Matrix Resurrections foi um fracasso comercial. Feito com um orçamento que bateu nos US$ 200 milhões, o quarto filme da franquia de ficção científica faturou somente US$ 157 milhões em sua passagem pelos cinemas no final de 2021. Levando em contas gastos com marketing, e subtraindo a porcentagem da venda de ingressos que fica com os donos de cinema, o resultado foi um rombo considerável nos cofres da Warner Bros. Discovery. Prejuízo, diga-se, que nem os retornos no streaming e no mercado de home videoseria capaz de remediar.
Matrix Resurrections foi também uma adição controversa à franquia, de um ponto de vista de recepção pública. A diretora e roteirista Lana Wachowski, retomando sozinha a história que começou a construir com a irmã Lilly em 1999, reorganizou o mundo do qual tinha custódia em formato de manifesto, como bem colocou o meu colega Marcelo Hessel, mais preocupada em contar uma história que fizesse sentido para si mesma do que em construir em cima de um cânone envelhecido ou de uma pegada cultural sob a qual ela nunca teve nenhum controle.
Isso significa que Resurrections saiu como um longa de amor e sobre amor. Calcando mais do que nunca as correntes ideológicas anti-niilistas inerentes à história de Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss), ele também ironizava abertamente o mundo corporativo e a fatia cínica do público por nunca ter entendido os significados dentro dela. Na era do triunfo do marketing sobre conteúdo, que reina em Hollywood mais forte do que nunca e é alimentada todos os dias por uma mídia que perde tempo analisando números quando deveria estar vendo filmes, não colou.
E pronto, aí estão os dois argumentos a favor da existência do recém-anunciado quinto filme da saga Matrix, comandado não pelas Wachowski, mas sim por Drew Goddard. Uma surpresa, talvez, mas também uma tragédia inevitável para quem sabe ler as cartas marcadas do cinemão comercial: a Warner tem uma franquia de US$ 2 bilhões nas mãos, e a última vez que deram a carta branca para Lana Wachowski ressuscitá-la nos cinemas, ela fez um filme profundamente pessoal que muito pouca gente gostou.
A presença de Lana como produtora executiva desta adição à saga é testamento à importância que o universo tem para a cineasta, a mesma afeição que a levou a assumir o comando de Resurrections. Ela sabia, porque não é ingênua, que a Warner seguiria adiante na franquia com ou sem ela, e decidiu que preferia bancar o projeto do que entregá-lo nas mãos de quem quer que fosse a mão-de-obra mais barata. E ela sabia, porque não é ingênua, que depois de Resurrections a Warner faria um Matrix sem ela - e, dessa vez, preferiu ser colocada de escanteio do que se retirar completamente do quadro.
No espírito da sabedoria popular (“dos males, o menor”), vale frisar que Drew Goddard, o homem escolhido para carregar o legado de Matrix, tem talento e experiência no cinema de gênero. São dele os roteiros de Cloverfield: Monstro e Perdido em Marte (este último, indicado ao Oscar), enquanto na TV ele conduziu a primeira temporada de Demolidor e voltou à Marvel para o crossover Os Defensores. Já como diretor, fez pastiches divertidos e espertinhos de terror (O Segredo da Cabana) e thriller criminal (Maus Momentos no Hotel Royale), além de assinar quatro episódios da ótima sitcom The Good Place.
Credenciais respeitáveis, mas também - e mais importante para a Warner, suspeito eu - credenciais de um contador de histórias que sabe jogar dentro das linhas estipuladas por Hollywood. Nada que Goddard tenha feito antes indica um ponto de vista único sobre as linhas e entrelinhas da ficção científica, ou mesmo que ele tenha o brio para ousar qualquer centímetro além do que os executivos da Warner permitiriam. Goddard faz trabalhos decentes e bem-sucedidos, não grandes obras dignas de debate anos depois de seus lançamentos.
Decente e bem-sucedido… é isso mesmo que a Warner quer. Afinal. Matrix era uma obra de vanguarda lá em 1999, e perpetuou o seu status de anomalia hollywoodiana em cada uma das sequências que a Wachowski produziram, a custo da sua própria popularidade, assim como a da franquia, até 2021. Aos olhos do estúdio, Goddard é justamente o talentoso domador de cultura pop necessário para transformar uma obra de arte - bissexta, inconstante e divisiva por sua própria natureza pessoal - na fonte de dinheiro confiável que eles sempre quiseram que ela fosse.
Em Resurrections, Lana Wachowski memoravelmente colocou Jonathan Groff para interpretar um executivo da Warner, que exigia ao personagem de Keanu Reeves uma continuação desalmada para o seu videogame de sucesso, também chamado Matrix. Não por acaso, o personagem mais tarde se tornava o novo Agente Smith - e parece que, três anos depois, ele finalmente venceu.