2012 e que sequer lembra o que falou. "Não lembro de nada, foi um momento incrível. A reação das pessoas apressou o projeto - e era meu aniversário. Foi um presente inesperado. Acho que eles entenderam que eu quero honrar o legado de Godzilla. Ele é muito importante pra mim. Quando me ligaram perguntando se eu era fã e se eu queria fazer o filme, eu falei 'amigos, estou com a mão no meu DVD do original nesse momento. Ele fica na minha mesa!'", lembra.
Durante a visita ao set, pude acompanhar as filmagens a bordo de um porta-aviões da marinha, do qual parte o grupo que realizará um salto da atmosfera em direção ao centro da São Francisco devastada, onde há "atividade de criaturas no solo".
A embarcação, na verdade, era uma larga área asfaltada, pintada com faixas como as dos porta-aviões, sobre a qual cerca de três dezenas de pessoas caminhavam e corriam vestidas como militares, mecânicos, etc. Ao fundo, uma torre de comando cenográfica erquia-se e, atrás dela, 50 metros de uma tela verde inflável com 12 metros de altura (que surpreendentemente era inflada em menos de 10 minutos). Imagens desse lugar, originalmente um depósito de madeira, serão misturadas às cenas gravadas por segunda unidade a bordo de um porta-aviões de verdade, o USS Saratoga. "Não dava pra fazer o filme lá, pois eles estão em atividade, mas pudemos colocar uma equipe pequena nos campos, registrando o cotidiano", explica Edwards.
Arte conceitual mostra o ataque ao porta-aviões
Foi lá que vi Aaron Taylor Johnson (Kick Ass) subindo em um helicóptero de verdade, um Sykorski Sea Haw, que decolou da pista inúmeras vezes, até acertarem o take. É que a decolagem era sempre tão poderosa que levou alguns minutos até que os extras - e o próprio ator - perdessem o olhar de encanto pela experiência e se focassem na atuação.
Mais tarde, retornei ao mesmo set para uma aterrissagem noturna, com a participação de Ken Watanabe, que vive um cientista que teoriza sobre criaturas colossais vivas no planeta - e que vê seus estudos ganharem vida da pior maneira possível. Os personagens de Taylor-Johnson e Watanabe se cruzarão de alguma maneira na trama que envolve histórias paralelas se desenvolvendo ao longo de anos - e em locais distintos, como Japão, Filipinas e EUA.
Produção pesquisou cenários de destruição verdadeiros em nome do realismo
Os responsáveis mantiveram em segredos inúmeros detalhes da produção, mas foram bastante generosos com as imagens conceituais, especialmente de destruição. Pude ver crateras e imagens de devastação de cidades inteiras, abandonadas durante 10 anos. Um modelo de uma caverna gigantesca, estruturada pela caixa toráxica de um monstro não-identificado, também ocupava posição central na sala de produção. "Essa caverna iniciará as descobertas de segregos ocultos há décadas", explicou um dos produtores. E quando estava saindo de lá, fui surpreendido mais uma vez, sendo levado ao set da caverna.
Costelas amareladas com quadro andares de altura, ligadas a vértebras semi-destruídas, emergiam da rocha, como se fundidas a ela por alguma força desconhecida, talvez os ácidos da decomposição do que quer que morreu ali há séculos. A mistura tornada o interior da caverna, completa com estalactites acima e outras formações ao redor, estranhamente orgânica. Tudo criada por uma espuma densa, que permitiu que os atores caminhassem sobre ela. Já visitei set incríveis na vida, mas esse foi um dos mais impressionantes. Não é todo dia que se visita o interior cadavérico de um monstro gigante.
Ao final, Gareth Edwards sintetiza a experiência toda - e sua devoção ao personagem e seu legado - em uma única frase. "Ninguém vai ficar mais decepcionado do que eu se Godzilla não sair exatamente como deveria ser", diz.
Godzilla estreia em 16 de maio.
Conheça o Godzilla original, em um especial do OmeleTV
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