Mesmo entendendo que os filmes de Sex and the City estão distantes da mensagem e da qualidade da série original, desde o fim do segundo longa, em 2010, esperei que a HBO me surpreendesse com mais uma produção das quatro amigas de Nova York. Mas essa semana fui pega de surpresa por uma novidade nada agradável. Carrie, Miranda e Charlotte retornarão às telas, em um comeback que, devido a brigas de bastidores, não contará com a presença de Kim Cattrall, intérprete da irreverente Samantha Jones.
Em uma palavra (meio ridícula, admito), buguei. O que significa retomar uma produção sobre amizade feminina sem uma de suas atrizes porque houve uma briga interna? O que isso fará com o legado (já questionável) de Sex and the City em si? Mas, mais do que tudo isso, eu não pude deixar de imaginar: como raios Sex and the City poderia manter sua mensagem de liberdade sexual e protagonistas fortes sem a maior representante destes mesmos elementos? O que é Sex and the City sem Samantha?
Por temporadas, acompanhamos a jornada de quatro mulheres que navegavam seus 30 e poucos anos em histórias de qualidades flutuantes, e por mais que Sex and the City tenha tratado de diversos temas de modo que simplesmente não é mais aceitável, existia um apelo irresistível em ver estas quatro mulheres lidando com questões cotidianas, e muito reais, com a sutileza de um elefante. E isso, claro, estava presente em Samantha mais do que qualquer uma de suas amigas.
Samantha era a revolução sexual de Sex and The City. Samantha era a personagem que ousava dizer o que pensa, e foi a primeira a confrontar machismo no ambiente de trabalho. A que sempre rejeitou a ideia de casamento e filhos, assim como rejeitou qualquer clichê. A única que teve uma namorada, a personagem que passou por um câncer, a única personagem que engordou. Samantha tem as maiores pérolas dos diálogos da série e sempre será a personagem mais parafraseável. E por mais que muito desta trajetória esteja contaminada com a visão dos anos 90, era precisamente essa jornada que fazia de Sex and the City tão diferente. Tão chamativo.
Claro, Sex and the City é mais do que Samantha, e muito dos arcos de Carrie, Miranda e Charlotte nos acompanhou e nos refletiu nas telas diversas vezes. Mas Samantha era a força motriz de Sex and the City. Fazendo uma comparação bizarra, Samantha é para a sua série o que Sheldon é para Big Bang Theory. O protagonismo é de outro; mas não seria surreal imaginar um comeback da série sem o personagem de Jim Parsons?
Rever Sex and the City é uma experiência dupla de vergonha e orgulho, por uma produção tão a frente de seu tempo e ao mesmo tempo tão vítima dos problemas de sua época. Mas a oportunidade de trazê-la para 2021 é perdida no momento em que a HBO abre mão de sua personagem mais fundamental. Na realidade, até que faz sentido. Mais uma vez, Sex and the City acaba como um produto do seu tempo, um que favorece a nostalgia a qualquer custo, e prefere retomar um trabalho de modo questionável do que inovar em histórias que, talvez, representem melhor sua época.