A discussão em torno da saúde mental vem ocupando cada vez mais lugares na cultura pop nos últimos anos. Obviamente, alguns retratos são melhores que outros, mas é inegável que filmes, séries e quadrinhos do mainstream têm aprendido a tocar no assunto de forma mais respeitosa e saudável, se afastando do estigma negativo que marcou o tema no século XX. Mas, mesmo que grandes estúdios e editoras estejam aprendendo a falar sobre depressão e outros distúrbios em suas produções, a melhor representação sobre o peso que problemas psicológicos têm sobre nós segue sendo, pelo menos para mim, em histórias independentes e contadas de forma pessoal. Um exemplo relativamente recente disso está em Minha Experiência Lésbica com a Solidão, mangá de Kabi Nagata que explora um dos momentos mais delicados da vida da autora e como ela encontrou ajuda no carinho de outra mulher.
No livro, a mangaká conta como, 10 anos depois de se formar no ensino médio, passou por crises emocionais e psicológicas que se refletiram em sua saúde física. Reclusa e relativamente perdida na própria vida, ela deu um passo curioso para sua melhora ao contratar uma prostituta, com quem viveu sua primeira experiência sexual. Por mais que este ponto em particular de Minha Experiência Lésbica com a Solidão não converse necessariamente com todos os leitores, os momentos que levaram Nagata a procurar por essa conexão física são de uma universalidade quase incontestável para quem convive com ansiedade e depressão.
Um dos pontos principais da história é a forma como Nagata se pressionava para atender expectativas que terceiros depositavam nela, especialmente seus pais. A necessidade de satisfazê-los, mesmo quando isso significava fugir do caminho que ela havia pensado para si, a atormenta. E, como consequência, ela convive com um autoquestionamento pesado, refletido em distúrbios alimentares e episódios de automutilação, algo que ela define como uma forma de tornar visível sua dor interna. Ela traduz seus sentimentos de um jeito ao mesmo tempo único e universal, colocando em palavras sentimentos e sensações que, durante os períodos mais sombrios, são tão difíceis de definir.
A honestidade de Nagata ao falar sobre sua falta de força para enfrentar o ciclo vicioso de isolamento e segurança causada por problemas emocionais é tão tocante quanto perturbadora. Ao longo do livro, muitos dos momentos narrados podem despertar memórias delicadas para quem já se viu no chamado “fundo do poço”. Mas, embora dolorosa, essa identificação aplaca a sensação de solidão causada por décadas de tabu e falta de cuidado inter e intrapessoal.
Apesar de curto, Minha Experiência… se aprofunda nos sentimentos de sua autora que, mesmo confessando seus distúrbios e as consequências negativas que eles trouxeram, nunca se coloca como vítima, e sim como sobrevivente de uma doença que afeta pessoas no mundo todo. E, por mais que explique como ela conseguiu manter sua depressão em xeque, Nagata sabe que não há uma cura mágica para esses milhões de pacientes. Por isso, conta sua história como forma de mostrar que nenhum deles está realmente sozinho e que existem, pelo menos, uma possibilidade de melhora.
Vale pontuar também que, através de seu depoimento sem censura, Nagata racionaliza alguns sentimentos complicados, que abordam de autocuidado a sexualidade, usando a própria experiência para proporcionar catarse. Essa abordagem honesta encoraja o público a refletir sobre os próprios sentimentos e, embora não seja capaz de substituir um acompanhamento profissional, abre caminho para que o leitor dê ao menos um primeiro passo em busca de ajuda - seja com um psicólogo ou no carinho de um amigo.
Sim, Minha Experiência Lésbica com a Solidão vai te fazer chorar, especialmente se você passou por situações parecidas com as de Nagata. Mas, mais importante que isso, o mangá mostra, com uma delicadeza ímpar, que nenhum de nós realmente está sozinho em nosso isolamento. Esta obra é a prova de que sempre haverá aqueles com histórias parecidas dispostas a nos dar a mão e a nos ajudar a superar os obstáculos que nossas mentes e corações criam.
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