No documentário Back and Forth, que conta a história do Foo Fighters, Dave Grohl conta de uma ocasião em que a banda foi convidada para tocar no Video Music Awards da MTV, no início dos anos 2000, e se deu conta de que eles eram o único grupo de rock a se apresentar na premiação. “Peraí, eles chamaram a gente porque gostam do nosso som ou porque precisavam de ‘uma banda de rock?’”, conta o astro, com grandes aspas na última expressão.
Quase dez anos depois desse VMA, o Foo Fighters ainda é a maior banda de rock do mundo, o que é o maior indicativo do estado em que o gênero se encontra atualmente - não por culpa da banda, claro. O grupo merece estar no patamar que se encontra, depois de vinte anos emendando sucessos que sabem misturar peso e pegada pop, mas, embora a qualidade das músicas seja inquestionável, elas passam longe do caráter revolucionário de outros grandes grupos do rock - entre eles, o Nirvana, que colocou Dave Grohl no mapa.
Mas, mesmo que você não goste do Foo Fighters, ela é a banda da qual o rock mais precisa atualmente - e, por incrível que pareça, isso não tem a ver com suas músicas, e sim com uma filosofia cada vez mais encampada por Dave Grohl: a da valorização do músico.
Essa ideia transparecia em alguns momentos de Back and Forth, que estreou lá em 2011, quando o Foo Fighters lançava o disco Wasting Light. O álbum foi gravado em fita analógica, algo raro em uma época digital. Por trás da decisão, havia a ideia de tentar reter o elemento humano, cada vez mais disfarçado pelo auto-tune e por edições robóticas nas vozes.
O conceito acabou evoluindo na próxima empreitada audiovisual do grupo: o documentário Sound City, dirigido por Dave Grohl e com participações de todos os membros do Foo Fighters. Nele, o ex-baterista do Nirvana conta a história do estúdio homônimo no qual foi gravado Nevermind, entre outros álbuns históricos de grupos como Rage Against the Machine, Fleetwood Mac, Cheap Trick, Metallica, e vários outros - dá uma olhada na lista.
A identificação com Sound City é óbvia ao observar a proposta de Sonic Highways, o álbum-seriado que saiu no fim de 2014 e dá nome a turnê que o Foo Fighters faz em quatro cidades brasileiras neste fim de semana. Na série de oito episódios exibida pela HBO (aqui, pelo canal pago BIS), Grohl repete a dose em estúdios de oito cidades diferentes, mas a ideia é a mesma: contar histórias sobre músicos e pessoas (ainda que, claro, puxe sempre a sardinha para quem o influenciou na adolescência, mas isso é assunto para outro papo).
Independentemente dos entrevistados, as produções de Grohl sabem como cativar porque, além de contar histórias, elas coloca a música em prática. Na parte final de Sound City, ele convida todos os músicos a gravarem novas canções usando a mesma placa de som do estúdio antigo, e é fascinante observar pessoas talentosas como Paul McCartney, Trent Reznor, Corey Taylor, Josh Homme e vários outros criarem ali, do nada, contando apenas com a própria inspiração. Tanto o documentário quanto os episódios do seriado fazem você querer pegar imediatamente um instrumento e começar a tocar qualquer coisa.
É aí que entra a tacada de mestre de Grohl: em vez de ir atrás do público, ele agora busca os músicos, e essa inspiração pode ser uma ótima ideia para manter vivo um estilo que, há anos, perdeu seu apelo entre a juventude - basta observar as listas de maiores sucessos da Billboard em 2014, ou as de clipes mais vistos no YouTube, nos quais o rock mal aparece.
Em uma época em que o rock parece cada vez mais confinado a nichos e sem emplacar sucessos (coincidentemente, a última banda de rock capaz de lotar estádios é o próprio Foo Fighters), Dave Grohl parece ter tomado para si a missão de mostrar que o gênero, mesmo sem estar na vanguarda, ainda tem lições para dar. É uma transformação digna, e pode ser a melhor chance do rock ainda se manter relevante.