Há dez anos, o canal estadunidense ABC começava a exibir Lost, uma série que mudaria a TV e introduziria um novo significado à frase "fã de série". Foi depois de Lost que começou o interesse dos canais brasileiros em trazer séries ao nosso território com um intervalo de tempo menor entre a estreia aqui e a exibição nos EUA devido ao simples fato da existência mais presente da internet. Foi ela que deu início às discussões online e às teorias criadas para suprir a semana entre um episódio e outro. Lost foi o estopim que iniciou uma nova era na televisão mundial, além de ter também mudado completamente algumas vidas - como às de Juliana Ramanzini e Davi Garcia.
Amor nos tempos da escotilha
Davi e Juliana se conheceram através de uma das maiores comunidades dedicadas a Lost do Orkut. Segundo ele, "havia um grupo de umas 15 pessoas de diversas cidades do Brasil que acabou transcendendo o Orkut e migrando pro MSN". Davi conta que a partir de então, conforme as conversas foram variando de assunto e "deixando a ilha", as pessoas começaram a marcar encontros pessoais. "Eventualmente, Juliana e eu também entramos nessa onda", explica.
Da união veio o blog Dude, We are Lost!, que acabava por tomar muito tempo das vidas de Davi e Juliana. "A partir do momento que abraçamos a ideia, acabamos assumindo um compromisso que, mesmo informal, consumia muito tempo quer seja pela necessidade de constantes atualizações ou pela rotina de gravar podcasts", diz Davi. No caso de Juliana, no entanto, a mudança foi muito maior: "Lost acabou por representar também [na vida dela] uma mudança de cidade. [...] Começamos a namorar a distância até a decisão de morar junto o que fez com que ela viesse de Porto Alegre pro Rio de Janeiro. Além disso, ela também mudou de profissão deixando de ser historiadora para trabalhar com marketing digital".
Depois de uni-lo a sua esposa, Davi diz ainda que não fosse por Lost, talvez nada tivesse acontecido. "Se [a série] não tivesse existido, provavelmente nós jamais teríamos nos conhecido e não teríamos alguns dos amigos que ganhamos desde aquela época", explica. Lost foi o ponto de partida para o casal e, mesmo dez anos depois, ainda é lembrada com carinho por Juliana e Davi durante os oito anos de relacionamento.
A ilha em HD
No caso de Juliano Vasconcellos, criador do blog especializado em mídia física BJC, "Lost mostrou pela primeira vez que os colecionadores de séries também poderiam desejar algo diferenciado em alta definição". Inicialmente, a série foi lançada temporada por temporada apenas em DVD, em uma qualidade inferior à do Blu-ray. O apelo da série era tão grande que o mercado dos EUA viu necessidade em lançá-la em alta definição. "O lançamento em Blu-ray lá fora acompanhou a tendência e foi um sucesso", explica Juliano.
O lançamento de Lost no mercado de home video brasileiro foi lento - somente a primeira temporada chegou às lojas em Blu-ray. Segundo Juliano, "o alto preço da primeira temporada [em Blu-ray] assustou os colecionadores e ela encalhou nas prateleiras. Com isso a própria Disney [distribuidora da série no Brasil] deve ter avaliado que o público brasileiro não queria a série em Blu-ray, o que não é verdade. Colecionadores de todo o país compraram Lost em Blu-ray nos Estados Unidos, França e Alemanha, pois lá as temporadas foram lançadas com dublagem e legendas no nosso idioma".
Juliano acha que "o mercado brasileiro sofre muita influência dos áureos anos das locadoras", além de ainda ter um sério problema com pirataria. Segundo ele, "o mercado de mídia física [...] é um problema cultural do nosso povo" sendo assim, as vendas legítimas caem, deixando a desejar para as distribuidoras. "A partir disso, as tiragens são baixas e o produto encarece pro consumidor final, que é empurrado para a pirataria, criando um ciclo péssimo para novos lançamentos", completa Juliano, concluindo que a solução seria criar uma "apresentação diferenciada das coleções para atrair o público fiel do produto original".
Mesmo assim, os brasileiros têm uma paixão em colecionar. "Alguns números das produtoras indicam que o Brasil é um dos poucos países no mundo em que o DVD ainda vende muito", revela. Ainda assim, os fãs da série entendem a diferença de qualidade entre o DVD e o Blu-ray, fazendo questão de ter uma coleção em alta definição.
O bem contra o mal
Um dos principais pontos de Lost é a constante batalha do bem contra o mal, do preto contra o branco - bem como foram as reações com o episódio final da série. Foram quatro anos de tantos comentários negativos que até Damon Lindelof, um dos criadores e roteiristas da série, desistiu de continuar conversando com os fãs e deletou sua conta no Twitter.
Para Bruno Carvalho, criador do site Ligado em Série, o fim de Lost foi bom. Ele explica que a série foi "corajosa em desafiar a lógica da TV aberta norte-americana, que prima até hoje por resoluções fáceis e mastigadas para o público". Ele explica ainda que "o final da série foi fiel e coerente com a sua proposta, pois desde o início o elemento 'metafísico' estava presente na série", e que a " falácia 'estão todos mortos' vem justamente de quem não quis pensar no que viu e esperava, como o norte-americano médio, uma resolução cuspida pelos roteiristas. Pelo contrário, Lost encerrou-se com um final poético e ousado para o padrão da mídia em que se encontrava." Bruno assume, claro, que houveram problemas ao longo do caminho "pois estamos falando de uma série para a TV aberta estadunidense que fora, inclusive, atingida pela greve dos roteiristas em uma fase crucial." No entanto, enfatiza que ela "é, sem dúvida, um dos grandes marcos televisivos deste século".
No caso de Deive "Azaghal" Pazos, editor do Jovem Nerd, o final da série deixou a desejar. "Por mais que eu tenha me emocionado com todo mundo, porque a gente cria uma ligação forte, foi um final muito deus ex machina", aponta. Deive explica que aquele foi um final "que ninguém queria", mas adiciona também que "é muito difícil alinhar a expectativa do público com o final de uma série". "Eu acho que desandou demais de uma série que falava só de fenômenos, que criou toda essa expectativa, foi toda voltada pro lado científica e, no final, nada era ciência - era espiritual".