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O Hobbit - A Desolação de Smaug | Visitamos o set do filme

Peter Jackson promete filme mais sombrio, sobre cobiça

21.10.2013, às 21H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H39

O Hobbit A Desolacao de Smaug set 01
"O segundo funciona de maneira diferente,
quase como um thriller"
- Peter Jackson

Peter Jackson bem que tentou não retornar à Terra-média, mas, na verdade, não havia mesmo como voltar, já que ele nunca deixou a fantástica criação de J.R.R. Tolkien para trás. Ao criar o mundo ficcional literalmente no quintal de sua casa, o cineasta não tem outra escolha a não ser caminhar todos os dias pelo mundo que ajudou a tornar real.

No final da década de 1990, Jackson iniciou as filmagens de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel a poucos metros da entrada de sua própria residência, em Wellington, na Nova Zelândia. No monte Victoria, verdejante bairro próximo ao centro da cidade, foram rodadas as sequências em que Frodo e os hobbits escapam dos cavaleiros negros.

Uma década depois, com o sucesso da trilogia, estúdios desejosos do investimento certo da adaptação de O Hobbit, primeiro romance de Tolkien ambientado nesse universo, convenceram Jackson a voltar, como produtor e roteirista do filme. Na direção, o amigo e alma gêmea Guillermo del Toro. Não deu certo. Com as incertezas com relação aos direitos do filme, o cineasta mexicano teve que deixar o projeto depois de quase um ano trabalhando no roteiro e artes conceituais, abrindo o caminho para o retorno de Jackson.

O Hobbit A Desolacao de Smaug set 02
Jackson dirige os anões e Bilbo na sequência da "cavalgada dos barris"

Visitei os estúdios de filmagens de O Hobbit: A Desolação de Smaug, segunda parte da trilogia que adapta o livro O Hobbit, em junho de 2012, no Stone Street Studios, em Wellington.

Lá, durante dois dias inteiros, pude conversar com quase 20 pessoas envolvidas no filme, do diretor aos responsáveis pelos efeitos especiais, passando por todos os principais nomes do elenco, incluindo sir Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage e quase todos os anões.

Enquanto O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é mais colorido e bem-humorado, O Hobbit: A Desolação de Smaug é mais sombrio, pelo próprio tom e temas da história, que trata de cobiça. "O primeiro é mais convencional", explica Peter Jackson, "e o segundo funciona de maneira diferente, quase como um thriller".

O Hobbit Desolacao de Smaug trailer 01
"Peter conduz superproduções sem que nos sintamos
em uma superprodução"
- Luke Evans

Mudanças na técnica

Diferente da Trilogia do Anel, em que Jackson usou partes de sua terra-natal como cenários da Terra-média, pedindo autorizações diversas a parques e empregando até o exército do país para ajudar nas construções e colocando o país definitivamente no mapa do turismo, em O Hobbit, foram privilegiados os sets em estúdio.

Há, obviamente, muitas cenas filmadas em locações ainda - em especial o Condado, totalmente reconstruído e ampliado na cidade de Rotorua (a vila dos Hobbit é hoje uma belíssima atração turística local) -, mas o avanço tecnológico de materiais e técnicas, aliados com a experiência de mais de uma década da Weta Workshop e Weta Digital, favoreceram as filmagens em estúdio. Como comparação, O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel usou um estúdio no mesmo local. O Hobbit tem cinco. "O que não significa que Peter tenha mudado seu jeito de trabalhar. O conheço desde Fome Animal (1992) e ele continua igualzinho", garante Jed Brophy, o anão Nori. Para Luke Evans, que vive o herói Bard, o diretor "conduz superproduções sem que nos sintamos em uma superprodução".

"É o melhor trabalho do mundo, mas ainda assim difícil pra caramba. O processo é o mesmo, mas a escala é insana. Somos uma engrenagem em um mecanismo gigantesco, movido por ele", concorda Martin Freeman, o Bilbo Bolseiro.

O Hobbit A Desolacao de Smaug 12Jun2013
"É o melhor trabalho do mundo, mas ainda
assim difícil pra caramba
"- Martin Freeman

Mesmo estilo, nova tecnologia

A obsessão de Jackson com a ideia de rodar em 3D a 48 quadros por segundo (a norma desde sempre foram 24) exigiu mudanças, porém. Em estúdio, o controle é muito maior - e a nova tecnologia, de uma definição inédita no cinema, demanda que a qualidade do que está sendo filmado seja perfeita - dos cenários às maquiagens e objetos de cena, que devem ser perfeitamente integrados ao que será construído por computação gráfica.

"Os 48 frames por segundo, a alta definição de imagem e o 3D exigem realismo como nunca visto antes no cinema", explicou Graham McTavish, que vive o anão Dwalin. É o fim da era da espuma e látex, que dominaram o cinema nas últimas décadas.

"O 2D não é natural", explica sir Ian McKellen. "A vida é em três dimensões. Tenho certeza que se existisse uma maneira de fazer o cinema em 3D no início de tudo, ele teria sido criado assim. O 2D é que é estranho. O 3D é como o cinema deve ser. Sou um fã", exalta o veterano, que retornou para viver mais uma vez Gandalf, o Cinzento.

O Hobbit Desolacao de Smaug trailer 07
"O 3D é como o cinema deve ser. Sou um fã" - Ian McKellen

O realismo, porém, não vem sem esforço."Pena que nós suamos uma espécie de leite, que precisa ser limpo constantemente. Parecemos o androide de Alien - O Oitavo Passageiro", brinca Dean O'Gorman, o Fili. "É uma mistura de talco e cola que escorre sob o silicone", explica, enquanto uma assistente de produção refresca Stephen Hunter, o Bombur, com um cano de ar sob a roupa, que refrigera o corpanzil de anão.

"Há muitos poucos profissionais no mundo que ainda vão conseguir trabalhar com maquiagem de látex nessas condições de superdefinição de imagem, talvez caras como Rick Baker e alguns outros mestres. Hoje estamos usando silicone translúcida, que deixa passar a luz e é imperceptível na câmera", continua o oscarizado Richard Taylor, especialista em efeitos e chefão da Weta, há quatro anos trabalhando no filme. Sob sua supervisão, foram produzidas 3 mil ilustrações conceituais, que geraram cenários, armas, maquiagens e figurinos.

Realmente, como as entrevistas foram realizadas durante as filmagens, tive o prazer de conversar não com os atores, mas com Bombur, Bifur, Balin, Gloin e os outros anões da companhia que partem para reclamar o tesouro dos anões que está em poder do dragão Smaug. Era absolutamente fascinante olhar para os atores totalmente paramentados, sem conseguir sequer imaginar como são seus rostos sob tanta maquiagem. E o mais impressionante: vê-lo tendo discussões como se nada estivesse acontecendo, já que tinham preservadas todas as suas expressões faciais.

A Desolacao de Smaug 29Mar2013
Anões são criados usando silicone translúcida, que
deixa passar a luz e é imperceptível nas câmeras.

Curiosamente, eram também os maiores anões do planeta - já que todos ali têm, pelo menos, 1m65. A diminuição para as proporções das criaturas míticas vem através de truques - dos mais antigos do cinema aos mais modernos. Para muitas das cenas, em que os anões estão sozinhos ou ao lado do hobbit Bilbo, basta ter objetos ligeiramente aumentados ao redor. As mãos, pés e extensões de cabeça que todos usam completam a ilusão, já que distorcem a proporção dos atores. Outras cenas, com humanos de estatura normal, permitem que mero posicionamento de câmera e uma buraco sobre o qual fica em pé o "anão" sejam empregadas para dar a impressão de diferentes escalas.

A mais complexa, porém, "e difícil, já que tenho que atuar sozinho", garante McKellen, é o tipo de cena que requer a "Slave Motion Camera". Nessa técnica, uma câmera "mãe" registra todos os anões enquanto outra, com posicionamento alterado, copia fielmente os movimentos da primeira. As duas imagens são sobrepostas e Peter Jackson pode ver, em tempo real, seus anões lado a lado de criaturas de maior estatura. "Eu tenho que atuar com um ponto escondido no ouvido, no qual ouço o que os anões estão falando no estúdio ao lado e posso conversar com eles", complementa McKellen.

O realismo "ao vivo" também se dava nos cenários. A maciça Erebor, a cidade dos anões, um cenário colossal com quase 10 metros de altura e salões inteiros construídos com minúcias, enganava os sentidos em todos os seus aspectos. A pedra parecia pedra, o metal tinha pontos de ferrugem ínfimos e as teias de aranha davam a impressão de que não deviam ser perturbadas, ou atrairíam suas tecelãs. Mais de uma vez me peguei "testando" pequenos pedaços de escombro, para ver se eram plásticos ou de verdade - e visualmente não consegui adivinhar nenhum.

O Hobbit set 12jul2013 02
Por dentro de Erebor

História fiel

Durante minha visita pude observar a tropa de anões trabalhando em Erebor, na defesa de sua recém-reconquistada cidade, enquanto Bard (Luke Evans) vem da Cidade do Lago para conversar com Thorin Escudo de Carvalho (Armitage) sobre antigas promessas e dívidas a serem pagas.

Uma cena tranquila, ainda que emocionalmente poderosa, em meio a uma aventura como poucas. Apesar de O Hobbit ter menos da metade do tamanho de qualquer livro da trilogia O Senhor dos Anéis, seu ritmo é mais intenso e seus acontecimentos muito mais frenéticos. Bastam três ou quatro páginas para que uma batalha inteira aconteça, por exemplo.

"Não conseguimos cortar nada", disse Fran Walsh, corroteirista e produtora do filme. "Foi muito mais fácil manter tudo o que está no livro nos três filmes e ampliá-los com situações que Tolkien menciona brevemente nele - e desenvolve melhor nos apêndices de O Senhor dos Anéis, como a jornada de Gandalf, que desaparece por longos períodos durante O Hobbit".

O que também ganhou mais espaço no filme foi o passado dos anões. Cada um tem detalhadas, através de detalhes no design, nas armas e em breves diálogos, suas próprias jornadas. Dessa maneira, os filmes buscaram criar empatia pelos protagonistas. Como Bifur, que tem um machado de orc cravado no crânio, dividindo as duas metades de seu cérebro e tornando-o meio louco. "Ele só fala o idioma dos anões!", explica o ator William Kircher, que precisou aprender a pronunciar a língua inventada por Tolkien. "Tudo isso mal se vê nos filmes, mas nos ajuda muito na hora de atuar. Cada um de nós se comporta de maneira diferente em cada cena, refletindo esses anões individualmente. Eu, por exemplo, estou sempre atrás de algo pra comer", continua Stephen Hunter, o Bombur. "Nós formamos uma espécie de Força Especial da Terra-média, lutamos como uma unidade, mas temos nossas especialidades", conclui.

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Richard Armitage em ação - maquiagem simétrica

De volta à Terra-média - pela primeira vez

"Como o mundo já conhece muito bem a Terra-média, pudemos brincar mais com esse universo, aprofundando-o", explica Richard Taylor. "Em termos de personagens, Thorin foi o mais desafiador, já que optamos por melhorar a proporção de seu rosto, torná-lo mais simétrico, para aumentar a sensação de que ele tem sangue real, o que nesse universo é algo de peso. Esse rosto perfeito se transformará de maneira mais chocante quando ele se transformar e for consumido pela ganância".

O esmero na criação dos personagens passa não apenas por todos os protagonistas, mas também pelos extras. Terry Notary, o treinador de movimentos mais famoso da indústria, trabalhou em cada uma das raças que estarão no filme, dando a elas seus próprios movimentos, baseados em suas culturas e fisiologias. "Elfos movem-se empurrados por suas costas e estão em constante fluidez, como se fossem lulas. Anões têm o centro de gravidade em suas barrigas e são ancorados pelas pernas arqueadas. Goblins são inquietos, movendo seu olhar de ponto a ponto, sem foco algum", explica, demonstrando à nossa frente cada um desses estilos.

"A Terra-média é vastíssima e cheia de culturas. A dos elfos, por exemplo, é visitada de maneira complementar à de O Senhor dos Anéis, através de Mirkwood, a Floresta das Trevas. A Parte II do filme também evolui dentro de si mesma, se torna mais densa e vai mudando de acordo com o andamento da história", continua Taylor, enquanto caminhamos pelos corredores tortuosos e cheios de pequenas salas da fabricante de objetos de cena Weta Workshop - onde profissionais como armeiros, ilustradores, escultores e soldadores trabalham lado-a-lado, sob resquícios fantásticos de outras criações da empresa - uma cabeça de King Kong em tamanho real aqui, um troll das cavernas pendurado no teto ali, um trem de ferro com 15 metros de comprimento do outro lado... visitar o lugar foi como passear dentro de um sonho. "Nós não jogamos nada fora. Tudo é arquivado e guardado. Tudo o que fazemos é trabalho de artesãos - e valorizamos isso".

"Como a história avança no sentido do leste, optamos por tornar o visual mais oriental conforme a jornada avança", explica o designer de produção Dan Hennah. "As únicas coisas que reaproveitamos foram o Condado e Valfenda - mas ambos estão mais gloriosos do que vimos em O Senhor dos Anéis, já que os tempos eram outros e as vemos aqui várias décadas antes. E nos divertimos muito realizando os novos cenários, como Erebor e Dol Guldur, com o castelo do Necromante. Sem falar, claro, em Smaug, que deve ser a manifestação física de todos os dragões que já existiram - e ao mesmo tempo o mais imponente deles".

"Para Smaug tivemos um design extremamente preciso, que precisou atender uma série de necessidades de roteiro. Não quero tentar compelir ninguém, mas acho que terminamos com um dragão muito, muito legal", diz Peter Jackson, de volta aos quilinhos a mais que ostentava durante as gravações de O Senhor dos Anéis e com o mesmo estilo bermudão e camisa xadrex de 10 anos atrás.

Como na época da minha visita ao set o filme ainda não havia sido dividido em três partes, algumas das cenas que vi serem rodadas e informações que obtive no set ainda não podem ser divulgadas. No entanto, nas semanas que antecedem o lançamento de O Hobbit: A Desolação de Smaug o Omelete publicará a dezena de entrevistas realizadas na Nova Zelândia que discutem cada aspecto do segundo filme! Fique de olho no Especial O Hobbit para esse material 100% exclusivo.

O Hobbit - A Desolação de Smaug chega aos cinemas em 13 de dezembro. Já a terceira e última parte, O Hobbit - Lá e De Volta Outra Vez, estreia em 19 de dezembro de 2014.

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