O Lollapalooza chegou ao Brasil prometendo algumas bem-vindas inovações ao nosso cenário de shows, e as expectativas com certeza foram cumpridas neste primeiro dia de festival.
Foo Fighters
Joan Jett
Cage the Elephant
Joan Jett
Foo Fighters
Foo Fighters
Peaches
Cage the Elephant
Com muitas atrações distribuídas em cinco palcos diferentes, este não é um evento tão centrado em headliners, mas na experiência como um todo. A estrutura construída no Jockey Club de São Paulo ficou muito atrativa e dá vontade de caminhar por lá - e o céu totalmente aberto do sábado só ajudou. A vista ao redor parecia traduzir perfeitamente a versão estadunidense, com os prédios da Marginal Pinheiros lembrando as imagens do Grant Park, em Chicago.
Escolher qual show assistir era o maior dilema e este Lollapalooza está sendo um exercício de desapego. Quem escolheu assistir Cage the Elephant, não se arrependeu. A jovem banda do Kentucky atraiu uma multidão ao palco Butantã e, apesar de não vibrar em todas as músicas (a maior animação veio mesmo nos hits "Back Against the Wall" e "Ain't No Rest for the Wicked"), a plateia estava definitivamente interessada, prestando atenção a todos os movimentos enérgicos do vocalista Matthew Schultz. Ao vivo, pode-se comprovar que não é por acaso que alguns chegam a classificar a banda como um novo grunge e até os maneirismos de Schultz lembram os de Kurt Cobain - se tivessem surgido há 20 anos atrás, com certeza poderiam estar nas listas de revelações da cena de Seattle. A entrega era tanta que, antes de mergulhar na plateia, Schultz pediu para que, caso desmaiasse, as pessoas continuassem a passar seu corpo pela multidão durante o resto do dia. Ainda assim, ficava a dúvida: será que ele iria se jogar mesmo? E lá foi ele, com microfone e tudo, tentando cantar a música do meio da multidão. Depois de alguns momentos de caos, ele ressurgiu vitorioso com uma bandeira do Brasil em punho, dando um encerramento bem selvagem para o show do Cage the Elephant.
Em seguida, no mesmo palco, foi a vez de Band of Horses fazer um ótimo show, com seu som leve, mas poderoso. Infelizmente, tive de deixá-los na metade, para assistir à apresentação de Peaches no palco do Perry, logo ao lado.
"Essa mulher é muito louca"
A imprevisibilidade de Peaches já era um elemento esperado, mas muitos não sabiam o quanto. Depois de alguns momentos de falha técnica, com a cantora até apelando para a violência, irritada com a equipe de som, seu equipamento finalmente funcionou e o espetáculo louco da cantora canadense começou.
Não tão focado nas canções, mas em construir uma narrativa, o show foi dividido em dois atos. No primeiro, Peaches vestia um collant bege e um colete cheio de seios, pequenos e grandes, como um acidente genético. Duas dançarinas entravam a cada música com um figurino diferente, com insinuações sexuais. O auge desta insinuação foi quando apareceram no palco com um "maiô hermafrodita", com seios falsos enormes e uma pequena genitália masculina, rendendo um dos momentos mais chocantes da apresentação (esse tipo de show, realmente, a televisão não transmite). Empenhada em fazer a plateia curtir, Peaches ora cantava, ora discotecava, ora interagia com os fãs, pulando enérgicamente, dançando e até jogando champagne no público.
O segundo ato do show foi quando a cantora se livrou dos seios e vestiu um colete de motoqueira, encarnando o rock'n'roll na música "Boys Wanna Be Her" (sua única canção mais conhecida a entrar no setlist). Com maquiagem e cabelo que lembravam a capa de Aladdin Sane, de David Bowie, e uma atitude escrachada a la Iggy Pop, era como se os dois ícones do rock setentista estivessem fundidos em uma única pessoa. Mais encenações de suas dançarinas também marcaram este segmento do show, com o striptease de Frau Pepper e da outra personagem vestida de gênio árabe - e o retorno das duas, com trajes sensuais e hard rock, dispostas a pegar Peaches na porrada.
O clima no palco do Perry era de uma grande balada quando o show chegou ao fim - e se alguém não queria ir embora era Peaches, que se despediu, visivelmente brava com a organização, dizendo "Preciso ir porque estão me mandando embora do palco". Que ela volte mais vezes em um show só seu, para conduzir aquela festa maluca por quanto tempo quiser.
Feminismo de raiz
Joan Jett marcou a história do rock por formar a primeira banda só de mulheres em 1975, quando o próprio ato de tocar uma guitarra era uma transgressão. Hoje, tantos anos depois, não há muito de contestador em suas atitudes e canções, que agora já ganharam o status de clássicas. Sem muitas encenações, este show era sobre uma mulher fazendo rock - e ponto.
À frente do Blackhearts, a cantora já chegou empolgando e abriu o show com "Bad Reputation", seguida de "Cherry Bomb", hit do Runaways. "Do You Wanna Touch Me" foi outra que fez a plateia cantar junto mas, em "Victim of Circumstance", os vocais de Jett não atingiam mais as notas necessárias, denunciando a fragilidade de seus 53 anos. Ainda assim, a cantora dominava a plateia e trouxe até músicas novas, "TMI", "Hard to Grow Up" e "Naked", mas usando uma partitura, caso esquecesse as letras. Os hits "Crimson and Clover" e "I Love Rock 'n' Roll" antecederam o fechamento do show, com "I Hate Myself for Loving You" e o bis "A.C.D.C.". Ao fim do show, a impressão que ficou é que vimos ali um ícone do rock que não soube acompanhar as mudanças do tempo e hoje vive dos sucessos de sua juventude. Tudo feito com muita competência, mas como uma volta ao passado.
O momento mais esperado da noite
Pontualmente às 20h30, o Foo Fighters subiu ao palco Cidade Jardim, pronto para cumprir todas as altas expectativas da enorme plateia, elevando os níveis de desconforto na arena. Com um show já bem ensaiado e redondinho, apresentaram o que parecia ser o setlist perfeito para qualquer fã da banda. Abriram o show com "All My Life" e já emendaram "Times Like These", fazendo o público delirar, pular e cantar junto.
Dave Grohl realmente sabe como lidar com uma plateia e ele que mandou e desmandou naquele mar de 70 mil pessoas. Além de guitarrista e vocalista, ele é um frontman dedicado que verdadeiramente se importa em fazer com que cada um ali esteja se divertindo e em se conectar com o público. Quando ele corria para a extremidade do palco onde eu estava, sentia que ele realmente olhava para cada pessoa ali. É esse elemento humano que realmente diferencia um show do Foo Fighters dos demais. Muitas bandas apresentam suas músicas perfeitamente, mas momentos de conexão tão fortes são para poucos.
O sucesso de seu último disco, Wasting Light, ficou evidente com a multidão cantando junto quase todas as músicas novas, mais até que alguns dos sucessos do início de sua carreira. "Rope", "The Pretender", "My Hero" e "Learn to Fly" foram uma ótima sequência de hits, seguida de "White Limo", cujos vocais gritados exigiam mais de Grohl e seu cisto na garganta deu as caras. Ainda assim, Grohl parecia gritar só por gritar, como que desafiando alguém a ousar dizer que ele não estaria mais aguentando.
Um dos momentos mais legais do show foi quando Taylor Hawkins convocou Grohl a assumir a bateria em "Cold Day in the Sun", e assim pudemos presenciar também o Dave Grohl baterista que fez história no Nirvana, com os vocais desajeitados de Hawkins (nada mais apropriado, já que ele foi o único ovacionado pelo nome quando Grohl apresentou a banda). "Stacked Actors" veio misturada com um cover de "Feel Good Hit of the Summer", do Queens of the Stone Age, e mais tarde a já conhecida versão de "In the Flesh", do Pink Floyd, marcaria presença também. "Best of You" encerrou o primeiro segmento do show, com um coro invejável no "Oh...Oh...Oh...Oh...", trazendo até lágrimas aos olhos de alguns fãs mais alucinados.
Antes do bis, surgiu no telão um engraçado vídeo de Grohl e Hawkins discutindo quantas músicas a mais tocariam. Voltaram ao palco com "Enough Space", seguida do hit antigo "For All the Cows" e a nova "Dear Rosemary". Dave Grohl então entrou em um grande discurso sobre a importância do rock underground e as primeiras vezes que assistiu um show do Jane's Addiction, em sua cidade natal, e a importância das pessoas que marcaram o rock. Por um momento, ele enganou a plateia dando a entender que talvez Perry Farrell poderia fazer uma participação especial, mas tudo aquilo foi para apresentar Joan Jett. Quem não assistiu "Bad Reputation" e "I Love Rock 'n' Roll" do outro lado da arena teve agora sua oportunidade - e com uma banda de apoio bem mais carismática. O festival chegou ao fim com "Everlong", sucesso do álbum The Colour and the Shape (1997), fechando com catarse coletiva aquele show incrível.
TV On The Radio
Por Fernando Scoczynski Filho
O TV On The Radio se apresentou para uma plateia consideravelmente mais "difícil" que as outras bandas indie do primeiro dia. A última atracão a passar pelo palco Cidade Jardim antes do Foo Fighters enfrentou um público formado quase exclusivamente de fãs guardando lugar para o headliner principal. A recepção foi um tanto fria, a princípio, mas a performance do grupo convenceu com sua perfeita execução das músicas - especialmente do vocalista Tunde Adebimpe - e, lentamente, conquistou parte do público.
Outro destaque seria a participação de Dave Navarro (Jane's Addiction), se não fosse pela mixagem de som que tornou seu solo de guitarra quase inaudível. De fato, muitos nem notaram a presença de Navarro antes de ser anunciado por Adebimpe. Fechando com "Wolf Like Me", sua mais conhecida (e provavelmente melhor) canção, o show do TV On The Radio impressionou, mas poderia ter mais sucesso em outro palco, ou num horário que não conflitasse com outras atracões.