[ATENÇÃO: Spoilers de Gavião Arqueiro a seguir]
Há duas maneiras de fazer um penúltimo episódio de TV, seja perto do fim de uma temporada ou do fim de uma série completa: a primeira é conduzir os personagens - normalmente, com alguma correria - até à beira do confronto final, do grande clímax da trama, e deixá-los lá, no liminar (foi o que Loki fez, por exemplo); e a segunda é apertar o pause e examinar quem são e o que move seus personagens antes de jogá-los na direção de sua última provação.
Gavião Arqueiro escolhe a segunda opção, e ainda bem que escolhe. Em "Ronin", capítulo lançado hoje (15) pelo Disney+, os mistérios e mal-entendidos da trama criminal rocambolesca da série são desembaraçados habilmente pela roteirista Jenna Noel Frazier, enquanto diálogos revelatórios esclarecem as motivações de Clint (Jeremy Renner), Kate (Hailee Steinfeld), Maya (Alaqua Cox) e Yelena (Florence Pugh) indo em direção ao confronto com - surpresa, mas nem tanto! - o Rei do Crime (Vincent D'Onofrio).
O vilão de Demolidor reaparece apenas através de uma foto tirada por Yelena, no entanto, vista na tela por poucos segundos logo antes dos créditos do capítulo subirem. Lidar com o retorno de D'Onofrio e do personagem será assunto para o finale da semana que vem (meio como a introdução de Kang e do multiverso foi assunto para o finale de Loki). Ao invés disso, "Ronin" está mais preocupado com as pessoas que já estão inseridas nessa história.
O longo diálogo entre Kate e Yelena no apartamento destruído desta primeira é o óbvio destaque do capítulo. Encontrando a arqueira por lá, Yelena explica que foi contratada para matar Clint Barton, o que não será difícil para ela, uma vez que responsabiliza o Vingador pela morte da irmã, Natasha Romanoff. Gavião Arqueiro mais uma vez evoca, com efeitos arrepiantes e senso de responsabilidade narrativa, o rastro de sangue deixado para trás por Clint durante sua época como Ronin, e mesmo antes, em sua vida na espionagem.
Durante esta cena e qualquer outra em que dá o ar da graça (inclusive o prelúdio do capítulo, em que descobrimos que Yelena foi uma das "pulverizadas" pelo estalar de dedos de Thanos e só voltou cinco anos depois), Florence Pugh mostra porque já é uma das atrizes mais celebradas de sua geração. O carisma efervescente da personagem é sempre conjugado com um tom de ameaça palpável pela intérprete, e aqui ela ainda adiciona uma pontada amarga de luto, uma dureza moral que não existia na versão que assistimos em Viúva Negra.
Teremos que esperar o próximo capítulo para descobrir se Gavião Arqueiro, como série, é inteligente o bastante para apontar quão contraditório é uma mulher como Yelena, que passou anos como uma assassina de aluguel mentalmente controlada, dizer que "somos definidos pelo que fazemos, e não por palavras bonitas". Porque não é um problema ou um "furo", por si só, a personagem pensar assim (pessoas são falhas, e se contradizem o tempo todo), mas seria uma perda de oportunidade narrativa não mergulhar de fato nessa contradição e mostrar de que forma Yelena é capaz - ou não! - de sair dela.
A decisão da personagem de seguir o conselho de Kate e interrogar os motivos por trás de quem a contratou para matar Clint indicam que Gavião Arqueiro não vai perder essa oportunidade. Ou, de fato, qualquer outra. No fim de "Ronin", não é só Yelena que está no caminho de questionar uma missão de vingança que, engatilhada pelo luto, definiu sua vida por tanto tempo - este é também o rumo que toma Maya após Clint implantar na mente dela a possibilidade da morte de seu pai ter sido engendrada pelo próprio Rei do Crime.
Vendida de certa forma como uma história de amadurecimento, de surgimento e treinamento de uma heroína (Kate), a série do Disney+ se mostrou, nesta preparação para o final, muito mais uma trama sobre os preceitos mentirosos dos quais partimos quando, em meio a raiva e ao pesar, precisamos ver um mundo mais simples do que ele realmente é. E sobre as correções de curso que fazemos quando o mundo vem nos cobrar - como sempre cobra - por essas mentiras.