Nas últimas semanas, a expectativa em relação à Eternos, novo título da Marvel, parecia ter atingido um ponto inédito na história do estúdio. Infelizmente, pelos motivos errados. O novo épico, com direção da oscarizada Chloé Zhao, foi condecorado com a (des)honraria de filme com a pior cotação do estúdio no Rotten Tomatoes. Tudo bem, você pode até torcer o nariz para o título ou ir ao cinema com um pé atrás, mas Eternos traz algo que definitivamente deve ser celebrado: graças a ele, a Marvel agora — orgulhosamente — tem o primeiro herói gay nos cinemas.
O advérbio derivado de orgulho não foi colocado na frase acima, ou no título, à toa. Veja só, há meses soubemos que Phastos (interpretado por Brian Tyree Henry, de Atlanta), um dos eternos, seria um super-herói gay. Depois, que ele não só seria gay, mas como também teria um esposo, Ben (Haaz Sleiman, de Nurse Jackie), e um filho. E era justamente aí onde morava o perigo. Sabendo do tratamento nem-sempre-tão-legal-assim com personagens LGBTQIA+ nos cinemas — especialmente no universo dos quadrinhos de ação — tais informações sobre a identidade de Phastos poderiam ter sido desperdiçadas.
Talvez a vida pessoal do herói não fosse explorada para além de menção ao seu marido e filho, ou que seu desenvolvimento fosse superficial. Não é um exagero. São inúmeros os filmes de grandes estúdios que afirmam ter representação, mas que nunca vão além do óbvio ou do lugar-comum (isso é, quando são explicitadas na tela). Antes de Eternos, a Marvel já exibira outros 25 filmes, mas nenhum deles nem sequer ousou em explorar um personagem gay — obviamente estou ignorando aquela (estúpida) revelação feita por Joe Russo sobre um diálogo rápido no início de Vingadores: Ultimato.
Até porque isso não é representação. Assim como Loki apenas mencionar sua sexualidade em uma conversa durante um episódio de sua série, ou a Disney afirmar umas 20 vezes que em tal filme introduziu o seu “primeiro personagem gay”. Infelizmente, foram com essas pequenas menções que o público queer teve que se contentar ao longo dos anos, especialmente em franquias de grandes estúdios. Ou seja, havia margem para erro ao contar a história de Phastos nas telonas. Felizmente, Eternos não comete grosserias já vistas anteriormente ou falha em compôr um personagem crível e aspiracional.
Sempre que Phastos está em cena com o seu marido e/ou filho, há muito amor e ternura. Com Ben, seu esposo, presenciamos um casal que se ama, se apoia e se respeita. Já com Jack (Esai Daniel Cross), o herói é visto como um pai exemplar — embora um pouquinho superprotetor demais (quem não gostaria de ter uma babá como Thena, vivida por Angelina Jolie?). E nas diversas cenas ambientas na casa de sua família, vemos exatamente isso: uma família — e uma muito bem ajustada.
Não há um momento de Eternos que titubeia em mostrar um casal gay, apaixonado, equilibrado e feliz. Aliás, tudo o que Phastos faz, após encontrar Ben na sua vida, gira em torno do seu núcleo familiar, tarefa que ele cumpre com maestria. A cereja no topo é simplesmente saber que o personagem e seu par não têm um final trágico. Existe um tropo narrativo comum que basicamente “enterra seus gays” (“bury your gays”, em tradução livre) -- como acontece em The 100, Agents of S.H.I.E.L.D. ou Buffy, entre outros exemplos, que mataram seus personagens LGBTQIA+ sem dó, nem piedade.
Sabendo que Eternos é uma saga épica, com muitos personagens a serem explorados, e com muita ação, o destino de Phastos arriscava também ser precocemente eliminado. E à medida que mais notícias surgem sobre países como Arábia Saudita e Kuwait cortando as cenas com o herói, ou banindo a exibição do filme completamente, um título que traz um personagem tão bem desenvolvido, com natureza única, uma família feliz e que pode facilmente ser tido como um exemplo, merece ser assistido e exaltado. Quem sabe só assim teremos mais outros Phastos por aí.
O jeito agora é torcer para que a promessa de Kevin Feige não seja quebrada, e que a Marvel reconheça a responsabilidade de dar mais representatividade às suas vozes.