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Crítica

Lorde - Melodrama | Crítica

Neozelandesa faz escolhas certeiras e entrega a mistura perfeita entre sentimentos, solidão e a pista de dança

16.06.2017, às 01H05.
Atualizada em 16.06.2017, ÀS 22H52

A espera por Melodrama, segundo disco de Lorde, foi grande, mas parece que valeu cada segundo. Criado sob um conceito corajoso e amplo - uma noite de festa - o disco se mostra genial, já que pode ser estruturado de forma ampla e praticamente irrestrita, garantindo a artista total liberdade criativa. E Lorde soube aproveitar isso de forma magistral, com um storytelling que acontece não só por meio das letras ou da sonoridade, mas também por meio da atmosfera que cada uma das faixas cria, seja por meio de brincadeiras vocais, finais prolongados ou abruptos, seja por meio das escolhas simples e na medida para cada um dos momentos do disco. Sem dúvida uma obra que faz a aposta na visão artística da cantora valer cada segundo.

Lorde Melodrama Novo Disco

Melodrama começa com a já conhecida “Green Light”, que não importa quantas vezes você já tenha ouvido, ela consegue manter o frescor de seu som, com cada nova audição apresentando novos elementos que servem como uma prévia do que o disco vai trazer no decorrer do caminho. A faixa funciona como um setup para o resto do disco que apresenta quebras, variações sonoras e mostra que a aposta de Lorde está em tocar nos rádios, mas sem soar rasa demais graças a sua sobriedade sonora em conjunto com o trabalho desenvolvido com elementos básicos e marcantes.

Assim, o álbum segue com “Sober” outra música que traz toda a mágica da produção do projeto, com uma letra cheia de bons momentos (“But my hips have missed your hips/So, let's get to know the kicks/Will you sway with me?/Go astray with me?) e funciona como uma das melhores sequências de abertura para um  álbum lançado recentemente. A atmosfera da faixa evolui e  prepara para o que está por vir, funciona como uma referência a nova sonoridade e as apostas de Lorde. Com certeza uma dessas faixas para ouvir no repeat por muitas horas. “Homemade Dynamite” chega como uma aposta para o resto da festa, quando tudo já está próximo do fim, mas ainda existe a esperança de que algum momento ou alguém interessante possa aparecer. Aqui, Lorde aposta em tudo que funciona para essa sonoridade climática: Voz sussurrada, muitas camadas, arranjos simples e bem posicionados em conjunto com uma sequência de brincadeira com a frase principal que torna a faixa em algo criado para ficar na cabeça de forma instantânea. “The Louvre” pode parecer um novo rumo para o disco, mas ainda não é a hora. A faixa consegue surpreender com a inserção de elementos dançantes e graves saturados que criam uma atmosfera sexy, prolongam as expectativas para o próximo passo e conduzem para o próximo elemento do disco que fica em destaque: A quebra de expectativas.

Cada nova sonoridade e caminho propostos pela artista não irão levar o público para o lugar comum e isso não poderia ser melhor. Dessa forma, a faixa segue para um final poético e prolongado, mostrando a opção pela fuga do óbvio, mas sempre com justificativas sonoras coerentes. Nada sobra ou falta, nada acontece somente por acontecer. Vale lembrar que Lorde foi produtora de todas as músicas do disco em conjunto com Jack Antonoff. Isso deixa ainda mais claro que a cantora realmente sabia quais caminhos seu projeto deveria tomar em todos os momentos.

“Lyability”, quase o meio da história, surge como a hora de cair na real. Os grandes momentos da noite já se foram, a realidade domina sua mente, as imagens reais surgem para colocar luz e encerrar a festa. É delicada e apresenta uma sonoridade ainda não ouvida no disco, mas dialoga de forma clara com a sensação de estar sozinho - e com todas as outras faixas - depois de curtir e partilhar uma noite com tantas pessoas e, talvez, com alguém que pudesse ser especial…

A partir daí Melodrama segue para um novo momento, “Hard Feelings” chega com elementos eletrônicos discretamente inseridos e ganham enfâse no decorrer da música. Ela toca como aquela onda da praia que vem calma só para deixar em evidência o sentimento de algo e emula alguns elementos da música eletrônica industrial. Uma faixa que, mais uma vez, quebra expectativas e coloca as palavras e as lembranças em primeiro plano. “Loveless” vem como um bônus, com uma sonoridade dub, ela remete àquele momento no qual as pessoas se dão conta de que as coisas saíram erradas, mas isso faz parte da vida - você aceita, ou parece aceitar - e quer partir pra outra. Tá tudo bem, dá uma animada e é hora de ver no que vai dar. “Sober II (Melodrama)” vem com todo o toque dramático que um pós-festa pode e deve ter. Com uma mistura de orquestra e alguns elementos das batidas criadas para o hip-hop - graves profundos e espaçados -, só sobra sentir o drama depois da festa que já é passado, enquanto a principal frase da faixa ecoa e cria o ambiente para alguns dos momentos mais dramáticos da noite.

“Writer in the Dark” é a composição que coloca tudo no básico, voz e piano, a hora em que só as folhas de papel são companheiras. O momento de lidar com a falta de algo que foi fugaz, com a necessidade de alguma coisa que não teve nem sequer tempo para se transformar. Frases como “I'll love you 'til my breathing stops/I'll love you 'til you call the cops on me” mostram que a hora de enfrentar o resultado de uma noite 'bacana' está chegando. Nesse ponto, fica claro que a artista realmente entendeu como criar seu trabalho, com apostas ousadas, sem rebuscar o resultado, simplesmente garantindo que sua sonoridade tenha o tempero - o drama, a história - certo. “Supercut” incia um novo momento. É uma faixa com cara de pista de dança e, dentro da história, funciona como o momento em que as pessoas acordam, pós-festa, pós-amor-de-festa, e sabem que algo precisa ser feito. Então, nada mais pertinente do que escolher a música que você mais gosta e ir para o sol, para ver o dia. Entre os detalhes finos, é possível escutar na faixa alguns elementos de “Green Light”. Talvez com a ideia de que, depois de tudo que aconteceu, alguns elementos - os bons - do começo, permanecem com a gente. Essa música já nasce pronta para ganhar todos os remixes possíveis e imagináveis, com um final que se prolonga como as ondas do sol sobre a pele em um belo final de tarde de outono. É uma música que conduz o ouvinte, não dá trabalho nenhum embarcar na viagem que essa criação propõe e assim chegamos em “Liability (Reprise)”, que dessa vez apresenta um clima de que a ficha caiu, nem tudo é o que a gente acredita ser, então é bom se levantar, porque coisas melhores virão.

Novamente, a aposta está em uma sonoridade leve, com vocal e musicalidade que lembram Imogen Heap em seu momento mais famoso, “Hide And Seek”, e conduz para a calma do coração que entendeu alguns porquês, afinal de contas, chegou a hora de deixar ir e se preparar para recomeçar. “Perfect Places” é o encerramento ‘good vibes’ que quase todo mundo passa depois de uma noite de festa, cheia de sensações extremas (“Every night, I live and die/Feel the party to my bones[...]Are you lost enough?/Have another drink, get lost in us”), então é hora de ir para os lugares perfeitos, afinal de contas o que é um lugar perfeito, não é mesmo?

E assim, Lorde, com seu segundo disco mostra maturidade humana e artística e reafirma que não foi engolida pela máquina de fazer hits. Ela usa alguns dos elementos mais radiofônicos do momento, mas de forma muito precisa. A artista não se perde em sua ideia e entrega um álbum na medida, de tracklist enxuta e sem faixas descartáveis. Um trabalho coeso e que possivelmente deve ser um novo parâmetro para os lançamentos de 2017. Como alguns fãs têm escrito por ai: "Lorde vai ganhar até as cadeiras do Grammy em 2018". Agora é aguardar para ver - ouça o álbum na íntegra.

Nota do Crítico
Excelente!

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