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A importância de Kurt Cobain para o rocknroll mundial é indiscutível. Gostando ou não do som do Nirvana ou acreditando ou não na capacidade do músico como guitarrista, o fato é que sem ele talvez o movimento grunge nunca tivesse deixado os guetos de Seattle. Depois de sua morte prematura, surgiram (como de costume), muitas teorias sobre o porquê de tanta adoração por parte do público e da crítica.
Quando estamos falando de um compositor relevante - seja para que gênero for - é comum que suas letras despertem grande interesse e é geralmente por meio delas que se desenvolvem as idéias sobre a empatia do público com o artista e se descobre para quem e de que ele falava, o que muitas vezes não aparece explícito em apenas algumas audições. Com a intenção de analisar o legado deixado por Cobain surgiu o livro Fragmentos de uma biografia, de Marcelo Orozco, lançado no Brasil pela Conrad Editora.
No caso do líder do Nirvana, suas letras têm importância especial porque, apesar de nunca ter aceitado de bom grado o título, Kurt Cobain foi uma espécie de porta-voz de sua geração, falando das angústias, medos e dúvidas dos jovens que se sentiam à margem da sociedade. A eterna luta contra as drogas e a procura por sua própria identidade são temas recorrentes em seu discurso, às vezes angustiado, outras vezes enraivecido.
O livro é um prato cheio para quem gosta da banda mas, é também muito interessante para quem conhece pouco de sua história e sua relevância para o rock mundial no final do século 20. Em mais de duzentas páginas, o autor aponta os fatos mais importantes da curta carreira da banda e apresenta uma biografia comentada, resultado de uma pesquisa minuciosa. A análise disco a disco, faixa a faixa, faz com que o leitor mergulhe de cabeça no universo de Cobain.
Um dos destaques é a dissertação sobre "Smell like teen spirit", o maior clássico do Nirvana e responsável pelo estrelato da banda. "Ninguém pára e diz: agora vou compor um sucesso", escreve o autor, que ressalta o quanto Cobain viria a detestar está música. "Mas Cobain soube logo de cara que tinha algo forte para dar um recado. Inspirou-se, trabalhou com a banda e deixou a música redondinha". Mais à frente Orozco revela que a concepção de do hino grunge aconteceu "em uma noite de encher a cara. Daquelas em que o teor alcoólico provoca revoluções e manifestos enterrados pela ressaca do dia seguinte".
O bacana é que o autor não se limita a falar apenas de sucessos como "Teen spirit" ou "Come as you are". Por isso, é possível ter uma visão geral da obra do Nirvana. Outro destaque é a análise da polêmica "Rape me". Segundo Orozco, este é só mais um exemplo de canção cuja aparência agressiva - em português significa "Me estupre" - pode acabar confundindo o ouvinte. A verdade é que, assim como "Polly", de Nevermind, a música traz uma espécie de defesa das mulheres quando a vítima pede para que o agressor termine de violentá-la, tendo fé de que mais tarde, ele seria punido na prisão ou pela lei do karma - aqui se faz, aqui se paga - na qual Cobain acreditava.
Com certeza, depois de passados dez anos da morte de Kurt Cobain e de tantas tentativas da mídia de criar "um novo Nirvana" (os Strokes e os White Stripes estão aí para provar isso), vale escutar novamente todos os discos com atenção e acompanhá-los com este livrinho. Fica fácil entender porque o rock está orfão até hoje, procurando por alguém que o coloque novamente no rumo, trazendo sangue novo de verdade e não clones de estúdio.