O novo filme do Hellboy tem problemas. Eu, você e até o próprio David Harbour, que interpreta o protagonista na produção, sabemos disso. Parecia ser o momento perfeito para que o demônio retornasse aos cinemas, já que completa 25 anos de existência em 2019 - ano em que os filmes de super-heróis estão em alta, com um deles quebrando recordes de bilheteria a cada semana. Mas o longa escolhe o caminho errado e deixa de lado os principais aspectos que tornam Hellboy um personagem tão cativante para trás.
Meu primeiro contato com o Vermelhão se deu através do filme de Guillermo Del Toro lançado em 2004 e foi paixão imediata. O conceito de um demônio carismático lutando contra criaturas fantásticas para salvar o mundo do mago que o invocou era muito diferente de qualquer coisa que eu tinha consumido até então. Fiquei tão fascinado pelo personagem que caí de cabeça nas HQs, o que dificilmente acontecerá com o público que tiver coragem de conferir o reboot. Nele, toda a magia em torno do Vermelhão e seu rico universo é desperdiçada em virtude de um enredo mais preocupado em chocar com tripas e sangue jorrando na tela do que em de fato apresentar um dos mais icônicos e excepcionais personagens dos quadrinhos.
O filme de Neil Marshall é uma colcha de retalhos calcada em brutalidade, fazendo pouco para desenvolver ambos os lados do embate entre bem e mal que a trama propõe. Se por um lado Hellboy é marrento, pronto para lançar vergonhosas frases de efeito em qualquer situação, a Rainha de Sangue e seus lacaios só estão ali porque o mocinho precisa de alguma coisa para bater, recriando a velha história do vilão traído que jurou vingança contra a humanidade. Tudo isso temperado com uma sanguinolência que não tem outra justifica a não ser dar ao filme uma classificação para maiores de idade.
Acompanhando um herói armado, boca suja e cheio de piadas, a produção mais parece um roteiro rejeitado para Deadpool que caiu no colo de um estúdio incapaz de distinguir as temáticas e decidiu tocar o projeto assim mesmo. Hellboy nunca foi sobre gore e palavrões. Nas histórias publicadas pela Dark Horse Comics, a jornada do personagem mistura elementos literários de autores como H.P. Lovecraft com a abordagem aventuresca dos quadrinhos norte-americanos em uma evolução baseada em uma busca por redenção.
Conforme avança em sua jornada nas HQs, Hellboy descobre que está destinado a reinar no inferno como Anung un Rama, a besta responsável pela libertação do apocalipse. O longa é baseado em uma extensa história dividida em três minisséries Clamor das Trevas, Caçada Selvagem e Tormento e Fúria, que servem como uma espécie de clímax para a trajetória do personagem. É uma sequência arriscada para adaptar em um reboot, mas com o devido cuidado poderia servir como o reinício da franquia nos cinemas e ao mesmo tempo ampliar o que já havia sido estabelecido na versão anterior.
Por anos, a decisão de salvar ou condenar a vida na Terra pairou sobre o personagem que recusa deixar se deixar definir pelo par de chifres em sua testa, e o filme até tenta tornar essa questão como fio condutor da trama, mas abandona qualquer sutileza e joga seu protagonista em situações óbvias que não permitem que essa dualidade pareça legítima. Embora Harbour tente se defender dizendo que se trata de um filme para “alugar ou ver no avião”, isso é muito pouco para um personagem tão fascinante. Hellboy abre um leque enorme de histórias a se construir.
Fui ao cinema na esperança de reencontrar em carne e osso aquele personagem que aprendi a amar em aventuras épicas, divertidas e às vezes até emocionantes. Mas ele se perdeu no caminho do que viria a se tornar um festival de violência gratuita e vazia. O longa poderia ser aventura, suspense, ou até mesmo enveredar para o horror - o que tenta na única cena realmente boa estrelada pela bruxa Baba Yaga - mas não faz nada por completo e só consegue ser decepcionante.