Em agosto, o renomado diretor Taika Waititi colocou o possível live-action de Akira de volta nos noticiários de cultura pop, ao reafirmar sua vontade de fazê-lo. Atrelado desde 2017 ao projeto, que vai e vem, o cineasta já se provou mais que capaz de liderar uma produção, mas essa é uma aposta arriscada demais e que talvez não valha o preço. Não há dúvidas quanto às habilidades de Waititi: o problema não está em quem vai dirigir o live-action de Akira, mas no tempo e dinheiro que os estúdios hollywoodianos estariam dispostos a investir no projeto, que pode ser produzido por Leonardo DiCaprio.
Akira nasceu do mangá homônimo de Katsuhiro Otomo, lançado em seis volumes, durante os anos 1980. Em 1988, a história tornou-se anime em uma adaptação para as telonas que também contou com roteiro e arte do mestre Otomo. Na trama futurista, uma grande explosão destrói a cidade de Tóquio. Em seu lugar é construída Neo Tóquio, que, em 2019, sofre com constantes atentados terroristas. Os amigos Shotaro Kaneda e Tetsuo Shima fazem parte de uma gangue de motoqueiros que disputa rachas violentos com os rivais Palhaços, até que um dia Tetsuo encontra Takashi, uma criança com poderes misteriosos que fugiu do hospital onde era mantida como cobaia.
Tanto mangá quanto filme foram sucessos inquestionáveis, tornando-se clássicos da literatura e do cinema japonês. A trama também serve de referência para várias obras como Invencível e até Pokémon, e abriu caminho no ocidente para outros animes. Ainda nos anos 80, a Marvel lançou, com autorização de Otomo, uma versão colorizada e no formato de leitura das comics ocidentais. No Brasil, o mangá é publicado pela JBC.
Questão recorrente quando pensamos em grandes adaptações ocidentais de produtos japoneses, o whitewashing também precisa ser discutido quando se fala em um remake hollywoodiano de Akira. Não são raros os exemplos de estúdios e diretores que ainda repetem o mesmo erro: colocar atores brancos para interpretar personagens asiáticos. Aconteceu com Scarlett Johansson em Ghost in The Shell (2017), bem como no desastroso Dragonball Evolution (2009). Com tantos bons atores nipo-americanos em Hollywood, beira o absurdo considerar escolhas como essas, ou qualquer coisa parecida envolvendo o núcleo principal do filme. Felizmente, Waititi já se pronunciou a respeito e afirmou que, se dirigir a adaptação, sua versão não será atingida por whitewashing: “[Um elenco com] adolescentes asiáticos seria a maneira correta de fazer isso”, disse ele ao IGN.
Outro ponto a ser considerado é o choque narrativo entre as obras japonesas e as ocidentais. Os estúdios americanos sempre têm dificuldade em aceitar o tempo narrativo e o silêncio reflexivo característicos das obras asiáticas. Para entender melhor esse assunto, basta revisitar as notícias sobre a vez em que o então produtor Harvey Weinstein ameaçou processar o estúdio Ghibli caso Princesa Mononoke não chegasse ao ocidente com os cortes solicitados. Essas e outras situações causaram uma tensão na relação entre a Disney, que distribuía os filmes na América e a empresa de Hayao Miyazaki.
Além da insistência em reduzir o tempo dos filmes, há sempre alguma inserção, muitas vezes exagerada, de músicas em momentos planejados para serem mais silenciosos.
Pense nas cenas da explosão em Akira, pensada para ser imersiva. Tantos minutos gastos com tão poucos diálogos; a compreensão depende do comprometimento que o espectador teve com todo o filme. A introspecção não é algo que Hollywood engoliria com facilidade, e abrir mão disso é ignorar toda a essência da animação japonesa. Essa profundidade narrativa que não entrega toda a trama mastigada em diálogos é o que faz o clássico animado ser o que ele é. Todo esse trabalho não pode ser abandonado em troca de pura nostalgia.
Claro, há bons exemplos de adaptações live-actions que nos dão esperança de ver um bom Akira nos cinemas outra vez. Não é difícil lembrar que Bleach teve sucesso ao agradar seu público e novos fãs ou que a adaptação coreana de Oldboy também construiu muito bem sua adaptação, mas esses são exemplos asiáticos. De qualquer forma, ter esse filme produzido em um grande estúdio de Hollywood talvez seja uma opção melhor do que mais uma versão japonesa de baixo orçamento como vimos em Casshern ou Caçadores de Vampiros.
Se o sonho de Taika Waititi se realizar e ele fechar a adaptação de Akira, o que nos resta é torcer para que ele consiga o tempo e os recursos necessários para produzir um live-action digno da obra de Otomo.