Durante a nossa visita ao set de filmagens de O Hobbit - A Desolação de Smaug, segunda parte da trilogia que adapta o livro O Hobbit, o Omelete conversou com o ator Martin Freeman, o Bilbo. O inglês fala sobre as diferenças de tom entre os dois primeiros filmes, como seu personagem muda e compara a trilogia com a série Sherlock, onde interpreta Watson.
"A oportunidade de viver Bilbo era muito grande e única para ser passada pra frente", diz o ator
Existe alguma diferença entre a primeira e a segunda parte de O Hobbit?
Tem diferença no roteiro, sim. Acho que o passo mudou um pouco, passamos mais tempo na Cidade do Lago. Parece um filme diferente. Temos mais tempo entre [algumas partes] da história, dá pra respirar um pouco. Passamos mais tempo na Cidade do Lago do que no livro, com certeza.
Fale um pouco sobre ter aceitado esse papel. As filmagens são longas - são três filmes! Foi muito desafiador?
Foi uma grande responsabilidade. Logisticamente, o comprometimento de passar tanto tempo assim longe de casa [foi complicado]. Apesar de que, por um lado, a decisão foi muito simples... "Você quer interpretar Bilbo Bolseiro?" "Mas é claro que sim". Claro. Por outro lado, é bem distante da minha casa - talvez não dê pra ser mais distante do que isso -, distante das pessoas que amo... É algo que deve ser levado totalmente a sério. A oportunidade era muito grande e muito única pra ser passada pra frente.
Você percebeu uma evolução do seu personagem?
Sempre estamos atrás disso, eu, Phillipa [Boyens], Fran [Walsh] e Pete [Jackson]. Prestamos atenção no desenvolvimento, como no segundo filme devemos mostrar coisas diferentes sobre Bilbo. Levamos isso muito a sério e acho até que, no início do primeiro filme, ele é como nós, uma pessoa que teve a sorte de não ter matado ninguém, ou não ter participado de uma guerra, que gosta do conforto de sua casa. Ele é como o nosso público, as situações pelas quais ele está passando são completamente surreais para ele da mesma forma como são para a audiência. Mas a partir do momento em que ele já matou algumas pessoas e passou por experiências mortais, acho que isso muda quem ele é. A partir do momento que ele deixa o Bolsão, ele passa por muitas experiências pelas quais não teria necessariamente escolhido viver.
No fim do livro, ele meio que aceita seu papel como ladrão e líder. Fale um pouco sobre isso.
Acho que Gandalf viu algo em Bilbo quando ele era pequeno. Gandalf contava histórias, fazia alguns truques, soltava fogos de artifício, Bilbo não era tão sério e tinha a mente mais aberta. Ele enxergava mais uma possibilidade de uma vida cheia de aventuras. Por mais que Bilbo possa ter esquecido disso ao longo dos anos, Gandalf se lembra - o que faz com que Gandalf tenha mais fé em Bilbo do que o próprio Bilbo. A maneira como eu interpreto, Bilbo não tem a menor noção do porquê Gandalf ter tanta fé. E Gandalf também está nessa posição, pois todos aqueles anões também não têm ideia do que Bilbo está fazendo ali. Ninguém sabe o motivo, mas Gandalf pede que todos confiem nele e logo eles descobrirão. Existem momentos em que Bilbo se prova capaz e, se não heroico, pelo menos corajoso.
"Há momentos em que Bilbo se prova capaz e, se não heroico, pelo menos corajoso", diz Freeman
Quando você atua com os anões, eles estão ao seu lado. Com Gollum, Andy [Serkis] está com um macacão estranho, mas está ao seu lado. Como é com Smaug? Benedict Cumberbatch também fica no set para fazer as cenas?
Não, ele não estava lá. Ele já tinha gravado as vozes antes que eu chegasse. Leith [McPherson], nossa treinadora de dialeto, me dava as falas pelo sistema de som - tipo um alto-falante. Tudo foi feito com as vozes dela no estúdio e eu reagia a isso.
Mas tinha uma bola de tênis?
Sim, várias bolas de tênis. Também tínhamos muitas mudanças de luz quando Smaug se mexia. Claro que ele é bem mais rápido que qualquer humano, então acabamos usando bastante nossa imaginação. É uma mistura de disciplinas, de materialismo literal, daquilo que você pode ver, sentir, tocar e das coisas que você tem que criar e fingir da mesma forma que fazia quando tinha quatro anos de idade. Muitas dessas coisas podem acontecer ao mesmo tempo, na mesma cena ou no mesmo dia durante as filmagens. Algo como Smaug é apenas uma voz explosiva - nem é a do Ben [Cumberbatch]. Ainda assim, como sou familiar com a voz dele, sempre tinha em mente Ben enquanto Leith me dava o diálogo. Pelo menos tínhamos a possibilidade de mudar uma coisa ou outra pelo fato de ser ao vivo. Foi bem legal.
Você era fã dos filmes de O Senhor dos Anéis?
Não. Mas também, é difícil qualificar um fã - eu não tenho pôsteres pendurados ou coisa do tipo. Eu gostava dos filmes e admiro muito o trabalho de Peter Jackson. Mas eles não foram parte do meu universo enquanto eu crescia, ou coisa do gênero.
Você acha o conceito de O Hobbit diferente de O Senhor dos Anéis?
Sim, acho que tem diferença. Quando começamos a rodar os filmes, minha primeira cena foi com Gollum na caverna e subconscientemente eu estava interpretando o Frodo. Ele é a coisa mais próxima de Bilbo que existe naqueles filmes. Foi aí que Pete [Jackson] me disse uma coisa muito interessante, ele disse que este seria um filme que as crianças iriam assistir, que é uma história para a família e não é tão densa. Não é como se depois disso eu tivesse mudado toda a minha perspectiva na atuação, mas internamente eu fui capaz de definir uma imagem mais clara do tom.
"Eu não acho que sou a única pessoa que poderia interpretar Bilbo"
A experiência das gravações chegou perto daquilo que você achou que seria?
Sim, bem próxima. Eu sabia que seria difícil mas agradável e foi ambos. Fazer minha família ir e vir o tempo todo - minha esposa também é atriz, então ela não podia vir pra ficar -, isso foi bem difícil. O melhor trabalho do mundo ainda é difícil se você está longe das pessoas que ama. E eu também não estou acostumado a trabalhar em filmes tão grandiosos como esse. É estranho, então você tem que se controlar. Não dá pra fazer tudo o tempo todo ou você morre em um mês. Não dá pra esperar que todo minuto seja uma aventura porque não é assim.
Como foi trabalhar com Peter Jackson?
Eu ainda estou trabalhando com ele e trabalharei durante muito tempo, então te conto a verdade mais pra frente. Quando ele não puder me bater. [risos] Brincadeira, ele é ótimo. Ele é superprofissional, e tem um brilho no olhar. E adora piadas. Acho que todos olhamos pra ele e nos perguntamos como é que ele não tem um ataque nervoso. Ele é extraordinário. Ele acredita e sabe que os atores fizeram a lição de casa, então ele passa o tipo de direção necessária e simples que nos faz terminar tudo a tempo.
Qual você acha que foi o motivo de Jackson achar que só você poderia interpretar o Bilbo?
Eu genuinamente não sei. Não estou sendo fofo ou nada do tipo.
Ele não te contou?
Não, ele não me contou. E eu também não esperava que ele me contasse. Ele não usa muitas palavras. E eu não acho que sou a única pessoa que poderia interpretar Bilbo. Sei que sou muito bom, mas outras pessoas também são.
Você se sente confortável interpretando Bilbo?
Sim, extremamente confortável. Principalmente quando as pessoas começam a dizer que eu sou a única pessoa que todos queriam - nem sei se isso é verdade -, mas dá uma segurança legal. Todos me apoiaram.
Eles até interromperam a produção para você fazer Sherlock.
Sim. E agora eu percebo que existe um limite para o quão modesto posso ser sobre isso. Eles me amam. Pronto, falei. É um imenso elogio que eu ainda não sei como processar. Não conseguia acreditar na época, era como se meu agente estivesse pregando uma peça em mim: "Eles vão rodar cenas em que você não está envolvido, para Sherlock acontecer". Foi muito estranho, mas foi a possibilidade de fazer dois trabalhos que eu absolutamente amo.
Ian Holm interpretou Bilbo Bolseiro mais velho. Quanto tempo você trabalhou com ele? Conseguiu absorver algo do que ele faz como o personagem?
Infelizmente não trabalhei com ele. Nunca o conheci, mas adoraria. Claro que pesquisei seu trabalho, mas acabei usando somente algumas coisinhas pequenas. Por mais incrível que Ian Holm seja, eu não devia me sentir obrigado a [fazer o papel como] ele. Aquela foi a interpretação dele e essa é a minha. Ainda mais porque o meu Bilbo aparece em tela muito mais que o Bilbo dele, então eu tive de tomar decisões bem difíceis.
Os anões têm uma dinâmica incrível, você é parte disso?
Somos um bom grupo. Uma das coisas de que mais tenho orgulho é que não tivemos brigas, mesmo com tanta testosterona junta, tanto ego em potencial. Claro que tinha dias que já não aguentávamos mais olhar um pra cara do outro, mas também, estávamos juntos o tempo todo. Acho que se o grupo fosse menor, talvez tivéssemos algum problema. Todos respeitamos uns aos outros.
Quem é o mais brincalhão do elenco?
Ian [McKellen] é bem engraçado.
E qual é a pior parte de interpretar Bilbo?
Não sou um grande fã de usar exatamente as mesmas roupas todos os dias durante dois meses. Acho que mesmo que eu estivesse usando roupas que eu amo, gostaria de trocar pelo menos os sapatos de vez em quando. Estou ansioso para não usar mais shorts de algodão pelos próximos dois anos da minha vida. Espere... Eu ainda terei que usar. [risos]
Vimos o seu dublê em ação. Os outros falaram que raramente deixam dublês fazerem suas cenas, você acha que fez a escolha certa?
Sim, a escolha mais certa. Se eu tivesse 24 anos, talvez não tivesse que fazer isso. Passamos o dia todo filmando e chega uma hora que estamos acabados. Quer se jogar de uma árvore por mim? Faça. Porque se eu machucar o meu cotovelo fazendo isso e perder a próxima semana de filmagens, aí sim estraguei tudo. Cada um faz o seu trabalho e todos ficamos felizes. Não quero ficar no set mais tempo do que preciso, até porque quando eu tiver que fazer um monólogo, quero estar bem descansado - e ser parte dele! E aí tem Hayden [Weal, dublê], que é perfeitamente bom no que faz e realmente tem 24 anos de idade.
Tem alguma cena em particular que ficou na sua memória como algo memorável?
Pra te falar a verdade, é difícil saber qual filme estamos gravando. Não estamos rodando as coisas na ordem certa.
Talvez algo com Smaug.
Sim, foram cenas legais. Ainda não sei ao certo como elas ficarão visualmente ou sonoramente. Adorei fazer a cena dos barris também, mas não dá pra saber como será o resultado final.
Por causa das telas verdes também...
Com certeza. Você acaba esquecendo depois de um tempo que, apesar do incrível cenário, toda a tela verde ali no meio vai virar um universo incrível que eu nunca saberei como é até a estreia do filme. Eu já vi algumas coisas ainda nos primeiros estágios de produção, mas eles ainda têm que trabalhar muito em cima daquilo. Eu gosto das cenas pequenas. Adorei ter começado as filmagens com o Gollum, porque não me passou a impressão de ser um blockbuster. Eram apenas dois atores numa caverna.
Poderia ter sido uma peça de teatro.
Isso. A cena tinha uns dez, 11 minutos, e nós a fizemos várias vezes. Foi incrível. Se você é um ator de teatro, é isso que é treinado para fazer. É interessante também quando Thorin começa a ficar louco por causa de sua ganância com o tesouro. É ótimo trabalhar com isso.
"Já me chamaram de várias coisas nas ruas do Reino Unido, mas fico tranquilo
se me chamarem de Bilbo durante alguns anos"
O que você achou quando viu o trailer?
Fiquei muito satisfeito e animado. Depois de passar tanto tempo no set, é fácil você se sentir parte de um experimento e assistir ao trailer é como voltar à realidade. É como se você tivesse sido removido da sua casa, de perto das pessoas que você ama, colocado numa ilha pra rodar um filme que claramente nunca será lançado por ser enorme. Mas quando assisti ao trailer, tudo fez sentido. É concreto.
Para toda uma geração, você é o Bilbo daqui pra frente. Como você se sente sobre isso?
Não me importo desde que isso seja uma coisa boa, desde que eu seja bom. Se eu ficar satisfeito com o trabalho que faço no filme e satisfeito com o filme - tenho quase certeza de que ficarei satisfeito com o filme -, fico feliz com isso. Já me chamaram de várias coisas nas ruas do Reino Unido, mas fico tranquilo se me chamarem de Bilbo durante alguns anos.
Você acha que fará TV no futuro mesmo depois do grande sucesso de O Hobbit?
Espero que sim. Com Sherlock, ninguém sabia ao certo o que aconteceria em termos de recepção do público. O que nos atraiu foi o roteiro. Acho que enquanto o texto de TV for bom, eu não seria bobo de virar as costas para isso. Eu ainda faço audiodramas para o rádio, faço curtas com jovens cineastas - faço qualquer coisa que tiver um bom roteiro e que me chame a atenção. Não que eu não queira ser uma estrela de cinema, eu adoraria isso, mas espero que eu não escolha cortar todo um segmento por causa disso.
O monólogo que você faz ao final da segunda temporada de Sherlock é incrivelmente emotivo. Teve algum momento neste filme que você teve que transparecer esse nível de emoção?
Sim, mas de uma maneira diferente. Não quero passar a impressão de que por uma produção ter um tom diferente da outra ela não é tão importante. Tudo é importante. Se você está contando a história da Chapeuzinho Vermelho, Violento e Profano ou Anjos de Cara Suja, tudo é extremamente importante, não importa o quão diferentes sejam os estilos.
O Senhor dos Anéis tem uma grande base de fãs ao redor do mundo, mas além dessa franquia, você também foi parte de outra adaptação com muitos fãs: O Guia do Mochileiro das Galáxias. Existe comparação entre as duas?
Acho que existe, sim. Não sei como são os fãs de Douglas Adams no resto do mundo, mas sei que eles não são tão concentrados quanto no Reino Unido. Não sei quantas pessoas leram Tolkien mundialmente, mas sei que muitas pessoas viram os filmes. Tenho certeza que os filmes fizeram com que muita gente lesse os livros.
O Hobbit - A Desolação de Smaug estreia no Brasil nesta sexta-feira. Leia a crítica.