Dos projetos alternativos do vocalista do Blur, Damon Albarn, o Gorillaz não só é o mais bem-sucedido como também se provou o mais longevo. Isso se reflete no som da banda, que mudou consideravelmente com os anos, assim como os shows - que primeiro colocavam mais em primeiro plano os personagens animados criados pelo desenhista Jamie Hewlett, e hoje destacam mais a banda e seus convidados.
Nesta chuvosa sexta-feira de feriado o Gorillaz veio ao Brasil pela primeira vez, e o que se viu foi um retrato dessas transformações. As animações no telão servem menos como fio de narrativa e mais como acompanhamento (é curioso revisitar as fases do grupo com base na qualidade dos vídeos, como quando passam os videoclipes em animação 3D do álbum Plastic Beach, auge mercadológico do Gorillaz) e Albarn conduz um setlist bastante eclético que às vezes soa aleatório como uma playlist caseira de festa.
Albarn se destaca no começo, na primeira sequência de faixas, "M1 A1", "Last Living Souls" e Rhinestone Eyes", que valoziram seus vocais, e os holofotes só têm luz para o compositor e cantor londrino. Em seguida, vem "Tomorrow Comes Today" e a vasta pista premium do show em São Paulo treme com a potência dos graves, que as caixas posicionadas na lateral do Jockey Club aguentam sem problema. Albarn faz seu solo de escaleta mas rapidamente fica evidente que o show tem mais a ganhar - para galvanizar o público - se investir nas batidas do trip rock e na vocação do Gorillaz para se apropriar dos sons de matriz black.
E é o que a banda faz. Cortado por alguns momentos calmos que não atraem tanto a atenção do público (como "El Mañana", do álbum Demon Days, bem Blur dos anos 2000), o miolo da apresentação ganha muito com a lista de convidados que se apresentaram na capital paulista. O trio De La Soul veio para acompanhar o Gorillaz e os dois hits que tiveram a presença dos rappers ("Superfast Jellyfish" e "Feel Good Inc.") foram pontos altos da noite.
A sequência matadora, porém, é aquela que tem mais a ver com a pegada dançante do álbum desta turnê, Humanz, de 2017. Ao mesmo tempo em que finalmente para a garoa no Jockey, vêm na sequência "Ascension", "Strobelite" (com a presença de palco de Peven Everett), "Andromeda", a inédita "Hollywood" (que levanta o público com a participação de Jamie Principle) e "Garage Palace" (rap de batidas mais intensas com a carismática Little Simz cantando no palco). Se miolos de shows costumam ser mornos, o Gorillaz evitou essa armadilha ao organizar em torno do rap, da disco e do soul todo o coração pulsante da sua apresentação ontem, com um entra-e-sai desnorteante de convidados que dão o lastro de black music que Albarn buscava com seu projeto paralelo.
Essa sequência esquenta o show para seu final, e "Stylo" (com Everett e Bootie Brown no palco) abre os hits novamente antes de "Dirty Harry" e "Feel Good Inc." fecharem a apresentação antes do bis. Depois Damon Albarn retorna com sua escaleta e suas pirações de world music, reminiscentes da fase marroquina do Blur, e o show vai se encaminhando para o fim com uma nota anticlimática. Quando toca o sucesso "Clint Eastwood", o vocalista já parece cansado, e a reprodução sai automatizada. A nostalgia 2000 fala mais alto, porém, e o público conduz sozinho o hit por alguns segundos.
Não foi, porém, tanto um show de best of do Gorillaz - alguns desses sucessos, aliás, já soam um pouco datados e não têm uma vitalidade nova ao vivo. Foi um show que parece mais bem resolvido nos flertes bastante contemporâneos com a black e a eletrônica do que necessariamente nos hits de rádio. Sem dúvida o espírito mais atual de Humanz contribuiu para esse êxito - como aliás se tem percebido em outros shows da elogiada turnê do álbum.