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Arcade Fire - Everything Now | Crítica

Com crítica embalada pelo produto criticado, canadenses entregam disco profundo com mix de sonoridades

28.07.2017, às 16H59.
Atualizada em 28.07.2017, ÀS 18H52

Não dá pra negar que para muitas pessoas [pra mim inclusive] o contato/o interesse/ o amor por uma música acontece quase sempre por causa da forma como soa. A partir dai as pessoas seguem para pesquisar as letras, as formas e as possíveis mensagens por trás de tudo.

Arcade Fire - Everything Now - Crítica

E o novo disco do Arcade Fire, Everything Now, parece dividir opiniões justamente pela forma como o grupo entregou sua mensagem. Com um álbum cheio de elementos que emulam climas e sonoridades de momentos marcantes da música eletrônica, o disco, em um primeiro momento, mostra um grupo diferente e é ai que pode morar o "X" da questão.

Apostando em possibilidade e diálogos sonoros que poucas bandas teriam coragem de entregar, o álbum, que tem entre seus produtores nomes como Thomas Bangalter, do Daft Punk, Steve Mackey, do Pulp, e Geoff Barrow, do Portishead, não parece confiar na simplicidade messiânica, justamente por trabalhar a mescla e o diálogo entre os elementos eletrônicos de momentos marcantes da música, emulando ABBA, cantos em coro e tudo mais que for capaz de garantir um novo tempero à sonoridade do grupo que busca e entrega renovação em cada um de seus projetos.

O som não parece tão cru ou com os marcantes arranjos orquestrados que já definiram outros trabalhos do Arcade Fire,  mas isso não faz com que o projeto perca relevância. Possivelmente, Everything Now pode ser tornar um pouco menos impactante [de início], justamente por inserir elementos que já estão surfando o hype musical há algum tempo. E disso surge a questão: Será que toda a estratégia de mídia-empresa-corp pensada para o novo disco não foi algo criado para embalar o  projeto em uma cara comercial? 'Temos uma crítica ao mundo atual, mas embalada em algo que o mundo atual aceita' [isso é muito Black Mirror, meu! Vide episódio Fifteen Million Merits/ Quinze Milhões de Méritos].

Com isso em mente, os canadenses entregam uma uma rejeição a forma do mundo atual, de maneira acessível [para os parâmetros da banda], ou seja, com a cara do que eles rejeitam.

As faixas conversam por blocos. "Everything Now" [sim, ABBA] chega com frases como "Cada espaço da sua cabeça está preenchido com as coisas que você lê" e segue com o clima tomado por elementos eletrônicos em "Signs of Life", que aborda a eterna repetição de ciclos em busca de sinais de vida que nunca e acaba evidenciando que nós mesmos já não estamos vivos, só existindo em modo automático. E como o som é o que faz o disco caminhar, os momentos dançantes, as palmas no meio da sonoridade crescente funcionam como a brilhante estratégia para ludibriar quem está preso no circuito da busca sem fim. "Creature Confort", se mantém dentro do mesmo conceito sonoro, com um sintetizador pesado que abre caminho para que novas camadas surjam, criando a atmosfera que permanece por todo o resto da faixa. E, mais uma vez, a ideia por trás da letra que ganha contornos mais pesados à medida em que 'brinca' com a ideia de não saber o que se quer e se realmente quer. Mais uma vez a roda da superinformação que toma o controle da situação.

Depois do primeiro momento, o disco segue ao encontro dos elementos jamaicanos. Aposta em momentos dub e acalma o clima com "Peter Pan" e "Chemistry". Duas faixas que conversam entre elas, mas parecem não conversar com o restante do disco, seja em sua forma sonora, seja com a temática das letras que falam sobre ter o amor, mas não ter um amor, entende?

A crítica retorna com "Infinite Content" e "Infinite_Cotent" com sua mensagem de que todo o conteúdo do mundo está ao nosso alcance, já que "Todo o seu dinheiro já foi gasto com isso". E ai entra a jogada sonora, com uma faixa rápida, que pode expressar a força como isso é jogado em você [compre, faça, use] e a outra (acústica) fazendo parecer que é tudo lindo, é infinito, mas você pode escolher como e quando consumir... O grupo ainda passa pela padronização das coisas com "Electric Blue", que se desenvolve com pitadas de Tropical House e segue para a levemente swingada "Good God Damn", faixa que flerta, novamente, com a sensação de vazio e menciona o suicídio, compilando tudo em uma brincadeira com a possibilidade de um deus bom em algum lugar. E ai fica nítido que o disco pode se tornar ainda mais interessante quando visto sob a perspectiva da crítica realizada com as cores dos elementos criticados.

Após essa jornada, os canadenses finalizam o projeto com as faixas mais interessantes do disco. "Put Your Money On Me", chega com a alternância de notas sintetizadas mais os vocais em coro no refrão que embalam a faixa de interpretação mais aberta de todo o disco. A faixa vale cada segundo, justamente pelo clima que constrói e entrega, conduzindo o ouvinte para o encerramento da jornada ao encontrar a climática "We Don´t Deserve Love", outra longa caminhada entre atmosferas condensadas pela voz de Will Butler (em seu momento mais particular) e sintetizadores distorcidos.

O caminho termina ao abordar, mais uma vez, a síndrome de ter o amor, mas não um amor; a solidão compartilhada, as dúvidas, e tudo mais que a superexposição, sem se saber o que quer ou sem saber se realmente quer, conseguem gerar. Tudo conduz à triste constatação do tema central da música que é "Talvez a gente não mereça o amor".

E por fim, o ciclo se encerra com faixa tema do disco, "Everything Now (Continued)". Em todo caso, sob a ótica de uma obra que parece estar em busca de conversar com o tema ao qual se propõe criticar, o Arcade Fire entrega algo diferente e que precisa de muitas audições para que, possivelmente, todas as ideias por trás de cada um dos momentos explorados na trajetória possam ser absorvidos.

É inegável que o disco traz diferenças quando comparado com o que o grupo já apresentou antes, mas aponta uma ideia que pode funcionar não só para os fãs do grupo, mas também para quem ainda não conhece tudo que os canadenses já fizeram, desde que sob a luz certa. Ouça o disco na íntegra.

Nota do Crítico
Ótimo

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