Filmes

Crítica

Interestelar | Crítica (Marcelo Hessel)

Christopher Nolan embarca no desconhecido com respostas prontas

05.11.2014, às 19H46.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Arriscar-se na ficção científica espacial, como faz em Interestelar (Interstellar, 2014), era uma boa oportunidade para Christopher Nolan arejar seu cinema. Terreno do desconhecido, o espaço sideral daria ao diretor uma chance de desapegar um pouco das certezas narrativas que limitam seus filmes. Interestelar, porém, ainda que flerte com o mistério, não consegue enxergar além.

O começo é promissor, porque envolve uma cena - a caça ao drone perdido - cuja função não é ser uma dentre muitas peças num quebra-cabeças de causalidades. A única função daquele momento lúdico entre pai e filhos é dramatúrgica: estabelecer essas relações de cumplicidade, criar uma empatia com o espectador, apresentar o contexto futurístico sem ser didático demais. Se fala-se pouco em dramaturgia quando se discute Nolan, é porque seus filmes simplesmente carecem dela, e Interestelar neste princípio parece legitimamente preocupado em fazer essa lição de casa que o diretor sempre negligenciou.

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Saber que o roteirista Jonathan Nolan primeiro escreveu Interestelar para Steven Spielberg antes de seu irmão adotar o projeto diz muito sobre esse início: a cena do drone é spielberguiana por excelência, oferecendo a um núcleo familiar a chance de compartilhar um momento de maravilhamento. Somos remetidos a tantos outros instantes assim, de Jurassic Park a Guerra dos Mundos, e não demora até que fique claro: Interestelar é a errata de Contatos Imediatos de Terceiro Grau, com o pai viajante podendo enfim se reconciliar com sua família.

Christopher Nolan tenta seguir esse roteiro emocional, apoiado por um elenco bem escolhido e pelo seu sempre competente trabalho de direção de arte, mas aos poucos o filme vai se acomodando nas escolhas usuais do diretor: a amarração excessiva, o tempo gasto nas explicações. Se em A Origem a presença de uma novata, vivida por Ellen Page, justificava repassar em diálogos toda a ação do filme, em Interestelar isso fica enervante, com seus cientistas explicando um para o outro o beabá de buracos negros.

Explicar tudo, desde a geometria dos buracos de minhoca até a natureza tridimensional do contínuo espaço-tempo, acaba tirando todo o mistério que, a princípio, Interestelar prometia abraçar. Não há grandiosidade que resista a respostas prontas.

Isso não significa que Interestelar é de todo desinteressante. O ponto de vista de Nolan para o papel do homem no Grande Esquema das Coisas parece ter muita afinidade com a postura que seus filmes adotam com frequência; se fossem passados por um filtro político, os longas do diretor certamente penderiam para o centro-direita, e uma sessão dupla de Interestelar com o Solaris de Andrei Tarkovski renderia uma bela discussão nesse sentido.

Da mesma forma, Nolan esboça engenhosidade com seus jogos de perspectiva. A cena do planeta-água, em que o tempo de uma ação influencia outros tempos de forma dramática, é interessante, assim como o clímax de camadas de A Origem, porque é um dos poucos momentos em que teorias de física (no caso, a relatividade) deixam de ser só explicadas e são de fato colocadas à disposição de uma ficção mais imaginativa e de um suspense quase surreal. Infelizmente, essa não é a especialidade de Nolan, porque abraçar o surreal implica abrir mão de tudo aquilo que é premeditado.

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