Embora trate do trabalho dos demonologistas Ed e Lorraine Warren, Invocação do Mal (The Conjuring, 2013) não toca num ponto polêmico da carreira do casal, as acusações de adulterar casos paranormais - como o famoso ocorrido em Amityville em 1975 - para exagerá-los em adaptações ficcionais, em livros e no cinema.
De qualquer forma, o tom "documental" que o diretor James Wan usa de início, como se estivéssemos diante de um programa investigativo de TV sobre os Warren, com uma introdução pedagógica antes da cartela de créditos, ajuda a dar a Invocação do Mal não só uma cara de terror-baseado-em-fatos, mas principalmente um clima de desafetação.
Ed e Lorraine, vividos por Patrick Wilson e Vera Farmiga, são chamados a investigar uma potencial tentativa de possessão no novo e afastado sobrado de um casal com cinco filhas. Quando surge a família no casarão mal assombrado, nessa pegada desafetada, eles parecem "gente como a gente", e isso é crucial para colocar o espectador do filme.
O segredo, antes de mais nada, está na escalação. Nomes como Farmiga e Wilson trazem consigo personas de credibilidade, pelos dramas que já estrelaram no cinema ou na TV, mas é Lili Taylor o trunfo de Wan. Ela tem a fragilidade das grandes mães dos filmes de terror, como a Ellen Burstyn de O Exorcista ou a Mia Farrow de O Bebê de Rosemary - não uma fragilidade de vítima, mas de quem, apesar dos seus esforços, não tem como lidar com um demônio sozinha.
Nesses filmes citados, a possessão serve de metáfora para os desafios da maternidade, e em Invocação do Mal não é diferente. São cinco filhas, afinal, de idades e perfis e humores distintos, como o roteiro dos gêmeos Carey e Chad Hayes faz questão de diferenciar nas cenas da mudança. São também cinco vezes mais chances de tudo dar errado numa casa projetada para tal.
Pode parecer óbvio, mas para ser efetivo um terror de casa mal assombrada depende de uma casa bem escolhida e, principalmente, bem filmada. O cenário em Harrisville, Rhode Island, parece bastante genérico do lado de fora - árvores ladeando a propriedade, um lago turvo à frente, como sempre - mas aos poucos o sobrado, feito de quartos com portas duplas e muitos vãos, mostra que tem "personalidade" própria.
Pois não é pelo choque ou pelo grotesco que James Wan nos pega, e sim pela forma como se move na casa.
Quando as assombrações se materializam, não há música-de-susto, nem chicote/corte rápido simulando um desviar do olhar - elas simplesmente estão lá, como se fossem parte da mobília. O que desconcerta o espectador é outra coisa: é ser apresentado a essa casa de forma hospitaleira, atenciosa, com planos em traveling, de cômodo em cômodo (a ampla profundidade de campo sempre deixa os objetos na casa em foco), para depois termos esse conforto roubado: a montagem do filme usa o número de portas em cada quarto para nos desnortear, e a multiplicidade de ângulos (câmera ora no teto, ora de ponta-cabeça) e de perspectivas (câmera sobre o ombro da mãe, do pai, das filhas, é gente demais num lugar que já não parece grande o suficiente) termina de fazer o trabalho.
O grande volume de informações no quadro - quando tudo está em foco, tudo pode ser fonte de sustos - faz com que o espectador se comporte como nos terrores "de vigilância" à moda Atividade Paranormal, que dependem da atenção do espectador a todos os detalhes, para funcionar. A diferença aqui é que James Wan evita o formalismo desses terrores de hoje; Invocação do Mal pode soar cheio de tecnicidades mas, mesmo nos seus momentos de virtuose, o diretor ainda mantém um pé na desafetação.
No fim o público tende a ficar apavorado - e não assustado - porque a casa em si se torna uma incerteza, e não só um lugar com focos de terror. Talvez por isso o clímax, em que tudo e todos se comunicam sem respeitar paredes ou andares, seja tão catártico, de fato situado no coração do mal.
Invocação do Mal | Cinemas e horários
Ano: 2013
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 112 min