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Por que o ingresso é tão caro no Brasil?

Shows internacionais pesam extra no bolso do brasileiro

01.02.2018, às 16H12.

Existe uma indagação comum a qualquer brasileiro que já pagou pra ver um artista no país: por que os ingressos de shows internacionais no Brasil são tão caros? A reclamação é mais do que justa, e recentemente, foi levantada por um evento especificamente gritante: o Lollapalooza, que em primeiro lote, custava a barganha de 1300 reais. O alto valor do ingresso se dá por uma série de motivos, que envolvem politicas econômicas e sociais do país, concorrência, taxa do dólar e, claro, também leva em conta uma simples questão de oferta e demanda.

Antes de começar a analisar os motivos, vamos pegar os exemplos dos shows marcados para 2018 no Brasil (tabela abaixo). Passando para o dólar como moeda comum, e considerando os ingressos mais baratos para cada um dos eventos, o show do Foo Fighters, por exemplo, custa por volta de US$ 85 dólares em São Paulo, enquanto em Buenos Aires sai por volta de US$ 64. O ex-One Direction, Harry Styles, vendeu ingressos a US$ 122 em São Paulo enquanto em Buenos Aires o ingresso custava US$ 50 e em Santiago do Chile, US$ 41. Para um terceiro exemplo, a Katy Perry, que daqui a pouco chega ao continente, cobrou US$ 75 em São Paulo, US$ 64 em Buenos Aires e US$ 53 em Santiago. 

  Phil Collins Foo Fighters Katy Perry Lollapalooza
São Paulo US$ 110 US$ 85 US$ 75 US$ 409
Buenos Aires US$ 77 US$ 64 US$ 64 US$ 127
Santiago US$ 53   US$ 53 US$ 214

Considerando o salário mínimo em cada uma das cidades acima, enquanto o custo dos ingressos em São Paulo é sempre maior que 25%  (no caso de Harry Styles, o mais barato dos ingressos era 41% do salário mínimo), nas outras cidades, a porcentagem raramente chega a 15% (dentre os casos mencionados, o mais alto é Perry em Buenos Aires, que chega a 13%). O caso mais escandaloso, no entanto, é definitivamente o Lollapalooza; enquanto em São Paulo o ingresso seria o equivalente a 409 dólares, na Argentina o primeiro lote saía por 127 e, no Chile, por 214. Se fossemos comparar o valor com o salário mínimo de cada cidade, enquanto a Argentina cobra 26% de seu salário mínimo, e o Chile já está alto, cobrando 46%, São Paulo é absolutamente desproporcional: o custo do ingresso é 138% do salário mínimo na cidade.*

Existem fatores simples que encarecem o preço final destes eventos, como a falta de concorrência. Nos Estados Unidos, Katy Perry e Foo Fighters cobram, em média, 50 dólares para o ingresso mais barato. Quando os espetáculos visitam a América Latina, simplesmente por serem eventos extraordinários, justificam preços altíssimos. Espetáculos como a primeira vinda de Phil Collins ao Brasil, ou a popstar Katy Perry passando por aqui, são eventos raros que o brasileiro não gosta de perder. Na cabeça do consumidor que tem dinheiro, o desembolso vale a pena, e isso já possibilita o próprio artista e as produtoras de encarecerem o preço. Este argumento vale para a maioria dos países por aqui, que vive distante dos grandes atos americanos e ingleses, e por isso sente o peso da vinda de um artista às redondezas.

Soma-se à isso o valor da moeda. Quando as produtoras negociam a vinda de um artista para o Brasil, geralmente, o preço é calculado em dólar (a moeda mais usada internacionalmente). A diferença entre o valor do Real e a moeda americana (taxa de câmbio) naturalmente é sentida no bolso dos pagantes, mas isso vale também para os nossos países vizinhos. O diferencial brasileiro é que aqui não apenas temos umas das maiores cargas tributárias do mundo, mas somos também os vencedores entres nossos vizinhos latino-americanos. Estudos da Receita Federal - publicados aqui e aqui  - comparam a carga tributária os outros países, e enquanto o Brasil disputa com a Argentina ano após ano entre os países com maior carga tributária (que chega a ser por volta de 30 a 33% do PIB, considerando desde 2014), o Uruguai fica por volta de 26% e o Chile e o México por volta de 19%. Isso encarece o preço da vinda dos artistas às capitais, por estarem sujeitos à tributações maiores de importação de serviços, e ainda aumenta o custo que a produtora tem quando promove um evento: aluguel de equipamentos, sistemas de iluminação, e todos os gastos envolvidos com o evento saem mais caros no Brasil do que, por exemplo, no Chile ou no México. E o custo arcado pela produtora, naturalmente, recai igualmente sobre o preço do ingresso.

Mas existe um fator exclusivamente brasileiro que é ressaltado em todo estudo que pesquisa a alta do ingresso no país: a lei da meia-entrada. Política única no território brasileiro, a iniciativa que supostamente deveria incentivar a ida de jovens de baixa renda à eventos culturais acaba por prejudicar neste sentido. Ao contrário de outros países, quando uma produtora faz um show no Brasil, ela já considera que parte de seu público pagará meia-entrada. E é exatamente isto que torna o resto dos ingressos tão caros. Naturalmente, as produtoras buscam ter o mesmo lucro que em outros territórios, e para não sentir o peso do incentivo no próprio bolso, ela repassa para o pagante: para compensar o incentivo, quem não paga meia-entrada, paga o dobro, e consequentemente, quem paga meia entrada, paga inteira. 

O aumento nos preços de shows internacionais ficou tão óbvio no país que, por isso, foi estabelecida cota da meia-entrada. Em 2015, foi aprovado um limite de 40% dos ingressos para meia-entradas. A medida deveria aliviar, mas ainda não soluciona o problema. Beni Fisch, colaborador do Terraço Econômico e mestre em Economia Política Internacional pela LSE diz que a taxa não tem efeito real: “Os custos de realização de um evento são fixos; qualquer interferência do governo na política de cobrança vai gerar distorções, independentemente de qual seja a cota. 40% de ingressos vendidos a metade do valor ainda significarão que os 60% restantes precisarão ser inflacionados para compensar”.

O Lollapalooza, caso mais óbvio da inflação de preços, lidou com o problema da meia-entrada de um jeito que prejudicou ainda mais o pagante, o que lhe custou um processo judicial iniciado pela UNE. Para os ingressos de 2018, o evento introduziu a “meia-entrada social”, que é o ingresso pela metade do valor, mediante doação de 30 reais para o Criança Esperança. Ao invés de abaixar o preço da entrada para todos os pagantes, o evento abriu portas para que qualquer um pudesse pagar metade do preço e, tendo essa desculpa, inflacionou seu valor. O festival é o exemplo de como a alta nos ingressos transformou completamente um evento em um programa de elite; pagantes são exclusivamente público de alta renda da cidade, e a política de meia-entrada, que deveria beneficiar jovens de baixa renda, é simplesmente ineficiente. Atualmente, a meia-entrada para o Lollapalooza está custando RS$ 1000. 

Além de tudo isso, pagantes de show ainda tem que lidar com a infernal taxa de conveniência. Comum na maioria dos países da América Latina, as taxas cobradas por sites de internet que fornecem o serviço de compra online é de 20% do ingresso. Isso quer dizer que além de todo o dinheiro que você já paga pelo ingresso, toda vez que abre um novo evento, o preço no cartaz é quase que disfarçado. O PROCON já se pronunciou sobre a questão, estabelecendo que é ilegal a cobrança de taxa de conveniência, a não ser que ela forneça, realmente, uma conveniência ao consumidor, como por exemplo, entrega domicílio. O simples desvio dessa regra é impossibilitar a retirada física, deixando o consumidor que quer comprar online sem opção a não ser pagar a inconveniência.

Todos estes fatores contribuem para o preço do ingresso que sentimos tão fortemente na carteira quando queremos ver um show de um artista estrangeiro querido. Mas uma questão de oferta e demanda também não pode ser desconsiderada, principalmente no caso do Lollapalooza. As produtoras já perceberam – também pela abertura da questão da política de meia-entrada – que podem cobrar o dobro do público brasileiro. Não é uma questão de vilanizar as empresas, mas uma simples estratégia de comércio: não há porque abaixar o preço do ingresso quando, ano após ano, o público brasileiro continua pagando preços absurdos. O problema por trás disso é óbvio e triste: a crescente elitização de eventos culturais. 

*Foi utilizada a taxa de câmbio de 01.02.2018 e os valores de salários mínimos do ano de 2017 [São Paulo: R$ 937, Buenos Aires: 9.500 pesos, Santiago: 276.000 pesos]

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