O último capítulo do mangá de Attack on Titan (Shingeki no Kyojin), publicado em 2021, dividiu os fãs — para dizer o mínimo. Parte da comunidade até defendeu a conclusão encontrada pelo autor Hajime Isayama, mas não faltaram críticas ao desfecho das jornadas de Eren Yeager, Mikasa Ackerman, Armin Arlert e tantos outros personagens amados por milhões de fãs.
Como uma adaptação direta do mangá, é evidente que o anime de Attack on Titan não teria como fugir da polêmica. Não bastasse a decisão absolutamente questionável de dividir o final em quatro partes diferentes, espaçadas em anos, há ainda a questão do conteúdo em si: afinal, estamos falando de um encerramento digno para uma história que tenta parecer tão densa?
Tecnicamente, o melhor episódio do estúdio Mappa
Fãs se lembram com muito carinho dos dias em que Attack on Titan era responsabilidade do Wit Studio. Quando ocorreu a transição para o estúdio Mappa, em 2021, o público demonstrou receio em relação à possível queda na qualidade da animação e da direção. Em parte, de fato, existiu um choque ao longo da quarta temporada — tanto para o bem quanto para o mal.
O episódio final de Attack on Titan talvez seja o primeiro, desde a mudança para o estúdio Mappa, a entregar cenas de ação que quase estão no mesmo nível daquelas que os fãs tanto elogiavam na época do Wit Studio. Nada na conclusão chega a se equiparar à saudosa fuga de Levi, no episódio em que ele precisa fugir de Kenny Ackerman, mas a coordernação de toda a batalha que ocorre em cima do Titã Fundador é impressionante.
Titãs surgem aos montes, humanos passam voando pelas criaturas com armas em punho, titãs com poderes especiais auxiliam na missão de derrotar Eren, a trilha sonora mescla diferentes faixas das temporadas anteriores. Tudo é épico. Tudo é grandioso. Alguns painéis do mangá se tornaram infinitamente melhores na animação, já que a arte em si não é o ponto mais forte de Hajime Isayama como mangaká.
Além disso, os traços mais "pesados", que marcam bastante as expressões faciais dos personagens, de maneira semelhante ao que se vê no mangá, estão impecáveis. É evidente, a todo momento, que todos os envolvidos na guerra que Eren declarou contra o mundo estão desesperados, deprimidos e, durante a maior parte do tempo, se sentem impotentes.
Da mesma forma que os episódios lançados em 2021 e 2022, a conclusão de Attack on Titan manteve a atmosfera sombria marcada pela hostilidade do protagonista, que se tornou o vilão. Uma cena particularmente desesperadora do último episódio, na qual um bebê é passado de mãos em mãos por uma população à beira do abismo (literalmente), pode muito bem ser uma das mais memoráveis e simbólicas em todo o anime.
Ainda assim, é fato que há acontecimentos que mereciam mais atenção. No final, por exemplo, quando eldianos se transformam em monstros pelo que poderia ser a última vez, tudo se passa tão depressa que nem há tempo para sentir algo, de verdade. De repente, parece que quase todos estão perdidos. Poucos minutos depois, está tudo resolvido. A sensação que fica é de que foi somente um susto gratuito; dificilmente, alguém acreditou que aquilo realmente duraria.
Também faltou adaptar as páginas extras do mangá de maneira mais didática, já que, com apenas alguns quadros minúsculos nos créditos, além de uma cena pós-créditos, muitos podem ter perdido a mensagem principal da conclusão, de que o ciclo de ódio não chegou ao fim.
De forma geral, o resultado final, do ponto de vista técnico, é, sim, mais positivo do que negativo. Contudo, não seria surpreendente descobrir que parte dos espectadores sentiu que algumas coisas que foram apenas pinceladas mereciam ser mais destacadas.
Quando falamos sobre o roteiro, entretanto, a discussão se torna bem mais complicada. Não porque a obra é tão densa quanto alguns fãs fazem parecer, mas, sim, porque problemas do mangá, como não poderia deixar de ser, foram importados para a versão animada.
Eren e Mikasa mereciam mais
A evolução de Eren até a primeira parte da quarta temporada do anime de Attack on Titan é brilhante. São poucos os personagens de obras semelhantes que passam por um processo de amadurecimento tão detalhado e tão cheio de pistas sobre quem eles se tornariam no futuro.
Todo aquele ódio pelo qual Eren ficou conhecido nos últimos episódios do anime, por exemplo, sempre esteve guardado no coração dele e, de vez em quando, até escapava por meio de palavras excessivamente agressivas ou comportamento impulsivo.
Eren cresceu traumatizado pelas coisas que viu acontecer, pelas coisas que sabia que aconteceriam e pela noção de que era incapaz de salvar a si mesmo ou aos próprios amigos. Você deve se lembrar, por exemplo, de que, em diferentes ocasiões, ele foi uma espécie de donzela em perigo que precisava da Mikasa para não morrer nas mãos dos inimigos — e parte do monstro que ele se tornou veio justamente do rancor que ele sentia por ser fraco.
Todos esses traços somados à frieza que Eren desenvolveu para atacar Marley o tornavam um protagonista incrivelmente realista e surpreendentemente complexo. Ele não existia apenas para fazer o bem e nem contava com o famoso poder do protagonismo. Eren era cheio de falhas, tomava decisões erradas e estava tudo bem. Ele sempre foi assim. Fazia sentido.
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Em algum momento, entretanto, Hajime Isayama, o autor de Attack on Titan, parece ter se arrependido de transformar Eren, o protagonista a quem tantos fãs se apegaram, em um vilão ou, no mínimo, um personagem que só pensa em vingança (que não é algo muito heróico, convenhamos).
A famosa conversa de Eren com Armin, que gerou tanto debate entre fãs do mangá, lá em 2021, passou por algumas alterações consideráveis no anime e foi melhorada. Mesmo assim, o conteúdo ainda é um tanto problemático para o desenvolvimento do protagonista, já que abre margem para a interpretação de que tanto algumas ações quanto algumas palavras de Eren não fazem muito sentido.
Toda a ideia de que ele fez o que fez com a esperança de ser parado parece um apelo do autor aos fãs que gostam do Eren; parece que Isayama sentiu medo de desagradar a parcela dos fãs que se recusa a enxergar Eren como um vilão. Então, a saída encontrada foi "suavizar" as ações de um assassino que quase extinguiu a humanidade ao revelar as verdadeiras intenções dele.
"Todos serão gratos a vocês por terem salvo a humanidade", diz Eren a Armin durante uma memória. Poucos minutos depois, Eren indica que não sabe o que acontecerá: "Envolvi vocês, meus companheiros queridos, em uma batalha sem saber se sairiam dessa com vida." Novamente, passado um tempinho, Eren diz, com toda a certeza, que esmagará 80% da humanidade e que os amigos dele o derrotarão, mas não antes disso.
Ainda que muito tempo se passe entre uma afirmação e outra, já que as memórias das conversas de Armin e Eren não são todas de um mesmo dia, é meio ridículo presumir que Eren realmente pretendia ajudar a salvar a "reputação" dos eldianos perante o mundo.
Se o grupo do Armin chegou à conclusão de que matar Zeke era o único caminho para parar o estrondo, Eren também sabia disso, já que ele consegue ouvir até conversas entre eldianos — algo que foi comprovado quando ele interrompeu Armin para dizer que não era necessário negociar.
Então, por que não ele não entregou Zeke de uma vez, quando Armin e os demais chegaram para brigar, e garantiu a sobrevivênvia dos antigos amigos? Como poderia ele querer que os amigos fossem heróis se, até o fim, ele se esforçou para matar todos? Foi só pelo espetáculo? Aliás, ele não bloqueou as habilidades dos titãs de Reiner e Pieck porque isso iria contra os princípios dele de que todos podem lutar por liberdade, sem interferência? Haja paciência.
Obviamente, isso não chega a destruir o personagem completamente. Ainda assim, é triste ter de aceitar um encerramento tão pobre para uma jornada tão cheia de bons momentos. Só não é pior do que a Mikasa ter sido transformada em uma criatura que existe apenas em função do Eren.
Todas as ações dela e as poucas palavras por ela proferidas ao longo do episódio final (e de todo o arco) fazem parecer que Mikasa nunca conseguiu crescer para além de uma protetora fiel de um menino por quem ela se apaixonou. Nenhum personagem chegou ao fim tão simplório e mal aproveitado quanto a lutadora mais poderosa do universo criado por Isayama.
Aliás, se existe algo que o autor não soube escrever no mangá são relacionamentos amorosos, que acabam chegando à versão animada igualmente tortos. Afinal, quando nos lembramos também de Ymir, é difícil não sentir profundo desgosto por como Isayama escolheu dar significado à jornada da Fundadora, que só é aceitável se fizermos um verdadeiro contorcionismo mental.
Dez anos depois, Attack on Titan chega ao fim
Com certeza, Attack on Titan foi um dos animes mais importantes exibidos nos últimos 10 anos, e a conclusão dessa trajetória até deixa a desejar, mas não corrompe os picos de adrenalina que as principais reviravoltas vistas ao longo da história trouxeram.
Nada em animes de ação me deixou tão arrepiado quanto os episódios da primeira parte da quarta temporada, que sempre estarão entre os meus favoritos, de forma geral mesmo.
Quase impecável do ponto de vista visual e sonoro, o episódio final de Attack on Titan, que é, praticamente, um filme, faz o melhor que pode com base no material original, que já havia dividido os fãs tantos anos atrás.
Obviamente, trata-se de algo obrigatório para quem quer saber como a história acaba, ainda que passe longe de ser um desfecho que vá ser universalmente aclamado.
Criado por: Hajime Isayama
Duração: 4 temporadas